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16.8.11

Escadarias

escadarias às as em todas as cidades
de porto em porto que cruzei
mas não com a vossa graça
que tanta fama alcança
entre as devassadas fachadas pela chuva
os telhados espalhados pela encosta
donde se elevam os campanários
escadarias há as em todos os lugares
mas não com a vossa calçada de sol
não com as moças baixas
dos cabelos compridos e pretos
Já subi escadas em todos os países, Alfama
mas nenhum com vossos cheiros e barcos aos pés na água

e graça que dança na luz mais viva de todas
e o rio que vos abraça mais querida de todas

Orlando Tango

Fragmento I - o beijo ou o banho


...mbém o peso no coração sufocando-me em manhãs de noites mal dormidas...
Também nas coisas do amor se vão criando cisternas de dívidas alargadas pela dúvida onde ecoam os guinchos solitários da impotência e da vergonha. Engrossa a sensação de miséria não atinjo nada do que me propus e os horizontes afastam-se com a noção da pequenez dos passos que pensamos poder dar e com a certeza de que a morte é uma garota arisca que quando menos esperamos de nós se enamora e dum momento para o outro decide beijar-nos no meio da estrada ou enquanto nos banhamos no mar.

Nicolau Divan

1.6.11

Silêncio-Incêndio

estalam os azulejos da velha casa
um fogo alto rebenta os telhados
o fumo grita louco pelo vale
e não se vê vivalma
é o ermo
a aldeia abandonada
fogem ariscas as raposas
rebentam os pinhos
rolam as pedras pela terra queimada
as chamas lambem infernais
o granito do cruzeiro
ao centro da praça alto e pardo
estrelejam as estevas ofendidas
e lançam o cheiro da desolação
mas não há quem veja
ardem em silêncio
as coisas esquecidas
ardem envoltas em melancolia
as pedras que homem esqueceu

Lúcio Ferro

26.5.11

Paixão:Lisboa

Espuma branca da costa da caparica e azul claro da trafaria
uma garoupa pescada nas redes da minha barca vermelha
anseio paixão por ti Lisboa agarrar-te pelo cabelo
escarpas tuas curvas teus beiços de lusa telhas sardas de campanários
teus peitos arcos perfeitos angustiados de saudade triste azul pintados
nas águas do Tejo reflexos.

Orlando Tango

Cartão de Amor

Invoco as constelações e todos os deuses
de religiões postergadas para que assolem
nossos beijos e que incendem nossos corpos
preencham de sentido nossos silêncios
e afoguem as negras comuns memórias

Nicolau Divan

4.2.11

Doce Condição

Um dia mais tarde hei-de escrever sobre os meus desaires de amor.
Como um quarentão guinchando à lua reclamando por algo que perdeu na juventude.
Vendemo-nos todos por várias pratadas de lentilhas e de pança cheia se nos obnubila a sensibilidade. E se por acaso alguma planta se aprochega para nos beijar na fronte por compaixão arrotaremos de olhos semicerrados como porcos javardos que somos. Ingratos. Eternamente nos chegam as bençãos na forma de brisas leves que nos tentam elevar com uma frescura benfazeja debaixo dos braços mas obstinados curvamo-nos e no meio da vara focinhamos nas alfarrobas como se de um manjar se tratasse.

Nicolau Divan

Mórbidas Paixões

Pela gente deu o hábito de caminhar nas trevas
entre as pregas esconderam as claras
e afundaram a paz dos ventos e semearam tempestades
e proclamou-se a desconfiança como pedra de toque
as vozes filtradas pelas pranchas dos caixões
emudeceram que a noite à muito terminou
e o sopro do coração gotejou na madrugada
nas folhas jovens da erva alta dos baldios


Lúcio Ferro

25.1.11

Absolut Deluxe

Et Voilà
envolto em prada
vivo
só manhãs e noites
activo intenso
de madrugada
envolto
a silhueta delgada
de braços levantados às estrelas
em champanhe e lantejoilas
sushi, glamour, se não me beijas
olha-me nos olhos
blackjack, magias negras
morenas brancas loiras
jovens noivas velhas
fogo oco fogo oco
eu lanço os dados e elas de gatas
anestesiada aconsciência
estética Dior, luxúria platinada
cortou a gravata
saia pelas traseiras
a ética bêbada
carpetes, motivos orientais
peles, olhares ornamentais
tequillas, vinho, caipirinhas
perfumes, tecidos, ideias
falsas - amor nas prateleiras
amor servido em bandejas

