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16.8.11

Assim Seja


Assim seja
as chuvas e os ventos
assim seja
a carta de despedida sobre a mesa
assim seja
as lágrimas na torre da igreja
assim seja
o corpo levado na torrente
assim seja
a pena que pesa na alma
assim seja

Tomás Manso

1.6.11

Faz Chorar

Faz chorar ver consumir-se assim uma história
uma tradição tão antiga tão fincada na terra
como uma aldeia perdida nas faldas duma serra
faz chorar ver partir em silêncio a memória

Faz chorar uma intensa alegria alheia
de alguém tão feliz que também chora
por ver um filho regressar inteiro
faz chorar quando enfim chega aquela hora

Faz chorar relembrar a juventude
e a saudade é um fogo impossível de apagar
faz chorar não ter sabido aproveitar
e viver as alegrias em toda a plenitude

Tomás Manso

8.11.10

Do Frio da Noite

Musica de câmara e luz amarela
Cânfora e jarras de fina argila secando
Ao pôr do sol torrado
E uma vontade enorme de jantar
Na entrada da minha gruta com vista sobre o vale
Eremita
Cá de cima
A elevação do eremita
Do frio da noite quando cai
Do pardacento da paz sobre os silvedos
A solidão que invade com sombras os rochedos
O canto indefinido do amor inatendido

Tomás Manso

13.7.10

Mareado V

Lebanon blonde - Criatura angelical a vagueando entre rastafaris na praça do Adamastor com o mar e o rio todos metidos num só olho.

Esmerava-se por embrenhar os inícios das peças num limbo pseudo-intelectual, era a sua forma de vencer o mundo e de tirar um sabor mais doce do seu trabalho. Posso não ser actor mas hão-de reparar em mim e eu dominá-los-ei com um olhar condescente - consolava-se no duche todas as manhãs frias da sua vida. Passeava junto à praia todas as madrugadas e desabafava no mar.

Não há nada para contar?
É só isto que me interessa. É só isto que se me oferece. Um plano contínuo e largo profundamente cinemático às escuras pelo mundo em que flashes duma luz todo-poderosa vão gravando como diapositivos ambientes ou cenários na minha sensível memória. A história nunca foi contínua porque a nossa percepção é espasmódica.
O antigo cilo da Cova da Piedade ao lado da ETAR que fica nas traseiras da Lisnave confinando com o Alfeite está empestado de vampiros romenos. Esgueiram-se lá para dentro por um portão metálico dobrado no canto rente ao chão. Sanfonam a noite toda e ao final da tarde roubam todo o metal que possam encontrar: caixas de anzóis enferrujados, baloiços dos parques infantis, jantes de pick-ups, maquinaria dos estaleiros, cobre dos cabos eléctricos, sinais de trânsito... O saque é armazenado na Quinta da Arealva no Ginjal numa cova entre blocos areníticos caídos da falésia fóssil.

"No Sanatório do Outão durante o século XIX foi um reformatório de meninas. O único feriado que tinham era no solestício de Inverno. Nessa noite costumavam bailar com os militares do forte de São Sebastião situado uns passos abaixo. A fortaleza de São Sebastião fica em frente da Torre de Belém e as duas fortalezas guardavam a entrada do Tejo".
“As Paixões tornam-te diferente”, lia-se, era a dedicatória do livro. As folhas ainda estavam coladas sinal do interesse que os habitantes da casa tinham pelo livro.

Oh Leirosa de praias esquecidas e orgulhosas fábricas de papel escreveste a tua história na areia sobre a memória dos eucaliptais líquidos.
Quando o nosso carro por ti passava com os seus faróis prescrutadores só divisávamos a primeira fileira de eucaliptos que se recortava dum cenário de escuridão como uma fronteira para uma realidade alternativa.

