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17.8.11

Eu Queria Morrer em Sesimbra


Eu queria morrer em Sesimbra
Cair em todos os tons de azul
Do mar gelado ao sol
Cair da mais alta escarpa

Sentir em minha a queda
A leveza do ar que não me carrega
E me afunda sem folgo
Num mergulho num afogo

Será apenas um segundo
Com os olhos muito abertos
A toda a beleza do mundo
Nos tons vermelhos da falésia

Zé Chove

16.8.11

Ma Cherie Amour


não me conheço
mas desconfio do monstro
que sob a aparência da pele se esconde
na minha alma,
nem desconfio da magnitude do teu amor
que ainda que me faça sofrer
mais ainda me deveria fazer sangrar.
E fez de facto sangrar, quando perante
a ignomínia da minha traição bruta,
te vi chorar e cada lágrima se converteu
em látego do meu remorso
em flagelo da minha culpa
em despertador da minha consciência embrutecida,
em mensura do teu amor por mim.
Peço-te perdão sabendo que o não mereço
Peço-te perdão sabendo que o não mereço
Peço-te perdão sabendo que o não mereço
mas de joelhos espero,
enfim espero, que o teu amor seja maior que o meu desespero
de não voltar a sentir nos meus lábios
a doçura do teu beijo

Zé Chove

16.6.11

Street Fighter

fixação obsessiva atenção
esmagada sobre a carne exposta
com a corrosão do limão
infligindo dor - ela gosta

ela delira com a pressão
o choque dirigido sobre os quadris
ave em queda livre o avião
o turbilhão agiganta-se e tu ris

irisão angioma que aflora
ardor de prazer que faz ebulir
as lágrimas no pescoço amado

vêm agora os gemidos agora
o brandir do sabre a cuspir
o sangue no pescoço decepado

Zé Chove

Marrocos

gastei as minhas sandálias pelas 5 cidades imperiais
de Marrocos. Foi por altura do Ramadão de 2010 no ano em que o
pó secou todas as gargantas e enriqueceram os vendedores de chá de menta e sumo de laranja. Nas ruas apertadas os doces de mel cobriam-se de pretas abelhas zunindo de tanta doçura. Deixei que me ludibriassem os faux guides para sentir a graça de me levarem às suas casas.
conheci as riads decadentes das flácidas berbéres.
De todos os cantos mergulhados em sombra eu ouvia Róia, Róia
Amigo, amigo e quando me afastava sem largar a prata Portuguesis Tesis...
Nos açougues retiravam a pele da cara do camelo e as moscas vigiavam as patas de cabra ensangüentadas

Zé Chove

1.6.11

Eles são sombras

Eles são sombras
Recortadas na pública
Iluminação de sódio
Dos becos malafamados
São miasmas
Destilam ódio
Pelas gretas
Onde fogem as baratas
Tocam quem passa
Intrusivos infestam como peste
Nas narinas enojadas
Infiltram-se como mijo seco
Nas paredes das cidades
E fogem sob o cobertor de sarja
Da própria alma

Zé Chove

28.5.11

Endorfina Caseira

chicoteio o ar indiferente
e o vento imemorial e sem razão
atinge as melenas do cabelo
esbofeteia-me
e só me resta mais uma cerveja
na geleira
a chuva explode lá fora
e as dúvidas afogam-me no lava-loiças
as beatas bóiam amarelas na sanita
e os olhos amarelos de diabitas
arrebitas o coração no sofá
e excitas
minha vontade de fanecas fritas
as baratas escondidas nas esquinas
e cruzando livres o balcão as formigas
abres as pernas com calças de licras
e a libido desperta firme e hirta
deseja o lábio da ave triste
minha esposa aflita
e o cómodo todo em eco grita
e o caudal do ventilador agita
as saias da vizinha
e enfim liberta a endorfina
a vontade maligna sibila
os baby-grows espalhados nos espaldares improvisados da cozinha
os cinzeiros atafulhados de cinza
uma barba grisalha e fina
collans de fidro em fim de vida
um triciclo sem rodas
e um vaso com cactos ressequidos
as portas abertas que há muito se partiram os gonzos
e na rádio a chuva poluída sobre as ondas hertzianas
sobre a mesa fedem três tocadas bananas
e em toda a atmosfera os reis são os minúsculos mosquitos
todas as palavras proferidas são ordens e voujás entediados
os pneus do alonso acompanham o varejar das moscas orgulhosas
as plantas gritam de sede
e ainda temos de ir à Missa
e os pedaços ressequidos de frango sobre a mesa
entre chaves de casa, saleiros, óculos de sol, facturas por pagar
um cão em cima duma cadeira coçada pelo próprio
nos quartos as camas amassadas exalando os suores de morfeu
camadas de pó sobre os livros nunca lidos sulcados de pintelhos
junto às janelas pequenos insectos mortos
falhas na parede ajeitadas com bochechos de cimento
algures um papel de parede enfolado
ouvem-se a milhas uns sussurros de vizinho distorcido pelos corredores de mármore frio
cebola avinagrada pelas portas do frigorífico
tardes infindas ao ritmo seco duma bola de basket algures no pátio
tanto tédio que adormece as moscas sobre os reposteiros verde ácaro de veludo napolitano
depois duma sesta esmurrada nos olhos
e uma cagada merecida lendo uma revista sobre os lamas extintos
envergo de novo o pijama

