31.7.12

Sado-Loucura


Os retrovisores e janelas entreabertas
serpentinam a cidade de luz
Espelhos de mil brilhos líquidos as calçadas
cegam o meu caminhar
Eu comprazido no acasalar
Esvoaçante das pombas nos beirados
Absorvo a cidade com todos os sentidos

sou cisterna ávida
albergo o marasmo impávido
da gula espessa, morna e borbulhante
o frevo dançante da concupiscência das carnes
agita-se quando te cruzo oh Setúbal dos meus amores

São mel do nosso favo
E fibra da nossa cepa
E qualquer coisa longínqua
Maresia, maresia

O apartamento transparente gelo
prisão eterna de flores de plástico
em cada cómodo o candeeiro de plexiglass alveolado
tremelica lá fora o céu troveja
Deixo a sua luz penetrar
As pétalas dos meus olhos

A brutalidade dos meus apetites
Agarrou-me os braços atrás das costas
violentou-me a letargia
e arrastou-me ao velho manicómio
As pessoas admiram quem se enfia por túneis,
zonas labirínticas e ameaçam não voltar.

Vegetalizei do medo
Em mim magnetizada a dor
ou a vontade de sofrer
Beijei-me numa sombra de dúvida
dor, solidão e luz
fotografia dos primeiros dias

A caverna nacarada
Em que me sirvo e sorvo
era a cela mais longínqua em relação ao uivo do mar
No final das escarpas do Outão

Os tímpanos do oratório
reverberavam de mar
durante as matinais ensonadas

Do teu sopro gracioso alvor
Esconde o sereno arrebol do teu rosto
Oh sol glorioso que não te mereço

A exaustão imposta funcionava
como um tratamento de choque emocional antidelírio
além do sofrimento físico e da sensação de impotência
a impressão angustiante da morte iminente
Uma impressão que desperta defesa do Afogamento

Observava as mouras que se banhavam nos tanques
através do mata-cães, Oliveiras da tez prateada

Com este método, a mente, mantida a freio
é induzida a renunciar à sua arrogância
e logo se torna mansa e organizada
os maníacos com maior rapidez são tratados com a tortura
que com os medicamentos

Que os vivifique: o paúl de nebelina madrugadora e
O prado de sequeiro definhando ao sol dispendendo
os humores da alquimia do húmus

Disparo dali para fora com um apetite revigorado
Apostatei da seclusão e arrotei a plenos pulmões
os restos duma moral imposta pela loucura

Depois dos pilares descarnados
Pelo rancor ácido do mijo proletário
que sustentam a aposentadoria
das fábricas paradas
estendidos suam como lençóis matinais os baldios
até ao esfumado horizonte

silenciosas as orgulhosas asseiceiras
que se arrastam indomáveis nas planícies.
O Maninho estéril que se levanta infecundo ao crepúsculo
A congregação de baldios, solos incultos onde lavra a ignorância
respiram ao longo dos séculos sem donos
Avançam nessas terras as estevas a chupar o sal
das rochas brancas quebradas do sol
e chora a cornicabra sedada
do chá da alcachofra velha.
Sequios lavrados pelo pôr de sol vermelho

Calam-se perante a imensidão do céu.
Como as vagas as vozes enchem-se
Nos peitos do vento até ao mar
ali bem  perto

Duas cascas de ouriços do mar
semienterradas marcavam o caminho sempre igual
entre as cearas de carrapatos

As colinas coroadas com excesso
inalcansáveis ermos de paz e ventania
que esmoleiam o sol aos que se arrastam
aqui em baixo

Por fim avisto o grande mar
e se ainda havia algum pesar
alguma sombra
mergulho no azul como cação jovem
e deixo que as ondas rujam sobre as minhas costas
eternamente

Necessita o espírito do sopro fulgurante
Não da luz potente,
do vento do vento incessante

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