Tomás Manso

Mareado IV

Graças à exaustão física, esses "quase esqueletos" ficavam incapacitados para quaisquer ações violentas e, assim, "dóceis" às rígidas imposições da instituição.
Além disso, a exaustão imposta funcionava como um tratamento de choque emocional antidelírio: os pacientes enfrentavam, além do sofrimento físico e da sensação de impotência, a impressão angustiante da morte iminente. Uma impressão que poderia despertar neles algum instinto de defesa, capaz de ligá-los, de novo, à vida real. É uma explicação que se aplicaria também a outros tratamentos somáticos ditos "de Afogamento".

“A fé sustem-se também na nossa experiência de realidades adjacentes, inerentes ao acreditado. A fé cimenta-se num revelador de confiança. Sim acreditamos em mistérios.
Perturba mas consola. Perturba e consola.
Já não estamos dependentes das vicissitudes históricas só dependemos da sua Cruz”. Proclamava o prior cigano da aldeia piscatória da Cova do Vapor.

Lopes no seu quarto proibido de falar com a tia louca. Olhou através da vidraça e contemplou-a absorta no prédio em frente dois pisos acima. Quando o viu esboçou um sorriso amável e cúmplice. Em vão tentou disfarçar que a vira, foi denunciado pelo subtil trejeito do lábio e  um arreganhar da narina como se sentisse um mau cheiro. Ela acenou. Incapaz de ser antipático para quem quer que seja. Queria que lhe recebesse uma encomenda. Um simples pacote que lhe fez chegar com uma cana de pesca enferrujada que ameaçava quebrar-se com o peso da encomenda. Suava sob o seu olhar alucinado e amistoso com medo que o surpreendessem falando com ela ou que a encomenda o contaminasse com a sua loucura. Procurava não respirar e ser rápido ao mesmo tempo. Pousou a encomenda na mesa de trabalho, sorriu enjoado em despedida, e fechou a janela. Limpou o suor das mãos nas calças e acometido de calafrios. Os olhos saltavam ao ritmo do coração entre a porta e o malfadado embrulho. Duas cascas de ouriços do mar.

Tomás Manso

Mareado III

Perseguições de lanchas da polícia marítima no Tejo durante a noite. Uma espécie de Padrinho lisboeta com controlo das discotecas, perversão de menores, palacetes em Sesimbra e na Arrábida em zonas de proteção ambiental.
Observava as mouras que se banhavam nos tanques através do mata-cães. “Omar, Omar...”

4 brasileiros abriram um bar num posto de transformação abandonado, perto duma urbanização que não chegou a arrancar para além das infraestruturas. Os brazucas vendiam cachaça 51 comum punhado de areia para encher a barriga e dar um ar mais tropical à beberagem.

As potências envolvidas são sempre as mesmas:
Inteligência, vontade, paixões, força física. Só variam as proporções. Podemos ler como uma fórmula matemática o passado, mas os factores presentes são demasiado livres para que possamos adivinhar o futuro e aí é que está a graça.

"A finalidade primária é naturalmente curativa a disciplina, as ameaças e pancadas são necessárias tanto quanto o tratamento médico na verdade, nada é mais necessário e eficaz para a cura dessa gente que forçá-la a respeitar e temer a intimidação. Com este método, a mente, mantida a freio, é induzida a renunciar à sua arrogância e logo se torna mansa e organizada. É por isso que os maníacos curam-se com maior rapidez se são tratados com a tortura e a detenção em cela mais do que com os medicamentos."

No insigne Hospital de Nápoles, os loucos são mantidos com uma alimentação tão reduzida que se tornam como esqueletos. Pouco a pouco, diluídos os humores maus e trocado todo o sangue, acredito, que alguns deles fiquem com a cabeça curada.

