23.6.10
Conversas
Na entrada do palacete havia um pátio murado totalmente possuído por uma borracheira descomunal. As raízes encapeladas abriam-se em túneis escuros que levavam a diferentes portões ou outros pátios. O pouco chão com que a árvore não rebentara era decorado com calçada portuguesa com desenhos incompreensíveis de tanta vez que tinham sido refeitos. Num canto dos muros descansava um banco monolítico de pedra escurecida e por cima tinha um painel de azulejo representando a espada de São Paulo. Era aqui que se costumava conversar...
Zé Chove
22.6.10
Doenças
Doenças. Tudo está doente. A doença é um estado tão natural que nem damos por ela. Somos doentes. Doentes em tudo. No corpo. No fôlego. No carácter. Nas coisas que possuímos. Ás vezes damo-nos conta dalgum quisto, de que nos atrasamos, da sujidade nas costas do nosso casaco, uma dor de cabeça ligeira mas persistente. Damos conta de algumas doenças nos outros, embora a nossa capacidade de observar também adoeça com frequência. Não são terminais. Nunca terminam. Provocam uma ligeira urticária se pensamos nelas. Como estamos doentes não existe um conceito universal do que seja ou não doença. Um hospital cura-nos de maleitas que nos obrigaram a ingerir noutro centro de saúde. Apesar de tudo conseguimos dormir relativamente descansados. Talvez seja outra doença...
Memento Mori
Libre Vermell de Monserrat
1399 - Jordi Savall
Medico della Peste
Le Royaume Oblie
Cátaros Cathar
Charles de Lorme
Máscara veneziana
Bico de Íbis
A cartola, o bastão para evitar
o contacto físico com os doentes
Tomás Manso
Salinas Brancas
Remansos cristalinos nos cantos
Dos olhos pureza estéril do sal
Salinas brancas que atravessam o gesto
Remansos líquidos que amargam o gosto
Geografias as covas do teu rosto
São lagos que absorvo com um beijo
Manuel Bisnaga
Esquecimento ou a Vontade de Desaparecer
Myriam et Mamadou
Guitarras dolentes africanas
O som das guitarras insinuantes africanas na tenda inicial da feira do relógio.
Mon amour ma cherrie
IARN – instituto de apoio ao retornado nacional...
Um homem da banca da fruta na feira do relógio contou-me a história da sua deserção durante a guerra do ultramar. Na altura refugiou-se numa aldeia zulu que o acolheu. Lá viveu 20 anos até ganhar coragem para voltar. Tinha medos das represálias pela deserção. Na altura nem soube bem quando terminara a guerra.
Agora gosta de tentar advinhar de onde são os pretos que vão lá comprar fruta. Sente alguma cumplicidade com eles. Eles nem por isso.
Quanto tempo pensamos que nos levam a perdoar? Quanto tempo leva um país a esquecer que existimos?
Não será o melhor perdão que se esqueçam de nós? Quando é que um país volta a abraçar os milhares que transgrediram a mesma cancela farpada que nós...
Na ânsia do esquecimento que a náusea por vezes provoca no diminuido.
Deuses Lares a quem se oferecia o fogo. O fogo que não podia extinguir-se pois era a chama dos antepassados o sacramento do passado que deve ser honrado.
Um beijo pode ficar marcado na consciência como um acto impuro durante toda a vida e isso é bom. Talvez sejam os melhores beijos...
A memória do gesto brilha como um diapositivo recordado às escuras projectado no silêncio do nosso quarto. Não te esqueças.
Nicolau Divan
Esboço
Almiscarada nava ou nova
Glosa de grosas ou grossas rosas
As grosas e as roças
A garota moderna do colar de pérolas corolas
Formosas borlas envoltas
Em soltas notas folhas vaporosas
Duma toga se esvoa uma névoa
O entorno, o contorno como de bossas
Formosas do torso onde me retorço
Aguento o dorso num escorço de esforço
Mas não lhe toco
Lúcia
11.6.10
Scum
Inferno de rapaz que não sossega
Vais bater com os costados num colégio interno em inglaterra
O teu padrinho leva-te por uma orelha mares afora o mar vai esquecer as tuas lágrimas
Alimentado a tabefes britânicos
Paulo Ovo
Crochê
Loquazes cobres algozes sequazes
Estampido fulmina vozes velozes artrozes
Termina albumina anemia afasia
Rasganço golpejava
Lavores vergões verdasca
Derme freme treme creme
Brame derrame
Sardónico falsetto
Madalena Nova
Desabrochar
Medrou nele a veia poética. No dia em que teve de escrever um requerimento ao reitor do seu estabelecimento de ensino a fim de que lhe reavaliassem um exame, aí, foi o flagelo da lógica que despontou. Na manhã seguinte tendo sido acordado pelo avô jazendo ébrio ensopado em vómito à porta do elevador do prédio esboçou uma máscara de sofrimento, aí, despontou dionísio.
