3.2.10

O Rio

Uma parede de xisto ressequido
Descansando até ao rio
Tingido de ferro uma calda de óxido milenar
Beijando infinitamente a superfície calma da água
A erva brava dava-nos pelos joelhos. Os nossos
Corpos desenhavam-se angulosos mais escuros que a sombra
Dos salgueiros que húmida nos envolvia
“Oh margens de penumbra perpétua” já cantava o poeta
Dificultam o acesso às águas do lago
Resguardam-se nos espinhos, amuralham-se em raízes,
Encavalitam-se os rochedos, abruptos como dentes arreganhados
E apodrecidos de negros limos, espantam os estranhos com detritos esvoaçantes
Trazidos pelas tumultuosas águas de janeiro,
Troncos esfiampados de longas barbas, silvedo e vestuário gasto das crianças
Afogadas no rio...
Assim que os nossos pés tocam as águas superficiais exaltam-se os girinos e pequenas rãs castanhas. As lamas intactas quebram-se em nuvens polvorosas, turvam-se os pés.
Removemos os galhos em decomposição com os dedos dos pés com se fosse um ossário submerso.
A excitação é para alcançar o sol que nos cega a três braçadas da margem. Perto de Alcafache o rio diverge em múltiplos canais formando negras e impenetráveis ilhas de lama negra e malária mosquiteira.
Rapidamente os fundos se tornam de areia. A brutalidade das torrentes invernais esculpe anualmente o leito do riocom novas fossas e cristas arenosas, é como se lhe fizesse a cama. Cada obstáculo do percurso das águas é sorvado com violência em esteiras divergentes gerando um turbilhão de redemoinhos.
No rio Poio a selvajaria das águas esculpio maravilhosas cisternas perfeitamente cilíndricas na rocha granítica.
Nas imediações das represas os rios alargam e amansam como lagos.
No centro da albufeira em que nos banhanhos emergem três blocos de granito grandes como quartos, moldados pelas águas como o sabão azul das lavadeiras, ao meio-dia escaldam sob o Ângelus impiedoso. Deitados sobre os rochedos tornamo-nos cúmplices da tertúlia dos salgueiros e urzes que se espelham na água cristalina. Na Serra da Estrela existe uma lagoa com as águas rosadas devido às algas que lá se reproduzem. Os corpos debaixo de água tingem-se de cores psicadélicas e venenosas. Na base dum dos blocos de granito está encalhado um tronco monstruoso como um mastro de caravela está recoberto com uma poalha esverdeada onde debicam dezenas de peixes negros. Nas covas dos calhaus onde o vento não toca amontoam-se os alfaiates.

Nicolau Divan

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