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16.8.11

Marta Maria


Comprei uma menina de porcelana
e beijei-a antes de ir dormir
a sua pele era negra e fria
e a peruca com pelo de marta
marta marta marta maria
assim se chamava a mulatinha
que me custou o os olhos da cara

Lúcia

28.5.11

Pai Tejo

Tejo pai justo que distribuis tuas riquezas
pelas tuas filhas deitadas no teu regaço
A umas enches de luz e a outras desenhas rostos delicados
Tejo irmão fiel do sol a quem espelhas
Irmanam-se de ti as estrelas irmãs pequenas por ti se guiam
e és o céu das barcaças que por ti navegam oh Tejo
e as casas depositam em ti seus olhos abismadas
Tejo que recolhes as almas e as devolves ao oceano

Lúcia

26.5.11

Arrivals

Chegamos à vista do porto calmo
e na lonjura dos anos um som de guitarra faz nos chorar
desfaz-nos o peito a doçura da saudade.
Chegamos agora de avião
e uns meses que parecem sempre anos
fazem que os cheiros familiares
oh doce Lisboa
nos façam chorar
e esta luz que te envolve
e os vultos negros que cruzam a calçada...

Lúcia

4.2.11

Ruy Belo na Praia Vermelha

Ontem vimos o poeta Ruy Belo na Praia Vermelha
de sunga encarnada e rosto sangrado
com os dedos debruçado sobre a areia
enterrados contando até dez, um a dez.

outra vez de um a dez de um a dez.

A pança encavalitada leve
na projecção planificada
do pão de açúcar na retina
desfocada de sol, sal e água

outra vez de um a dez, um a dez


Lúcia

25.1.11

São João

Só vejo o bem por todo o lado. A ordem da disposição das montanhas e dos penedos, a alvura da lua na superfície do mar,o aroma da transpiração da vegetação. Os seus olhos brilham e a lua grita lá fora cheia de noite. Não sei se me sinta mais forte ou mais fraco, penso que perco e ganho forças na sua presença. Inspiro fundo e tento compreender a verdade nas subtilezas do seu sobrolho. O sangue atropela-se nas veias como um mar vermelho violento e queda-se em muralha antes de chegar ao coração num pico de êxtase quando as palavras me chegam aos lábios - quero ficar em tua casa.

Lúcia

25.10.10

Dancer in the Wind

Um dia serás o melro
e curvada hás-de beijar
a terra molhada

e quem nesse dia
te vir ao passar
só se há-de lembrar

do trevo que dança ao vento

Lúcia

16.10.10

Poker de Caveiras

I
O entalhe da veia
O engrossar da pálpebra
O crâneo cheio de terra
A púrpura gananciosa
O incómodo exíguo
Do caixão de madeira

II
O que é que podemos demolir já?
Efectivemos as extremidades
Rasguemos já as trincheiras
Da nossa raiva em que o ódio
Flua

III
Masmorras de família em que entram de joelhos
Trilhos nas planícies
De agrura dia-a-dia
Perdidos pelo vento reflexos
De caveiras na sopa de grelos

IV
Bocejos sobre as mesinhas de cabeceira
Os teus gestos de coveira
Envolves-me na tua terra

Lúcia

4.7.10

Destino

Comecei a criticar o governo
Perdi amigos conheci muita gente
Senti-me perseguido e cresceu em mim
Um rancor ácido como o mijo
Ressequido nos pilares duma ponte
Onde não passa ninguém e decidi
Emigrar, mas um vulcão prendeu-me
Numa sala de espera onde vim
Conhecer o meu actual marido, o destino

Lúcia

22.6.10

Esboço

Almiscarada nava ou nova
Glosa de grosas ou grossas rosas
As grosas e as roças
A garota moderna do colar de pérolas corolas
Formosas borlas envoltas
Em soltas notas folhas vaporosas
Duma toga se esvoa uma névoa
O entorno, o contorno como de bossas
Formosas do torso onde me retorço
Aguento o dorso num escorço de esforço
Mas não lhe toco

Lúcia

25.5.10

Filha da Mãe

O que mais a entusiasmava
Eram os poemas em que as ânsias
Não são nunca saciadas

Não a comovem os grandes feitos
Carregados de sofrimento tanto
Como os feitos nunca alcançados
Provocando a vertigem dolorosa
Da insatisfação eterna

