4.2.11

Divagações Tropicais

Fomos escolhidos
fomos escolhidos
mas não escolhemos nossos filhos
não
não escolhemos nossos filhos
somos enviados
viados
somos enviados
viados
mas reprovamos no vestibular
sim
já reprovámos no vestibular
corpo e alma quem acredita?
Cê acredita?
Corpo e alma amalgamada plasticina
quem nos tira esta sina?
Como estrela sem rumo caímos num espaço
sem vida
uma mulher, uma skol, um samba, um churrasco
são tira-gosto para nossa sede de infinito

Sor Flamengo

Barbarescus

Doce Condição

Um dia mais tarde hei-de escrever sobre os meus desaires de amor.
Como um quarentão guinchando à lua reclamando por algo que perdeu na juventude.
Vendemo-nos todos por várias pratadas de lentilhas e de pança cheia se nos obnubila a sensibilidade. E se por acaso alguma planta se aprochega para nos beijar na fronte por compaixão arrotaremos de olhos semicerrados como porcos javardos que somos. Ingratos. Eternamente nos chegam as bençãos na forma de brisas leves que nos tentam elevar com uma frescura benfazeja debaixo dos braços mas obstinados curvamo-nos e no meio da vara focinhamos nas alfarrobas como se de um manjar se tratasse.

Nicolau Divan

Mórbidas Paixões

Pela gente deu o hábito de caminhar nas trevas
entre as pregas esconderam as claras
e afundaram a paz dos ventos e semearam tempestades
e proclamou-se a desconfiança como pedra de toque
as vozes filtradas pelas pranchas dos caixões
emudeceram que a noite à muito terminou
e o sopro do coração gotejou na madrugada
nas folhas jovens da erva alta dos baldios


Lúcio Ferro

O Jorro

como vidro no olho
polpa do sumo o tomate
solto o jorro
o longo longo jacto
a erupção do sangue
no estofo ou na calçada
o borbotar da veia cá fora
o morno da linfa
sobre a tua cara
a cuspidela viperina
da serpente no rosto
da menina

Brás

Ruy Belo na Praia Vermelha

Ontem vimos o poeta Ruy Belo na Praia Vermelha
de sunga encarnada e rosto sangrado
com os dedos debruçado sobre a areia
enterrados contando até dez, um a dez.

outra vez de um a dez de um a dez.

A pança encavalitada leve
na projecção planificada
do pão de açúcar na retina
desfocada de sol, sal e água

outra vez de um a dez, um a dez


Lúcia

Género

Detecto sempre qualquer falha e comprazo-me na superioridade subtil que a correcção aos outros me alcança. Cruzo as ruas e maldigo interiormente a inépcia dos meus congéneres que deixam os seus cães cagarem na rua.

Rui Barbo

25.1.11

jindungo

Culinária Genealógica

O menino veio à luz com cara de joelho
a mãe era um presunto e o pai um farofero
o avô era feijão bem preto
e as tias arroz salteado
a filha era meu pedaço de filé
e todo mundo vivia dizendo
oh portuga você é um prato
de porcelana azul e branco craquelê

Sor Flamengo

Secret Aria

Docu-
Mentos
e coca-cola
sobre (a)
mesa
oh
secret
aria
amor
desalento
dos meus finais
de seman
aaaaaa
vou aí
bota e saia alta
e sê me traz
meu Docu
mento nem me
sento
e aban
dono
minha secret
aria


Henrique

Santo

Todos os benefícios somados segundo as respectivas intensidades subtraídos de todos os malefícios deixaram-me de bolsos vazios de ponta de orgulho ou recordação prazerosa que me alegrasse. Passei a degustar com felicidade as maiores provações e angústias e o meu peito encheu-se de melancolia e suspiros. Passei a vaguear entre os baldios conversando com os anjos do Senhor e praticando a renúncia. Alimentava-me de raízes e bebia dos lagos poluídos nas redondezas da grande cidade.

Filipe Elites

Arabescos

São João

Só vejo o bem por todo o lado. A ordem da disposição das montanhas e dos penedos, a alvura da lua na superfície do mar,o aroma da transpiração da vegetação. Os seus olhos brilham e a lua grita lá fora cheia de noite. Não sei se me sinta mais forte ou mais fraco, penso que perco e ganho forças na sua presença. Inspiro fundo e tento compreender a verdade nas subtilezas do seu sobrolho. O sangue atropela-se nas veias como um mar vermelho violento e queda-se em muralha antes de chegar ao coração num pico de êxtase quando as palavras me chegam aos lábios - quero ficar em tua casa.