Avô ensina-me palavras novas. Sim filho:
Persengulatro - Sensação ou sentimento de que algo não é o indicado para mim mas que é muito bom para outra pessoa.
Calcibar - Percepção de que uma acção é moralmente má mas que dá prazer concretizar
Bifitro - Sensação súbita de frio e calor ao mesmo tempo
Lovasta - Acto de amar que provoca a morte do ente querido
Ansebrance - Sensação agradável de se merecer um castigo violento; ânsia de sofrer em reparação de faltas cometidas

Um Cruzeiro que parte de Santa Apolónia e um torreão do Estado Novo que divide as águas do Tejo. Existe uma sabedoria das ruas. É feita dos conhecimentos dos ansiãos, reformados, estrangeiros de passagem, miscigenadas culturas, universitários a meio tempo, bandidos, traficantes, vagabundos, visões distópicas da sociedade, raiva, chavões milenares, canções, sagas, televisão.
É sem dúvida rico. Marinheiros e industriais recém despedidos também ajuntam suas teorias. É quase um espírito. Um espírito partilhado. Mare Nostrum.

Tomás Manso

Mareado II

Clara trabalhava no armazém do Feira Nova de Telheiras entre corredorese câmaras de refrigeração. Ngoy operava o empilhador e usava uma garra de tigre ao peito um amuleto da sua tribo. Costumavam descansar os dois sonhado em cima das paletes de Evax.
--Na nossa tribo os maníacos são contidos e reprimidos muito mais pelas pancadas, ameaças e censuras do que pelos fármacos, que nem querem tomar.
--Coitadinhos
-- O tratamento, administrado pelo mestre dos loucos, inclui dietas, banhos de mar de madrugada, vomitórios, trabalho e freqüentemente castigos, como aconselham os grandes curandeiros.

Casa na estância balnear abandonada na praia do Outão. Piscina de água verde escura onde dançava todas as noites na prancha uma rapariga selvagem abandonada pelos pais.
Na Rua do Arsenal os prédios confinam com a encosta onde foram escavadas dependências e caminhos secretos. Foi encontrado um túmulo fenício e uma adega romana, um armazém de âncoras enferrujadas...

Tomás Manso

Mareado I

Dois Demónios Fenícios costumavam assaltar as noites dos turistas que se alojavam no largo do Chafariz de Dentro. Esta reentrância na cidade era uma baía de fundação dos barcos mais pobres dos fenícios que não podiam pagar as taxas do cais das colunas.
Os turistas acordavam deitados no lodo da doca seca ladeados de corpos de fenícios decepados. Todas as noites se ouviam gritos lancinantes na emparedada Alfândega. As canções antigas de escravos com fome nos porões de caravelas.

Muitos alemães com a descrença no Führer passaram a consultar cabalístas judeus refugiados em alfama de onde haviam sido expulsos mas que um tal de Sousa Mendes voltara a realojar.

As primeiras discotecas a surgir em Portugal começaram em pavilhões industriais e cilos abandonados na zona do poço do bispo. A Lisnave andava num frenesim, eram os loucos anos do Canecão e do babyboom lusitano entre prostitutas de Famalicão perdidas na margem sul e latagões alentejanos que precisavam de descansar do trabalho nas docas.

Existem dois tipos de ciganos o oleoso e colorido que costuma vender pensos e posters religiosos e o cigano que veste de negro e é desdentado e vende roupa. O oceano sempre foi uma maldição para a raça.

A antiga cozinheira do canecão habituada à fama da melhor moamba com galinha do campo fez uma última moamba com uma gaivota e algas como legumes antes do restaurante fechar as portas. Ninguém sobreviveu a esta última refeição. Uns desconfiam que a gaivota estivesse carregada de radioactividade outro supõem que uma osga tenha caído no caldo outros afirmam simplesmente que a direcção do afamado restaurante era composta por espíritos com uma missão e que simplesmente se retiraram.

