22.5.12

Trip Luso-brasileira ou Brasa Lusitana


bebe bebe bebe leve cada vez
mais leve
quem se atreve a questionar
os homens que estão em greve
sem trabalho sem comer
sob o sol ou a chover
mil homens são um homem só
figura decadente um traste mete dó

de que estamos à espera
que passos estamos a dar
que vamos tão apressados
os olhos sem se fixar
corpo de máquina sem falar
que ímpeto tão cego te leva a caminhar
e de súbito aceleras
pelos corredores afora
todo engravatado
o rosto esbaforido
um ar desconsolado
técnica, técnica
desenvolvemos tanta técnica
que já nada fazemos que tenhamos de usar as mãos
e andamos tristes se as coisas não chegam ao correio
e acreditamos que toda a felicidade se compra com dinheiro
e corremos para o metro e não queremos suportar o nosso próprio cheiro
falamos rápido pelo telefone e embasbacamos entre companheiros
não aguentamos e não aguentamos a líbido dispara na internet
mas nunca tocamos numa mulher
não aguentamos as defesas caem online e abrimo-nos à loucura
mas nunca afagamos uma nuca, nunca beijamos uma boca, enfiamos a touca
não quero mais dançar o tecno não quero dançar eletrónico
eu quero dançar agarrado a uma dama eu quero dançar o forró

II

aqui estamos olhando atentamente os calcanhares
curvados em prostração reverencial
e nem nos atrevemos a levantar o olhar
elas bailam e nós veneramos
são as passistas no calçadão
que passam de patins de ar distraído
shortinho curto e cai-cai
com os fones nos ouvidos em plena abstração
passam loiras passam morenas
passam índias passam mulatas
e os nossos olhos giram presos de admiração
vergamos as cervis pasmados
vivemos presos de tal imigração
passam alemãs passsam chinas
passam brazucas passam irlandesas
quase deliramos com tal manjar rodopiante
que por nós passa veloz
que por nós passa sem olhar
de olhar semicerrado
com o queixo empinado
e quem nos dera saber patinar
e partir na sua esteira
e caçá-las em movimento
e amparar-lhes a cintura
suste-las no ar um momento
a brilhar no calçadão
deslizando em copacabana
patinando ipanema

III

daqui prá frente só fica mais penoso
uma já foi uma outra aguarda à porta
que te facilita o caminho e o torna mais prazeroso
uma é difícil a segunda é custoso
a décima ainda deixa culpa a vigésima é um jogo
mas o abuso vai apagando a imagem
do que foste e não és mais
és um adulto com cara de puto novo
com um peso na consciência
que dia a dia fala mais rouco
que cada dia a dia fala menos e te vai deixando louco
o castelo vai crescendo à tua volta
pedra a pedra te foste cercando nesse calabouço
agora estás sozinho
gritas alto mas não te ouço
vais morrer sozinho meu grande mentiroso

estamos a falar claro?
ou temos que falar mais alto
sentiram o nosso encosto
ou temos de espetar a faca
vejam nossos olhos raiados de vermelho

pal palmas
pal palmas
sal saltem
sal saltem
o dia dontem não vem
o dia dontem nãovem
sal saltem
homens ao centro
meninas na parede
pa parem
pa parem
não olhem
façam o que vos mando
não pensem

vamos caçá-las
as caçulas
sol sol
que assolas
os casulos das borboletas
e das

eu vou cantando o que sai
o meu amor não é firme
é flexivel como chicote
quando estou a vir-me
embora dou-te um beijo no cangote

IV

e já na noite rodeado de cuícas
sons estranhos dos becos e avenidas
tento fugir dos ladrões e dos polícias
me enfio por entradas e me perco nas saídas
o dorso do meu cavalo
prateado do suor
de correr atrás do amor
é um sinal minha amada

e nos céus tingidos sangue
um passarinho avoa
é um coração exangue
sob os telhados de Lisboa

falo de amor mas não sou que falo
é caetano e chico juntos
é bowie e lenon na casa
que nunca namorei neste mundo

a filosofia abeira do precipicio
faz-me suavemente balançar
prefiro umas mãos que em silêncio
carinhosamente me venham empurrar
caridosamente

V

caixa de lata
chocalha
com os tostões
negócios falhos

pobre portuga
largado
pelos mares do sul
já do sol tostado

o lusitano
casado com a mulata
de sunga e chanata
virou baiano

virou o vira axé
e o choro era fado
agora só come filé
farofa e feijão no sábado

trocou o azeite por mangue
e as rendas por cipós
cruz de Cristo no sangue

lalalalalalalalaços
que nos prendem
laalalalallalaços
de sol e luz
como espantalhos
fazemos o que nos mandam os céus
lalalalalaços
voamos entre as ávores
como as nuvens entre as montanhas
somos espantalhos
amassados de velhos trapos

cangote do corpo amado
a que apoio nos dias maus
cangote abençoado
onde assentei arrais

és um porto seguro
um abrigado cais

VI

caveira de rubi
onde prescruto o passado
o meu futuro entrevi
que o destino está traçado

entre as ondas dum tesouro
em que encontrei tal caveira
busco um artefato outro
que mude a dianteira
do meu novo convertivel
converta-se arrependa-se
arrenda-se esta morada
esta casa da alma

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