23.12.08

Boi Faminto

regatos de urzes abertos húmidos
de espinhosas rochas àguas lacrimejantes
mais loira sobre as escarpas
onde chapa o verão os estratos ósseos secos em pó
ordeno ao mar que te cinzele as pétreas omoplatas
prenhe da luz que cega o boi faminto
choro regatos gravetos vicejantes

André Istmo

Nuvens e Rochedos

Nuvens e rochedos
Infâncias outonais varridas de vento
E agressivas urzes
Eu por perto e tu tão dura
Forço por te alcançar no Inverno
Lamas revoltas
O cheiro a chuva o céu cego
Sorris no verão mais solta e loira
O feno da suave encosta
E cegas-me de sol e oiro
O fruto da primavera que rescende no teu dorso
É flecha vermelha liberta sobre a imensidão
Reflicto em onda e luz a escarpa do rosto
E estoiro

André Istmo

Recolho

Recolho ávida o feno
O molhe de calor
Entre tábuas sombras de fogo
Armazeno madrugadas
Se caem chaminés lentamente das casas
Melodias de ventos perdidos nos poços secos
Onde os recolho

Lúcia

It's a Wonderful Life 2


20.12.08

Restos de Metal

Restos de metal
Fagulhas de asas negras
Terra negra
Nas cavidades oculares da tua caveira
Metronomia chilreios

Lúcia

Fantasmas de Albatorre

Separada da rua por um lençol
Os descendentes dos fugitivos envoltos
Num loop dolente rappavam noite fora
A angústia de várias gerações
Os fantasmas de Albatorre amaldiçoam
O pontão da Cova do Vapor
Separando, arrastando os corpos nas ondas do Atlântico
Enquanto afogam as almas nas águas verdinegras do Tejo

Se sentires um calafrio na espinha enquanto
Comes uma tainha em Porto
Brandão excusas de limpar os beiços e pagar a conta,
A tua alma já vagueia louca nos corredores do sanatório
28 de Maio.

P.S – O tecto do auditório dos bombeiros
da Trafaria é de corticite podre
Pintada em xadrez
[com estrelas nas casas pretas]
de relance parece uma bandeira
Dos USA gigante.

PS2-Joanna southcott
Et Ecce Terrae Motus

Rui Barbo

Os Arcos

Os arcos feitos das mesmas palavras
a pedra impiedosa que esmaga o corpo em silêncio
vês-te no homem forçando
o denso mato
arco sangue e espada
o anjo firme
prostrado o alento da terra
seco o peixe
oiço o assobio no quarto do meu
filho

Zé Chove

It's a Wonderful Life




Desfibrilador, Cautério, Farpa

Difuminada cortina
Aveludada de charutos
Alarmes de vida
Surtos de púrpura
Alegres em ganga nos baldios
Mocassins e meias de algodão
- tens de tê-la toda
Fractais de isabelina telha
Jardins reais
Estátuas escarchadas embebidas pela relva
Choros em fonte
Na madrugada mais entediante
Tábuas e tábuas de charcutaria um pai autoritário
O fósforo cai no álcool
Chora chora
Lá fora
Escorrego de novo na areia
Doutra infância
Cristalizo num modernismo
De aço e gelo. Uma cítara o belo
Perdido eco balbuciante dolente pelos vales sem consolo
A noite volta a cair sobre o refeitório operário
Em surdina a maquinaria
De novo o sol desfibrilador, cautério, farpa
Enfado-me com tanta informação
A chuva uma voz uma correia de biciclete
Talvez um sino
E concerteza um navio que aproxima todos os dias

Orlando Tango

Reviro

Reviro o óbvio
Disseco-te entre o espelho
E o ar
Gota a gota
Mais e mais próxima
Do fio
Junto ao pescoço

Manuel Bisnaga

19.12.08

É Sopro

É sopro que se faz bolbo
E desponta em pétalas
Sussurros de rosa
De coração moldado ao espinho

Nicolau Divan

Complexo Industrial

Carros amontoados
Amplas estradas de terra desolada
Terraplenos de camiões enferrujados
Escórias, pneus, amalgamas de armaduras
E as urzes que roturam o solo gretado
As chuvas em manancial de luz
Hidrografia enquinada
Pestilentos lodaçais lagartixas e rasteiros matagais destilando
O branco e vermelhos pardos da alta chaminé solitária
Maquinarias e altos fornos de silêncios
Betão cozido limalhas
Lamas negras, margas, parafusos calcinados
Alma complexo industrial obsoleto
O piar indecifrável dos pássaros

Mário Mosca

Ordálios?

Ordálios?

Que o indizível nos sobrevenha
E abafe o sólido choro
Algo terrível que nos ilibe de toda a culpa
Que emudeça a erva e nos impeça
A vontade

Per i morti reggio emília

Represálias – Sandálias

Comprovo que (deservo) mereço
Toda a dor todas essas dores

Não insisto mais na forma, desisto

Corta o ramo dum só golpe.

André Istmo

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...