Tomás Manso

7.7.10

Turbamulta

Adonai criou o mundo pela palavra e em seguida ele próprio se fez palavra. O seu avô nascera Alentejano e desde então ninguém havia abandonado a região. Eram conhecidos na zona como os Seres Sublunares. Eram pacatos e veneravam a noite. Elohim era o filho mais novo e as gémeas as do meio. Delas escrevera o notário um opúsculo bizarro que se lia nas festas da aldeia para gáudio da criançada chamado Cântico dos Cânticos. Ele fantasiava que as duas seriam suas esposas vivendo o trio com uma alegria fulgurosa. O filho do notário chamava-se Himeneu e passava o Verão dando concelhos aos jovens sobre a forma de alcançar a felicidade envolvido na sombra e nos vapores dionísicos da tasca do Senhor Pafo. Himeneu era belo e a sua mãe por ele morria de amores. Adonai estava às portas da morte e escrevia. Pensava para si que: ” Todas as histórias deviam começar com alguém às portas da morte”. Enquanto Aguardava aternamente pela consulta do oráculo do médico de família na frescura da sala de espera do centro de dia ia escrevendo e adormecendo num jogo continuo de sonho e assentar de ideias. Lamentava-se se alguma vez se esquecia dos pormenores deliciosos com que os mafarricos o embalavam.


O cunhado de Adonai, Sepher Zohar era o verdadeiro solitário de Tebaida, adquirira por 5 garrafões de vinho uma velha caserna perdida no sobral perto dum casebre alentejano estiado ao chão esquecido por um segundo na berma da auto-estrada numa nesga de terreno ataviado de bravas azinheiras esquecido num canal non-aedificandi. O barulho dos pássaros era acamado por um roar contínuo de camiões de fruta em trânsito. No Verão era o seu porto de abrigo onde podia dar largas à sua preguiça e o seu egoísmo deixava a cama por fazer. No seu retiro gritava feliz ao fim da tarde canções sem nexo:

“Suplira dzaniatha
Hadra Raba Hadra Sutha
Sanedrim Sanedrim”

E eventualmente acabava por mudar o destino do mundo com invocações lançadas aos céus incoscientemente. Reuniu-se à sua volta um grupo de discípulos que o reverenciavam como Cabalista. O sol da tarde seca as ruas de gente mas no pátio de Sepher discutem a Amizade e a Traição e aferem o calibre da verdade.

Thoth a filha de Sepher veste de negro e com o seu nariz afilado e recurvo assusta como um furacão nas folhas da floresta as crianças que regressam a casa depois das aulas. O seu espírito indomável levou-a a beijar Adonai roubando ao velho o último suspiro.

Odin-Loki, Midgard, Thor, Jormungand construiam todas as casas das redondezas. Cada um andava com a sua ferramenta pela qual era conhecido. Surpreendiam-se em uníssono com as maravilhas do mundo e agiam sempre colegialmente. Eram como os dados do poker. Eram os pilares de vários lares disseminados pelas faldas dos montes.

Jean Sony morava numa casa de cantoneiro. A casa foi construída mas a estrada acabou por não passar por lá, por isoo ficou perdida no meio da mata. Pensa-se que a sua família eclodiu por cá aquando das invasões francesas. Dispersa a família em busca de outras guerras sobrou Jean que tinha um espírito mais contemplativo. Trabalhava na Maxam, uma empresa de explosivos para exploração mineira. Por essa altura subia e descia o Mondego à procura de clientes. Marcava almoços com homens que afundavam as suas empresas nos meandros lodosos do rio.Nas suas andanças cruzava lugarejos e edifícios abandonados que lhe despertavam pensamentos poéticos:

“O vento uiva nas ruas desertas porque é um selvagem e não tem quem o guarde.
O vento uiva nas ruas desertas porque tem saudade dos rostos das gentes que lhe fizeram frente”
ou se atravessava a fachada dum antigo sanatório:

“Costumava ouvir esses urros do meu quarto no Ospital de los Incurables. O doutor prescreve-me sessões de espancamentoe jejuns rigorosos. Sou uma camisa de forças esfrangalhada...”