Nicolau Divan

Dúvidas Violentas

A menina com dúvidas na matéria
bateu à porta do professor
que a elevou à luz
da piscina em que afogou a ignorância
e depois do 4 entrou o 10
e a ignorância diluiu-se entre o choro
na alegria da menina com dúvidas na matéria
que bateu à porta do professor
que a arrastou de 4 à piscina
e a violência deu lhe 10
e a luz deu sede de vingança
e uma piscina de choro
bateu à porta da menina
com dúvidas na miséria
da casa do professor
que a arrastou sem matéria
numa disciplina de ignorância
entre o choro e a vingança
e a inocência diluiu-se em ódio
e a vingança da menina virou luz
e na matéria bateu com alegria
e sem dúvidas afogou o professor

Lúcio Ferro

3.1.11

Vanitas

Uma perna de porco recém cortada sobre a mesa de mármore
terminava numa mão branca de senhora mirrada como uma pata
de galinha recolhida cravejada de anéis, rubis e brilhantes
e ouvia-se ao longe um cacarejar enregelado e triste
por entre a névoa gelada e o alumínio ecoante das arcas de refrigeração

Lúcio Ferro

8.11.10

Inveja

Tenho inveja desses prazeres de que não participei
Gulodices, tainas, o vinho espumando gargantas fora,
Todas as mulheres dos meus amigos, os deuses que não conheci,
E o prazer de percorrer o mundo como um relâmpago

Nicolau Divan

Agulha e Cordão Grosso

Sussurra com soltura o mote é sutura
Vê-a multiplicada bem fina
A sutura nos braços nas pernas nas paredes
Sinal lavrado da luta horizontal fonte
Escura sutura lance vertical de sangue
Segura garante do passado rego seco da cozedura
Sutura indelével no tempo perdura que rasga
Lancetada de puro álcool dor mal esquecida
Sutura

Orlando Tango

4.11.10

Pilar do Zé

A divinização do próximo
Com a consolação temporária
Duma divinização dos nossos acidentes
Por parte dum-outro
Ou a divinização dissimulada,
Mútua como objectivo de vida
Materialista e regalada

Lúcio Ferro

25.10.10

Trauma Nupcial

Liberta-me…
Não me digas.  Não se anteponham
Sombras no nosso imaculado casamento
Deitada sobre a cama de rendas
O rimel trágico escorre pelo rosto
E eu de joelhos tentando consolar
Não se anteponham sombras
Libertem-se as verdades no lençol
E a madrugada venha incendiar
Os recantos da nossa alcova

Orlando Tango

Caudas e Caldas

...mudamos de pele como as serpentes e por vezes passamos de cão a urso, de koala a escorpião, de borrego a cabra ou de cavalo para burro.
Sempre nos acautelaram a que não andássemos sozinhos pelos corredores da mansão. Nem sequer para ir  à casa-de-banho. Alguns jovens distraidos separavam-se dos colegas enquanto conversavam no átrio e desapareciam por anos. Reapareciam esporadicamente com toda a naturalidade e tomavam cafés com ar divertido e pio. Voltavam com um olhar rejuvenescido como se a adolescência não os abandonasse e convidavam os amigos a entrar nos corredores frescos da velha casa.

Nicolau Divan

21.9.10

Paraíso National

A ignomínia gatinhou em volta do teu berço
E insinuou-se nos teus lençóis
Azedou-te o frente e fez-se tua filha na adolescência
E hoje a
Rua Augusta teu vale dos mortos
Onde desces de fones nos ouvidos
Buscas
Perspicaz os regos das mães que ajeitam os bébés nas cadeirinhas
Infiltras-te nos arraiais das paróquias do Castelo e
Roubas a internet dos vizinhos
Lá vai
Lisboa desgravatada
E a margem sul de saia arregaçada
E as ondas do Tejo em cavalgada
Como os desejos da bandeira desfraldada

