27.3.09

Quarto Minguante

os factos na prateleira
oscilam no exíguo quarto
da febre e na incerteza
do candeeiro reflexo copo d'água

caracteres persas do tapete
marescíveis nas lágrimas
inseguras dum olhar desfocado
na leitura do julgamento

dos passos perdidos em pinturas
gritam nas paredes apodrecendo
os tabiques da consciência

a noite desceu infrene sobre as cortinas
junto ao soalho o maior medo
é que me a falhe o coração

Madalena Nova

Adoro Te Devote

Adoro-Te com amor, Divindade latente
Sob estas espécies de veras presente
Dou-te o meu coração inteiro
Em tua contemplação desfeito

Dou-te inteiro o meu coração
Desfeito em tua contemplação

André Istmo

Corcel de Fogo

Oh corcel de fogo oh corcel de fogo
abandonas as brasas do rosto
do puto envergonhado

as crianças acolhem com entusiasmo
a noção de simetria
grita-lhes dentro a verdade
alistam-se pela justiça
choram do sarcasmo
até verterem em lágrimas a liberdade

André Istmo

25.3.09

Revelação

reverbera nos milénios
atinge-nos a todos por igual
dispersos por filmes rezamos
que não se enrodilhe a fita

ecoam as vozes em salas
insonorizadas nunca sentiste
girarem-te as voltas
liberta solta não deixes que parta

sustém a dança abranda
se tensa - é só escuridão
é só escuridão - a agulha é
aguilhão amansa segura
nas pontas

cinemática teia de veludo
perdida nas cabines da vida
revela distorce corta e seca

Filipe Elites

Afogado num Sundae

fomos enxertados em salgueiro
temos raízes de bufarinheiro
proni ad pecatti...
Sangue de vinagre
odres em caves decrépitas
Skeleton Coast
Pero tú, que todo lo llenas, ¿lo llenas con la totalidad de ti?

Decrépitas aves no mezanino
O piso superior do Mac os adultos falando
dois indianos na mesma mesa
que uma russa quase cinquentona
e a sua bela filha comendo
um sundae de morango
a fluidez do molho vermelho
como as bochechas do bêbado indiano
como os meus pensamentos de púrpura e brocado

no verão passeio por praias esquecidas
pelas administrações com lava até aos joelhos
bebo margaritas como margaritas
até o céu da boca refluir nacarado
aos 22 comecei a usar sapatos bicudos
aos 22 senti vergonha de entrar no teu templo
aos 22 degluti as garanças e pintei o horizonte
de encarnado

lábios de púrpura exaustos
de púrpura
não mais uma saraivada de metais pesados
mas um enjoativo melotron
a morte duma consciência

Mário Mosca

Mirolho

Archivo de imagens #666

23.3.09

Cátedras

passo a passo uma multidão de árvores insinua
ruas curvas de húmus e caruma
e estrelas entre densas tramas de ramos
da escuridão mais escura desagua
em enlutadas clareiras ao meio rubras
catedrais de pedra cátedras da lua

Lúcia

Cão de Caça

Fiquei triste e melancólico
Convencido
De não ter correspondido
Aos sentimentos
Que provavelmente pensaste que eu teria.
E ainda agora choro
Se me ponho a recordar
Todas as vezes que não soube corresponder
Com o calibre certo de alegria ou
Entusiasmo que esperavam de mim.
Mas isto não é escrever que o bom
Cão de caça não corre movido pela fome.
Oh! Que vontade de te abraçar
Com mais força.
Lembra-me da próxima vez
Que nos virmos.

André Istmo

Definições

Quando misturo
Sentimentos de culpa
Com o pouco sono
Traço com mais tristeza
O desenho do desalento
E de estupidez inocente
Dos rostos do outro lado
Da estrada junto ao semáforo

Contemplo em contra-picado
Os tectos estucados
Dos palacetes vagamente moçárabes
Das avenidas quando volto dalgum trabalho
Acendem-se candeeiros aos centos
Acolhedores de memórias
De vidas quase sempre
Com vias pouco
Definidas

Filipe Elites

Debaixo da Cartola

Não gostava que me prestassem a mesma atenção
Que a uma professora picuinhas e moralista
Que pensa que tem amigas

*

Custa-me dizer que me custa dizer aquilo que imagino
Que seja a verdade

*

Construímos uma casa debaixo da cartola
Uma sala com quadros de família
Uma mesa desarrumada
Onde recebemos os amigos
E a cada um servimos
A bagunça adequada
Mas temos vergonha que vejam
E toquem nossos naprons de moralidade
Tingido dum bafo de naftalina
Também não deixamos que se sentem na poltrona
Que jaz na sombra
O sol queima aos antepassados a réstia
Da alma sépia
Podes usar o cinzeiro de vidro grosso
Está rachado, é de família

*

Como cão bem sabes que como cão me contento
Com qualquer fogoso afago no cachaço


Lúcio Ferro

Rebolo

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

As moscas congelam no espaço
Infinitamente quadrado da tasca
E caem letárgicas sob os pontos do dominó

A noite côncava
O pio triste dos sapos
O latir desesperado dos cães
A monotonia dos pneus sobre o asfalto
Um muro escorre dor à sombra
dum lampião

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

“Só dou pelas coisas belas da vida, depois
que passaram por mim e
não as posso ressuscitar”

Poeira da pedreira
Fino pó poalha
Excedente finíssimo
Fervilhante de secura
Que abafa e sufoca
Depositada nos brônquios

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

Orlando Tango

Rubor Desflora

Agora que podemos escrever em Março

nas auroras
se o rubor desflora
deixo as gélidas matutinas
dançarem na cela
enquanto o coração dança lá fora
o corpo aquece
o parapeito de granito
se o coração estremece
abro a janela

Madalena Nova

tusto

teste

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...