Divagava ensimesmado fixando tão atentamente o infinito que a realidade se desfocava e não raramente acabava com as botas ensopadas nalguma poça.

Ragnarör usava um penso no olho esquerdo, tinha um sorriso preocupado que khe fazia inchar uma veia perto do olho tapado. Dava aulas de psicologia. Nunca chegara a sair da universidade. A sorte dos protegidos. Para ele um certo conforto financeiro era natural. Preocupava-me que com aquela idade ainda andasse de chapéu australiano como se ainda tivesse folgo para aventuras exóticas. Apartir de certa idade devemos aprender a disfarçar as emoções que nos provocam as descobertas. Não cai bem num rosto maduro a sofreguidão jovial por um prazer recém descoberto. Claro que tal fogosidade há-de despertar paixões em alguém, e isso é sempre benefício, mas devemos ficar agastados perante as paixões. Os seus passos eram trágicos. Durante a sua fase Heavy Metal tatuara no peito “Saga-Götterdämmerung” e o martelo de Thor rasgando um trovão nos céus.

O Judeu errante era o personagem mais assustador da serra. Trazia o símbolo do tau impresso na fronte e o T de Tubal cravado no peito. Reverenciava Artaxerxes alçando-lhe laudes em linguas mortas ou agonizantes. Trazia um volume da Cabala no coração. Entrava e saía pelos canais de Sefirot como um bom vizinho pelo que o declaram morto várias vezes. Caía em êxtase à beira dos caminhos. Os seus antepassados eram os guardiães das páginas perdidas do Libre Vermell de Monserrat onde os Cátaros em 1399 haviam escrito a canção dos Cavaleiros do Apocalípse no dia da sua passagem pelo Egipto.

O Sr. Carlos D’Orme usava máscara para disfarçar um angioma que lhe deflagrara na infância. Usava um bastão afilado para sentir as vibrações dos ventres das suas ovelhas prenhas para não ter de lhes tocar temeroso da larva berneira. A sua tia Karin Dreijer perecera com um deses obuzes a mastigar-lhe o esfenóide.

Myriam et Mamadou como bom casal de africanos professos na mais pura tradição animista deixavam uma cesta de frutas debaixo da cama, cerejas para ser mais concreto. Gerem um café situado no istmo que liga a Serra da gardunha à aldeia de Alpedrinha por cima da auto-estrada. Tingem as redondezas de guitarras dolentes africanas e “Mon amour ma cherrie’s” com que se golpeiam a toda a hora. Deuses Lares a quem se oferecia o fogo que não podia extinguir-se pois era a chama dos antepassados o sacramento do passado que deve ser honrado tinham o seu recanto junto da casa da lenha nas traseiras do estabelecimento comercial.

Miriam sonhava com os gestos dos cães: a forma como piscam os olhos, o cuidado com que se sentam, o jeito de transportarem os filhos na boca é tão delicadamente humano que Miriam sentia o seu coração arrebatado. São gestos, mas o nosso coração é mais tocado pelo que move.

Para Mamadou as armas e utensílios devem ser belos. Devemos rodear-nos de coisas belas. Por isso o homem tribal enfeita de penas a sua lança e o homem moderno deve adocicar o seu discurso porque num mundo cada vez mais robotizado a palavra volta a ser uma arma.

Thoth sempre foi o coração e a língua de Ra. Habituada a fazer as suas vontades recebera o encargo dos celeiros. Os celeiros eram um conjunto de pavilhões obsoletos com chão de betão e largas vidraças quebradas onde se podiam ver milhões de esqueletos de pássaros mortos.

Decamarão e Demorgia deitaram-se dez vezes e dez vezes o Senhor os abençoou.
As dez criaturas tinham fartas melenas e ao final da tarde de rostos voltados para o sol agonizante pareciam bois almiscarados ao vento. Pareciam todos do sexo feminino mas três eram rapazes.