Zé Chove

26.5.11

Sala dos Brinquedos

Sala dos brinquedos na longinqua manhã
de madeira onde escorregam os raios de sol
nas latas, nas vidraças, nos piões e no carrossel
venezianas que despedem o pó dos anos
trespassai a minha infância de luz e sombras rectas
e que as andorinhas de Verão pintem negro
o meu céu de criança
de gatas no soalho da sala de brincar
o olhar vago pousando em tanto tempo
e os sons do campo através da janela
oh vizinhança oh vizinhança
Oh poço de roda em que brinquei
Oh doces figueiras aromas de menino
oh paredes brancas e telhados em brasa
nunca mais depois de voz tive férias
e aguarda-me agora uns passos à frente
o alcandorado branco entre os vultos dos ciprestes
dos Prazeres meu cemitério
Oh descanso eterno que eternidades nos levas a alcançar
vinde aqui mais pró de perto
avivai nossa vontade de chegar

Zé Chove

4.2.11

Apontamentos Pessoais

O meu amigo gustavo tinha um ténue cheiro a águas paradas
nunca percebi se era falta de banho...

Zé Chove

3.1.11

Formigas

Sentado no vaso contemplava as formigas a meus pés
pequenas e menores que o negro. pontos fugidios que escapam à atenção
seguem seus carreiros e dão dois beijos repicados se se cruzam
em caminhos opostos e logo vem uma por trás que as empurra
e uma outra fora da esquadria de azulejo volta-se por momentos
e grita que vai procurar outros despojos. Para cima e para baixo o espaço
cruzado bem rente à matéria o muro vertical que inverte o plano referencial
e desce aos infernos pelo mármore do chuveiro

Zé Chove

25.11.10

Vida Sub-solar

Eu moro na cave e os meus lençóis estão sempre molhados
Oh húmidos sonhos em que resvalo
Oh fresco pijama em que me embalo
As escadas que sobem em direcção à luz cheiram a mofo e a velho
Por isso adormeço agarrado à liquefação do tempo
Oh podre tédio
Quem me dera ter um piano que soltasse notas ensopadas…
O suor que ramifica nas toalhas e em vão chora sobre a pele
E um chulé humido que eternamente se desprende das paredes

Zé Chove

4.11.10

Saudades I

Fodasse que saudades
Que soco no peito quando vi a tua imagem
Esquecida num folder perdido na confusão
Um tom melancólico nos ouvidos
E a palavra saudade verta
Acendeu-se o peito num choro
Tão lusitano aqui perdido no rio de Janeiro
E o corpo pede clemência e corta a posta
De coração que fica em cima da mesa
Aqui estou eu ao alto de santa Teresa
E as lágrimas atropelam-se até guanabara e
Em vão tento esquecer o teu rosto

E oiço as línguas todas do mundo num sufoco
Brincam teus gestos no meu peito
A suavidade do teu encosto
Perco o tino na presença do teu…
E o sono seco por onde lavram as memórias
Agigantadas pela falta de juízo
Oh doces momentos que me choro
Tento em vão dispersar-me numa vida de fogo
Para que o frio da melancolia não me afogue
Ai o mar em que divago. Oh aventura que às vezes
Tão em vão pareces, em que embarco
À busca do que sempre tenho
Em busca do que já esteve ao meu lado
!!!!
Credo não posso ver tuas fotos que desfaleço!

Zé Chove

Saudades II

Oh melancolia parva
Mas quem me manda a mim ficar
A escrever até tão tarde.

Um dia as  crianças vão se rir da saudade
Quando o vôo intercontinental barato
For institucionalizado

E vento que dá por trás das costas ao final da tarde
É como um soluço desprendido sobre a cidade
Um lamento que pinga pelos varais e pelo telhado

Zé Chove

21.9.10

Descida ao Vale

Passeios a meio da tarde de Verão
O choque era tão forte entre o alpendre e o vácuo
Que saltavam as lágrimas
Caminho pelo alcatrão ao longo do muro de tijolo antigo
Os  rabos de garrafas agarradas ao betão
Imagino os braços esfacelados todas as veias cortadas
O sangue secando ao sol sem alguém que me ampare
Aguardo mais à frente à sombra da pesada figueira
Que apoia os seus braços carregados de figos no muro
Vou reparando nos tijolos carcomidos em pó e nos podres ocos que abrem
Imagino a derrocada lenta como as ondas de calor
E entretanto intrigo-me com os papéis de rebuçados
À beira duma Ford Transit branca e numas cuecas
De miúdas rendas ressequidas pela abrasão violenta
Do Verão.