Lúcia

28.4.10

Átrios Teus

Átrios teus configurações da pureza, ares de pedra
Colunatas que suportam a tua sombra que sobre tudo desce
Onde os passos ecoam solitários por entre o buxo e as fontes jovens

Lúcia

21.4.10

Folks

Eu vi o que vi
As lanternas só iluminam os nossos passos
E neste rio perdidos na noite
Cegam-nos os galhos dos salgueiros nos olhos
Eu vi o que vi
E as nossas vozes já só se encontram ecoantes
Separadas por montes e vales de escuridão
Eu vi o que vi
Nos reflexos da água escura refluem as memórias

Lúcia

12.4.10

Asfixiantes Horas

Asfixiantes horas – teias de eteridade
Bolorenta em que me enleio
Horas-teias que me tendes traiçoeiras
Horas-teias que me tentas
Envolvência nebulosa de enfado
Covas suevas no cavername do peito
Em que me refastelo
Sois meu castelo de deleito
Largo preito
Muros densos de acobreado granito
Bolorento tenso bafio
Desconcentro da realidade alheamento

Lúcia

27.2.10

Manhã

Têmporas das brisas de loiro damasco
As comissuras de manteiga marinadas
Olhos cerzidos de pijama
Amansa o murmurar de teu manto de garança
E verte as ânforas de etéreas lembranças
Oh manhãs rubiáceas dos ecos
De argentinos risos
Dos arrepios de descalço pé-travertino
Indolência infantil


Possibilidade possível infinito aspergido
Na relva viçosa do jardim
Tanto brilho num suspiro
O vapor do duche perlado
Nas corolas vergadas do tomilho

Lúcia

15.2.10

Estrada Romana

A estrada romana vai descendo com o rio. Uma parte da estrada foi enterrada quando se construiu a ponte da auto-estrada. Devia ser o troço mais interessante do percurso, porque aqui o vale é mais estreito e mais profundo. As águas invernais sentindo-se comprimidas redobram de força e o homem encavalitou entre as escarpas graníticas a sua azenha.

Os gigantes blocos de granito. Tudo sucumbe à fúria do rio: a terra, os animais que guincham em pânico, as árvores, o despenteado silvedo... Os rochedos permanecem fortes sustentando as águas impedindo que o seu vigor se dissolva na sequiosa terra.

A uns passos daqui fica um mosteiro medieval. É composto por vários corpos suportando-se mutuamente na comum degradação. Quem vem do rio depois duma vinha separada da terrosa estrada por um muro depara-se com o conjunto envolvido à esquerda por uns socalcos ensombrados por decrépitas latadas e à direita por um exército alinhado de salgueiros e plátanos frondosos. Daqui divisam-se três corpos bastante diferentes entre si mas bem proporcionados e unificados pelo tom maciço do granito amarelado.

Lúcia

16.12.09

Fall and Rise

As papas fermentam no bandulho até provocar azia, o corpo aquece em demasia, a carne repele qualquer agasalho, louca de febre, os pés exploram em vão réstias de frescura na esquadria da cama.

Numa nuvem de vapor de robe em fresca fragrância de chá molhado gotejando das axilas sobre a alcova te reclinas aspirando o ar jovem da manhã num movimento único através do espaço perfume matutino.


Lúcia

25.9.09

Coração

Um coração esquecido no fundo
Das redes de pesca duma praia esquecida
Varrida de vestígios pelo vento
Vibra ainda o coração como um peixe
Mas cada vez mais hirto sob o império do sol
Já fede adensando a fétida podridão do sargaço
E perde-se na imensidão das areias que só conhecem o vento.

Lúcia

27.4.09

Epitáfio

a boa luz fere os olhos maus
o calor a uns dilata a outros endurece
desço ao sepulcro do teu peito de rocha
o teu corpo é o melhor cárcere
a ele me entrego

Lúcia

11.4.09

Dezenas

já se roçam nas paredes as osgas rançosas
e já caem das telhas andorinhas centelhas
o sangue espumoso de cem cavalos

Lúcia

23.3.09

Cátedras

passo a passo uma multidão de árvores insinua
ruas curvas de húmus e caruma
e estrelas entre densas tramas de ramos
da escuridão mais escura desagua
em enlutadas clareiras ao meio rubras
catedrais de pedra cátedras da lua

Lúcia

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...