Nicolau Divan

Sermão aos Peixes

Em todos os seus gestos adivinho recados divinos. Sussurros. A tendência do seu corpo é resistir. Toco-lhe com respeito ainda agarrada ao anzol abocanhando o ar que lhe falta. Todos têm uma leitura diferente das mesmas realidades. Apesar da naturalidade com que procedemos existe sempre um conjunto de verdades de que não abdicamos. Perante o estertor final uns riem, outros choram, uns emudecem e outros dão urros de júbilo. É preciso força e um certo jeito de pulsos para puxá-las para dentro do barco. Falo não só dos peixes como dessas iluminações que nos queimam a pele do pescoço e nos fazem reflectir: usa um chapéu se não queres sofrer ou não o uses e entrega-te docilmente ao delírio de fogo do Verão. Quando parecia que finalmente recuperava a razão…

Orlando Tango

26.7.10

O'Malley and Duchess

Se ela não se sente excitada, excito-a eu. Começo com uns jogos de palavras parvos, deixo que ela me vença. Sei bem como é gulosa e rapidamente se entretem deixando-me assistir às suas cabriolices. Gravo todos os seus gestos.

Por vezes presenteio-a com brinquedos novos, um estilete rombo, umas tintas antigas, tecidos novos para cobrir a sua nudez.
Quem nos visse diria que somos porcos vomitando na boca um do outro, partilhando a nossa intimidade na praça pública. Ela sabe da minha fome e da brutalidade dos meus apetites.
Agarro-lhe os braços atrás das costas e violento a sua letargia.
Perante suas infidelidades coro de vergonha mas só perante os estranhos quando nos encontramos na intimidade volto a acariciá-la como um patrão atencioso e dou-lhe de jantar.
Existe tal cumplicidade entre nós que nos rimos das mesmas coisas, choramos com as mesmas lamechices e até nos gabamos de nunca fazermos lista das compras.
Os nossos filhos renascem eternamente jovens basta memorá-los. Se algum dos nossos filhos nos envergonha será mais protegido num castelo teimoso e inexpugnável.
Ajoelho-me perante o seu vulto se ameaça abandonar-me e nunca lhe exijo pressa.
Osculo o seu ventre e louvo a confiança do seu pai nas mãos deste servo em que depositou a sua filha.

Filipe Elites

Crescendo

Vales
Israel Vale dos Reis

Juro que não era o que queria um
Solestício ao Inverno

Beija-me numa sombra de dúvida um
Sonho sem destino

Há mil anos não era de acontecer
-Adormece o tempo

Do cérebro amolecer
Vegetalização do medo
Vicejante no teu pelo
Em mim magnetiza-se
O espectro da melancolia
Na placa de gelo
O nosso reflexo
A refracção do pânico

Orlando Tango

4.7.10

Spazzatura VI

Oh elevador de Santa Justa que vais tão alto
A tua justiça ficou cá em baixo
Sobem te os socialistas, os turistas, políticos dum raio
Mas o povo fica cá em baixo
Mas a Baixa é nossa
É nossa a Baixa.

Ages como um Sentinelese
Na tua primeira vez
Como uma flecha na mão
E uma possibilidade de concessão de paz
Se alguma vez flutuarem os côcos no mar.
Todos para ti e para a tua tribo.
Ninguém precisa de cuidar das seitas familiares
Despontam como cogumelos
Na sombra das florestas
Mas secam se lhes dá o sol
O ritmo da música mostra-te o movimento dos animais
A sua cadência, intenções e ferocidade.
As melodias desenham
A sua pele ou penas. O seu colorido.

Sonhei com a invenção de uma nova língua.
Um mecanismo uma engrenagem
Do encadeamento do pensamento
Babel na boca Babel no coração.

Enchia o prato do ChéChé com espinhas
De sardinha e dizia-lhe: “come, come. São
Todas para ti. Não tenhas vergonha”.
Oh madrinha dá-me um coiratinho
Para eu dar ao ChéChé.”

Ear a thousand voices possessing her
Reostato
The guitar leaves glittery trails.
Violet eyes my gold mask.
Larva berneira.
Larva czarnívora.
Nemátodos

Ej Atrajado?

Orlando Tango

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...