Filipe Elites
Segura
Só se sentia segura
Se ele se apoiava com as suas
Amplas mãos sobre os seus
Tensos ombros
Nunca se tocavam
Madalena Nova
Aprender a Falar Sozinho #5
- Regatos transfiguram de brilho as colinas
- Indolentes sorvem as lamas em lenta queda canais de desejo
- Kingfisher – guarda-rios
- 4 chopas, 3 besugos, 1 pampo, 5 cavalas, 4 fanecas, 8 douradas, 1 sarguete, 2 parguetes e o quinhão habitual de bogas.
- A vida transcorre
Pelo mesmo regato
Estação após estação
- Princípio
Senhoras e senhores: Fuga
Cresce o casario
Os campos de arroz
- Vivemos entre gigantes
Emersos nesta batalha em que valemos
De moeda de troca
Olho por olho alma por alma
- Sua besta acha que consegue enfiar essa peida nessa cadeira – língua mirrada – fingir que anda de carro debaixo duma planta na sala de estar – pontapés na porta da cozinha quando havia visitas – ele não disse porra – cair no lago – gordo que os salva – esfregaço com aguardente – mãe e filhas declamando poemas de memória.
- Só começo os livros para lhes roubar um mote para escrever. Absorvo o ambiente geral e como sou mal educado começo eu a contar a minha experiência em casos parecidos. Nunca termino os livros porque a indefinição das histórias inacabadas é muito mais suculenta para a imaginação.
- Aparência envolucro
Que deixa intacta a essência
Mas estilhaça o conceito
Direitos
Queres que te estudem
Queres que te erijam um totem
E que te estudem como raro espécimen?
Tens de experimentar
Sem esperar que te entendam
Não conceder o ritmo
Não forçar o tempêro
Não mostrar toda a pele
Não condecer o dinheiro
Sem esperar que te entendam
Não cinzeles a lógica
Deixa que emerja a rocha
Não alinhes em revoluções
Deixa que erijam o totem
Diniz Giz
Aprender a Falar Sozinho #4
- A melodia dos planetas só pode ser metálica, esférica e cíclica, lisa e imaculada pela perfeição moldada de milhões de explosões instantâneas.
- Orfeu Filisteu Morfeu
- Depois
- Turfa que o mar depôs
- Processo de fabrico do linho
- Difusão
Fadiga
Alfândega
- Alguns usurpadores arrebataram
Todos os ditos e sagas
- O ódio veio à tona como uma grande ovo tão puro.
- Hoje quero morrer sufocado em teu perfume enjoativo
Sentir toda a intensidade da tua presença
Definhar sob o teu peso o teu ser ancorado na minha glória
- Sevícias se as vísseis
Aprender a Falar Sozinho #3
- Alijar deitar fora
- Gostaria de vos confidenciar
- Entregava, Agrava, gaivota
- Gavota, gavião, grave
- Este mundo tem três cores para cada um. Eu roubei o vermelho, o branco foi me dado e o preto vinha por defeito. És um cão?....
- Algumas mulheres permanecem coloridas, espalhafatosas mesmo depois de terem dado à luz outras debruam-se de preto e branco.
- Com a genica dos borregos que cabeceiam as tetas para que o leite desça.
- O iracundo e a sua capacidade de contemplação
- Morávia, Trieste, Ícones
- Lamento sobre as pedras do templo
1.6.10
Aprender a Falar Sozinho #2
- Não atraias o olhar
Vingativo do dragão
Perseguem-te as sanguessugas
- Sabão de feno, diáfano, triângulo escaleno, plectro tuas cordas virginais.
- Na Sé ecoavam os metálicos choros dos carris dos eléctricos e das catenárias vergastadas pelo vento.
- Mordo as pontas dos dedos
E marco as salas SALIGIA.
- Surto de sepulcro.
- Nagalho tritão neptuno bestas marinhas golfo remanso polvo tentáculo afundo
- Nada te peço por nada
- Confiança dizia o tio – Todo o mal foi vertido em nós do alto. Não há remissão
- Alijamos o conforto caseiro se o inferno rosna lá fora?
- Ovídio devorava Heavy Metal Dvorak até ao Feedback total do ouvido
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