Epinefrina ou Adrenalina alcandorada sobre os montes rins sempre dera à nação filhos acelarados e sedentos de guerrilha. As suas filhas eram tesas e boas parideiras. As vacas de raça Alentejana sempre foram boas mães, pachorrentas, tetas generosas e um tom castanho nos modos que relaxa tanto como a languidez distendida das hastes.

Comia Häagen-Dazs encostada num muro do porto. Fixava o sol durante uns segundos e quando fechava os olhos via um anjo branco a flutuar dentro das pálpebras e falava com ele. As histórias encadeadas que vão puxando outras histórias numa estrutura espiralante ribossomática, como as sementes de um girassol. Haloarcula chamara ao seu anjo.

Buzatti e Potocki fumavam psicotrópicos deitados entre as giestas. Costumavam convidar Larissa para os seus passeios mas ela recusava sempre com altivez e frieza no seu olhar. Quando alucinavam crivavam as estrelas de palavras e frases que lhes incendiavam o entendimento a memória e a curiosodade:

“--Quarentena Czar
--Guardei a tua morada
--Todos temos segredos
--Crise nervosa
--Quatrocentas facas
--Toda a gente em baixo
--Umlaut Urlaub
--Gorgoroth
--Nemátodos”

Na ânsia do esquecimento que a náusea lhe provocava por aqueles dias, Goebbles ergueu paredes duplas que escondendo a podridão das alvenarias velhas. Perdeu área nas salas mas alcançou um maior controlo sobre os seus estados de espírito. Sim porque a ira mais básica é influenciada pelo ambiente. O estampido da fúria encapela-se perante a desordem e leva o homem acometido de ira a escravizar os seus súbditos.

A descrição dum homem tinge totalmente um ambiente. Hispano no seu recanto da enfermaria passou os meses que lhe haviam concedido de vida a esboçar na memória os homens com que se cruzara. Deu um estilo ao album como um mestre que desenvolve a técnica do Sfumato ou a Assimetria dos componentes. Falava com todos eles em mono-tertúlias pós-prandiais na sombra do alpendre. Vinham encontrá-lo as enfermeiras de rosto transfigurado e luminoso balbuciando frases disconexas com várias referências a Babilónia. Por ter desobedecido ao horário de deitar davam-lhe tabefes amigáveis com as costas da mão no cachaço.

O Sr. Olof um emigrante apaixonado pela luz do Bombarral era o encarregado da manutenção do serviço. A sua filha de pernas altas e narinas largas parecia uma égua graciosa. Olof usava o creme depilatório da filha para reparar falhas na alvenaria se lhe faltava o reboco.

Hispano teve um ataque no dia 13 de Maio pelas 2 da manhã depois duma mija noturna, a mão escorregou no Veet ainda fresco e bateu com o crânio numa mesa de vidro baixinha de estilo oriental. O peso das memórias era tanto que o vidro se pulverizou e as limalhas cravaram-se no corpo dos restantes companheiros do dormitório.

Tomás Manso

22.6.10

Doenças

Doenças. Tudo está doente. A doença é um estado tão natural que nem damos por ela. Somos doentes. Doentes em tudo. No corpo. No fôlego. No carácter. Nas coisas que possuímos. Ás vezes damo-nos conta dalgum quisto, de que nos atrasamos, da sujidade nas costas do nosso casaco, uma dor de cabeça ligeira mas persistente. Damos conta de algumas doenças nos outros, embora a nossa capacidade de observar também adoeça com frequência. Não são terminais. Nunca terminam. Provocam uma ligeira urticária se pensamos nelas. Como estamos doentes não existe um conceito universal do que seja ou não doença. Um hospital cura-nos de maleitas que nos obrigaram a ingerir noutro centro de saúde. Apesar de tudo conseguimos dormir relativamente descansados. Talvez seja outra doença...

