25.3.21

Carrasca Esperança

Sobes e deitas para trás o olhar mais largo
Como homem que o trigo lança de esperança
Constróis muros e armazenas o passado
Na talha de penumbra vertes a obra
 
Decepas os galhos à árvore morta
Deixa-la sem forma lisa sob teus calos
Escorrega-lhe a alma ao tronco sem casca
Como remorso aplana o passado  
 
Acolho-me às covas de teu regaço oh terra
Sorvo as papas da malga torta de barro
Agarro-me e rumino nestes tristes pastos
 
Que adiantam paredes se a terra já está rasgada
Adensa-te bruma e esconde meus covões
Encobre a vergonha engole as desilusões

Alma Imersa

Quando a vida se desfiava
por entre ruas de lama
barracos decrépitos
miséria

tremia a alma sensível
imersa na perfeição do palácio
do artefato polido
simetria

agora deve ser tudo ao contrário

Em torno da arte

moscas! dançam na modorrenta sala
ao compasso do relógio de parede
espojado no sofá - o tempo - fixado
pelas portadas em fresta de luz na janela

desbrava-se uma certa forma 
de pintar a realidade
uma redoma
de constância e estabilidade de manter o olhar
enviesado emboçamos a mentira
que damos como verdade
e o prazer de fazê-lo seguido do espanto 
ao ser contemplado
é uma arte

Esse jogo divinatório
de ir deitando palavras
aproxima o ofício, a adoração
e o encantamento,
é uma receita sem garantia de resultado
garantamos apenas 
que nada na garganta
ficará atravessado

sálvia
pedaços de uma carne
pétalas amarelas
uma mão de mar salgado
tudo em fogo
bem bravo
e umas pingas de veneno adocicado
e umas rezas a um santo desconsiderado

22.3.21

Restos

 Esculpida a morte sob o escopo da agonia
Nascem do Centro da praça Avenidas de marquises
Féretros de evisceras urbanas à janela
Vogam monges de vergonha ensarapilhados
 
Nos passeios nossa fé muda as placas toponímicas
Mas eis que numa cortada resvalamos nos baldios
Roçaga tijolo contra tijolo assente no lamaçal ferrugem
Latoaria labiríntica e ratazanas e vida! - ah e Vida
 
Risos de crianças vibrando no arame farpado
Cheiro a sopa concreto mal amanhado
Tudo a palmo tentemos ordenar um templo
 
Fundam-se as luzes caia a noite a acendam as fogueiras
Restos de pneu, lascas de bidon formando um altar
Sangue suor e grita a chuva em bença lágrimas

Quebras

Cristaliza padrões

Com que partir as coisas
O gelo em que se quebra o vidro
As lascas do tronco rachado
Os sulcos no coração é lavrado
 
como fluem nas quebras os líquidos
O trovão pelas nuvens caindo
As geadas lambe o veio granito
Por entre dedos o passado
 
E se há fogo, prego ou linha
No crisol ou ponta de agulha
juntam e conservam tantos pedaços
 
Não há choro baba ou ranho
Num colo, ombro ou abraço
Que arribem o corpo  quebrado



 

Meu filho é um orgulho - ver te criar

não temos horrores que cantar
alegrias
vitórias não sabemos
o que é alcançar?
fazemos o círculo toda a noite
pelo vagão a pescar
ao som do gato na empedrada rua
melro a suplicar
não temos dinheiro para meditar
*  *  *
Só ouvimos quem queremos
e a eleição das fontes
dá-se bem cedo
se em adolescentes
pelos ermos vagabundos
de coração disperso
de olhos bem abertos
sob o calor de Verão
entre azinhagas de abetos


Trafaria 2

não são velas são lençóis
desbotados no pândego varal
tanto despedicio de homem
a areia colmata o asfalto

mas carrega-se o sobrolho
isto é tudo um jogo
e salmodeiam de magia as giestas
encantam os pinheiros na sua gorda sombra

as leituras que faço da outra margem
de olhos embriagados
o ponto de amarração do pensamento
distante bugio

ladainhas de embarcado
códigos de assalariado


 

Trafaria

Arqueados asmam de ferrugem
sorvem de tarde no desbotado
rasgo dos passos na azinhaga
entre os dias emparedados

latoaria, industria humana
escravidão da própria raça
junto ao rio orgulho de sofrer
junto de fumo ao aço

do carril como um pão duro
de fim do sol junto ao cais
paredes de nicotina e sódio
acende-se a tristeza pelas 7 da tarde

treliças, rebites deste ventoso arcaboiço
flagelado de cabos elétricos
olhos cavados - não te oiço
como as cavas esboroadas no arenito das falésias

já são oito e na Trafaria
já cheira a jantar



Melhor que ganhar

 Melhor que ganhar
é reganhar
o que temporariamente
deixou de ser teu

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...