Atravesso uma estrada a escaldar
Meto-me pelo baldio de terra seca e palha seca
Sinto a garganta seca e as narinas têm dificuldade
Em ventilar o cérebro. Sinto o pó colar-se ao suor
Dos tornozelos sem meias. As cigarras serram o horizonte
Numa berraria infernal o sol pesa nas sobrancelhas e nos ombros
Apalpo os ossos dos braços, parece que fui chupadinho pelo demónio
Começo a descer uma encosta plantada cientificamente de pinheiros
À esquerda e à direita abrem-se alas
De pinheiros em que a terra é mais fofa e alta
Trepo para um desses desvios, o calor é ainda mais intenso
Apesar de não passar aqui ninguém escondo-me para mijar
Oiço os borbotões do meu mijo na terra poeirenta
E oiço uma cobra arrastar-se no limite da galeria

Continuo a descida
Cansa andar sempre a travar o peso que se nos quer cair
O caminho pedregoso resvala a cada passo
A vegetação adensa-se agora mais perto do rio
Existem aqui placas para um acampamento de holandeses
Sempre imaginei o local como um refúgio de depravação

Vejo me sempre tão belo
Como um vulto em que ninguém repara mas que devia
Deviam reparar mais em mim, nos meus gestos, nas minhas palavras
Consolo-me por ao menos alguém notar nos meus passos: eu próprio
 As silvas agarram-me o corpo como fãs sedentas de sangue

Zé Chove

26.7.10

Perdas

Neurónios ou cariátides suportes da memória

Queridas estátuas gastas do vento (o passar
Do tempo) na acrópole ao cimo do pescoço.
Ao longe o murmúrio dum soluço
Um dó absoluto que faz vibrar
Os tímpanos do oratório
Um colírio que faz chorar
E reflete na tensão que o sentimento um dia lavrou
Rachas no pensamento e o templo pétreo
Do céu deixa de ser abrigo
E os astros que brincavam matematicamente
Com os ângulos dos vossos braços empalidecem
Sobre um montão de areia que vento espalha
Desenfreado.

Zé Chove

2.7.10

Das Terras

Chaparro do Homem à sombra das sombras do Tempo que amparas as tardes nos teus ramos silencia as orgulhosas asseiceiras que se arrastam indomáveis nas planícies.
Chaparral imenso que escondes o Poço da Partilha dedilha o alaúde a cigarra entre uns canaviais ao longe na Barragem do Vinte e Dois.
Sesmarias terra do inculto e do abandono onde pastam a solidão e o vento.
Maninho estéril que te levantas infecundocongregação de baldios solos incultos onde lavra a ignorância respiram ao longo dos séculos sem donos que vos conheçam primos das Enxaras parceiros das charnecas avancem sobre vós as estevas a chupar-vos o sal das rochas brancas quebradas do sol e lamente-se a cornicabra sedada do chá da alcachofra velha.
Oh cornicabra essa outra que pintalga nossos horizontes Trás-os-Montes retira-te nos sesmos esconde-te dos aceiros foge do fogo que corta a eito. Negrita que te querem para escrava para fazerem de ti estaca e exaltar outras senhoras.
Água lustral que te envenena as têmporas boi conspurcado que não nasça mais de ti fruto como sinal.
Ajuntem-se enxaras cavalgue sobre vós o pôr de sol vermelho da morte do Verão.

Zé Chove

23.6.10

Conversas

Na entrada do palacete havia um pátio murado totalmente possuído por uma borracheira descomunal. As raízes encapeladas abriam-se em túneis escuros que levavam a diferentes portões ou outros pátios. O pouco chão com que a árvore não rebentara era decorado com calçada portuguesa com desenhos incompreensíveis de tanta vez que tinham sido refeitos. Num canto dos muros descansava um banco monolítico de pedra escurecida e por cima tinha um painel de azulejo representando a espada de São Paulo. Era aqui que se costumava conversar...

Zé Chove

25.5.10

Verão

Despedi-me da neve dos plátanos
Percorri com os olhos nos bolsos a alameda
Não resta nada a não ser esta luz que nos cega
Dos desejos de verão cintilando na neve diáfana

Zé Chove

8.5.10

Reclina

Reclina as costas sobre o firmamento da noite
E contempla-nos temeroso o temor
Que da tua noite temos

Alargámos ao máximo as cúpulas de pedra
Para te sonharmos de ouro presente
No sopro da tua luz
Que sobre nós cai do zimbório

Zé Chove

28.4.10

Massa

Uma e outra vez se corta a branda
Massa e de novo amassa o tenro
Bolo. Incha. Um sopro
Um beijo em movimento
Incessantemente solto.
Abraça, estica o pão leveda
E exala o coração azedo
Da semente lacrimosa
Profundamente macerada,
Esmagado sufocado
Pelas mãos famintas
Eternamente famintas

Zé Chove

12.4.10

Escarpa Catedral do Mar

Escarpa catedral do mar
Flechas de quedas abissais
Faces escarpadas cegas de sal
Vergastadas de glória
Expostas fauces de dor
Rumor gutural-grutural
Escadas de pedra em queda
Do céu ao mar em flecha
Falésia debruçada sobre o mar
Reflexo malabar
Opalinas gaivotas
Gravadas nas covas ancestrais
Em voltas em voltas envoltas e voltas

Zé Chove

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...