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1399  - Jordi Savall
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Le Royaume Oblie
Cátaros Cathar
Charles de Lorme
Máscara veneziana
Bico de Íbis
A cartola, o bastão para evitar
o contacto físico com os doentes

Tomás Manso

31.5.10

Fevre

Não sei, não compreendo e isso é que mais me atormenta, se a minha pele arde da febre ou do calor do Verão, desespero. Não encontro uma nesga de frescura na cama, não sinto qualquer alívio, definho de cansaço. Adormeço por fim com o nascer do sol com uma ligeira brisa que agita levemente o cortinado que roça no meu corpo nu vencido de barriga sobre o soalho.

Tomás Manso

18.5.10

Tensões

E se houver tensão sem ser a que prende o azulejo ao tijolo é só a de não haver qualquer tensão e a alma que eternamente desconfia asperger-se em questões sobre os veios do mármore da bancada. Casarei com a cozinha?

Tomás Manso

12.5.10

Anastacia

Prussia-Anastacia que danças à roda
Num porão, estátua de paz,
Luz levítica abandona-nos nas mãos
Da Babilónia que ninguém há-de amparar
Tua imperial queda
Entre os pinheiros do Burgo de Catarina

Tomás Manso

4.5.10

Concordata

Fui educado na concórdia. Concórdia vem de coração. O campo argumentativo foi desprezado pelo meu cavalo que sempre preferiu as pastagens tranquilas das verdades dogmáticas. É um prado imenso de comunhão com os seres que nos rodeiam. Se algum espírito mais picardio me procurava para uma disputa de fogos apresentava-me sempre manso. Partilhando o meu farnel e recusando educadamente o que me cheirasse a carnes imoladas. Se insistissem, com peçonha, engolia os seus vómitos e procurava esquecer tal agonia. Verdade. A verdade é una. Só pode ser una, caso contrário perde o sentido. Por vezes as crianças no recreio tentavam convencer-me a fazer o mal. Normalmente corava e tentava esquivar-me sem ter de argumentar.

Tomás Manso

29.4.10

Somos o Sol

Com toda a confiança nós somos o  sol
Sobremaneira resplandecentes
Igualmente fogosos sobre todas as superfícies.
Os vales escarpados de árvores velhas,
As cidades com as suas tampas de esgoto
Equilibradamente horizontais,
Os olhos das mocetonas casadoiras e os do pedinte
Sem pernas perto da ponte por onde passa, em
Tudo o sol resplande e para todos
É excelentemente igual

Tomás Manso

22.2.10

Sancta Sanctorum

O beco sagrado da alma
Inundado pela luz do lampião
Sob o reflexo noturno das janelas
Quebradas dos prédios devolutos
Reverente avanço de pescoço vergado
Profundamente devoto
Vinte pisos ao alto a abóbada da catedral
Tingida de vermelho pelas luzes da cidade
Ecoa as minhas orações como um coro
De gatos esfomeados na libação do sangue
Morno no arame farpado
Suspiram beatas as ratazanas nos recantos
Das capelas laterais expiando as faltas
Em lágrimas vertidas em borbotões pelos boeiros
Defronte do retábulo de tristes nichos
Vãos negros como bocas lamentosas onde
O vento chora nas lassas cordas da roupa
Ergo o olhar sem fé ao santo dos santos
Onde esvoaça um lençol esfarrapado
E à luz de enfermiças velas
Se esfuma a tua silhueta.

Tomás Manso



15.2.10

A Invenção do Machado

Os processos, modos ou formas de actuar
Desenvolvem tal mecanicidade
Tal fluência... a técnica infere na força
Desenhando-lhe o entalhe certo
E a força aplica acutilância à técnica.
Não oferecem resistência as cabeças
Sob este pesado machado de lâmina silente.
Revoltam-se as almas com tal frieza
Sobretudo as mais apaixonadas
Pela imperfeição perfeita da natureza.

Tomás Manso

3.2.10

Mecânica

Quando um electrodoméstico
Define metade da humanidade...
Não tem cheiro não exige força física
Que lhe dê movimento
Prefiro habitar entre correntes e engrenagens
Sentir o contacto ferrugento das rodas dentadas
Aspirar o aroma do óleo que tinge a pele
Sentir a continuidade da força animal
Desdobrada e multiplicada pelo mecanismo metálico

Tomás Manso

16.12.09

Sevilha

Oh leaving again! This city is so succulent! And again we leave the best for the everlasting moment! And I let the tears in my eyes melt with lights outside the bus melted in the night! I felt so sick to ear the Lusitanian language: Boa noite! The experience is over for three days I was the emperor of Sevilha. Te hablo en inglé me siento internazionalle almost roman com tudo o que isso implica.
Senti o conforto do tijolo de burro, enquanto os olhos explodiam de lágrimas fulminados pelo espraiar dosol no lagedo granítico. “I’ve measured this street. Exactly two steps between facades.” E rodeado de africanos e nipónicos e sumérios e nabatenos e ciganos sigo pelo túnel negro que me despejará em Sete Rios. As vermelhas horas cintilam digitais em múltiplos reflexos. Na boca fervilham ainda as papas alioli. O alho é supremo na sua humildade. Festas-fiestas-Sevilha-Sevilha-pagãs e religiosas- one step religious and another pagan, mas verdadeiramente molhado de lágrimas. Poetastro grita-me ela aos ouvidos. O rosto guarnecido com sobrecamadas de base. Base sobre base. E umas pontas de olhos atrevidos redesenhados com vigor sobre um olhar naturalmente tradicional. What the fuck is this? 3 red hearts shinning over a tower in the middle of nowhere? Naturalmente se não tens uma forte imagem diante dos olhos a que se te apegue o coração acabarás por divagar num marasmo de fantasmagorias inconsequente.
Vais caminhando pelo denso entramado do pueblo docemente fulminado em cada praça. Com a cadência dum pachá deixas que todos te ultrapassem nas suas fonas, tão lento que te tornas o reboco das casas. Y mi hermana surripia primaveril essência da banca da l’occitane. O melhor de Sevilha é a primavera, as gordas laranjas boiando garridas, pesadas, nas límpidas e rumorejantes fontes salpicando o ar da sua fragrância rainha ornada de magnólias e príncipes perfeitos matizandonoite e dia num só corpo feminil com solavancos de anca e palmadas na coxa, rodopia a primavera sevilhana do vestido vermelho.
Tapas cerveza, tapas cerveza. Pátios e terraços de branco ferino da giralda a cidade é ferozmente árabe, árabe a perder de vista. Presuntos ao alto, o giz no balcão do rinconcillo!
Por momentos fui o príncipe do islão entre as abóbodas argilosas que encerram a penumbra duma piscina de águas um tanto mornas e um ligeiramente sagradas.
“But she’ll cry if I lie”, ”Oh but your wish is my command”
Oh and once I was the gemstone of the catholic monarchy transpirando devoção recolhido sobre o altar de la capilla real.
Albero calcado sobre o teu peito desnudo de orgulhosas e fúteis palmeiras, sinais da tua riqueza cigana-pura. Tão, tão dramática...
Mi Alma! Cariño Mio!

Tomás Manso

Lua Nova

Esta noite a lua redonda cosida à manta do firmamento faz fugir as nuvens apressadas, temerosas do seu império. A rainha dos astros desvenda-se nua e deixa que a contemplemos, entrega-se-nos e nós na nossa mesquinhez não vemos um corpo mas um furo, um grande óculo na tenda da noite. Um grande óculo que nos promete que uma vez levantado o véu uma brilhante e luminosa realidade nascerá para nós, e por isso choramos ao vê-la porque as nossas paixões esvoaçam de noite e é à noite que nos alimentamos. Temos medo do sorriso opressor do sol que ruge de fastio. A lua é nossa mãe.

Tomás Manso

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...