Lúcia

Prece

Invoco as constelações e todos os deuses
de religiões postergadas para que assolem
nossos beijos e que incendem nossos corpos
preencham de sentido nossos silêncios
e afoguem as negras comuns memórias

André Istmo

Absolut Deluxe

Et Voilà
envolto em prada
vivo
só manhãs e noites
activo intenso
de madrugada
envolto
a silhueta delgada
de braços levantados às estrelas
em champanhe e lantejoilas
sushi, glamour, se não me beijas
olha-me nos olhos
blackjack, magias negras
morenas brancas loiras
jovens noivas velhas
fogo oco fogo oco
eu lanço os dados e elas de gatas
anestesiada aconsciência
estética Dior, luxúria platinada
cortou a gravata
saia pelas traseiras
a ética bêbada
carpetes, motivos orientais
peles, olhares ornamentais
tequillas, vinho, caipirinhas
perfumes, tecidos, ideias
falsas - amor nas prateleiras
amor servido em bandejas

Nicolau Divan

Dúvidas Violentas

A menina com dúvidas na matéria
bateu à porta do professor
que a elevou à luz
da piscina em que afogou a ignorância
e depois do 4 entrou o 10
e a ignorância diluiu-se entre o choro
na alegria da menina com dúvidas na matéria
que bateu à porta do professor
que a arrastou de 4 à piscina
e a violência deu lhe 10
e a luz deu sede de vingança
e uma piscina de choro
bateu à porta da menina
com dúvidas na miséria
da casa do professor
que a arrastou sem matéria
numa disciplina de ignorância
entre o choro e a vingança
e a inocência diluiu-se em ódio
e a vingança da menina virou luz
e na matéria bateu com alegria
e sem dúvidas afogou o professor

Lúcio Ferro

3.1.11

Timóteo e Elisa

Formigas

Sentado no vaso contemplava as formigas a meus pés
pequenas e menores que o negro. pontos fugidios que escapam à atenção
seguem seus carreiros e dão dois beijos repicados se se cruzam
em caminhos opostos e logo vem uma por trás que as empurra
e uma outra fora da esquadria de azulejo volta-se por momentos
e grita que vai procurar outros despojos. Para cima e para baixo o espaço
cruzado bem rente à matéria o muro vertical que inverte o plano referencial
e desce aos infernos pelo mármore do chuveiro

Zé Chove

Vanitas

Uma perna de porco recém cortada sobre a mesa de mármore
terminava numa mão branca de senhora mirrada como uma pata
de galinha recolhida cravejada de anéis, rubis e brilhantes
e ouvia-se ao longe um cacarejar enregelado e triste
por entre a névoa gelada e o alumínio ecoante das arcas de refrigeração

Lúcio Ferro

Mementum

os risos de crianças no jardim
um arranque frigorífico, um bater de asas
o som do suspiro-tédio
um enjôo de melodia
um temor perante o desperdício
duma vida
um desejo súbito de descer um rio
perder o pé sentir na cara a chuva
sentir o ritmo do corpo a enregelar
e aspirar profundamente a eternidade
sem sair do sofá

André Istmo

Descorrimento Final

acordas no carro, através do volante o sol nasce
em teus olhos e carregas no acelerador em direcção
ao precipício, (prepúcio arregaçado carícias?)
é tão fácil ser estúpido deixar a última gota no pano
no vinho benvindo, (infindo, enfado?)
fotografo as filhas do vizinho
(um suspiro?)
um copo de água e bochecho, talvez puxe um escarro
caio pelo precipício e principio um novo percurso
regressivo, tropeço em todos os escolhos (do meu futuro?)
e engulo todos os momentos do meu passado que não cheguei
a viver e afogo-me num presente que não deveria (ter acabado?)

Filipe Elites

15.12.10

Stultifera Navis - Brant

O Editorialis Corpus digita agora embalado em Terras de Vera Cruz. A Bem da Nação!

Sepultados no Jardim das Traseiras 4

Enchofre   Alcachofra
 **
O Verão impiedoso sangra da sua jarra
imperial sobre os adolescentes
que vagueiam no bazar
 **
o teu cabelo e o vestido são um só
 **
sabes que azedam as memórias se expostas ao ar
guardadas em cave fresca constroem história
"e um povo talhado no profundo silhar"
 **
Um mosquito no olho pode ser dos diabos
 **
Baixinha, sobrancelhas finas e compenetradas e olhos profundos como a carne das ameixas. Não que os tivesse visto frente-a-frente mas assim os imaginava.
 **
Desenho a posição das paredes que hão de ser a casa com um prego na terra seca.
 **
Os talheres dançam esquecidos no lava-loiça
Todos esqueceram a sua função e dançam
 **
Mãos a cheirar a marisc’alheio
 **

PS - Não fiquem só a olhar um dia ainda quero ganhar dinheiro com esta merda. 

Pisco Sawyer

Sepultados no Jardim das Traseiras 3

Alces grosses
Frazes noces
    ___
Amorfo espinhudo longo
Distinto pesa sobre a paisagem
    ___
Regressão após regressão somada
O atraso da pessoa, do animal
A inversão da marcha
Estagnada
    ___
O ensoleiramento que nos arraiga que nos assenta

   ___
Pisco Sawyer

Sepultados no Jardim das Traseiras 2

Durante a procissão o teu olhar é arrastado pela rola esvoaçante ou pelo cão maltrapilho e enquanto bates no peito reverberam na memória as ondas dum Verão passado.

Pisco Sawyer

Sepultados no Jardim das Traseiras 1

Foi uma noite de vivos
Aquela em que me dei à luz
No último quarto da torre da Isolação
Dois funcionários aguardavam à porta
O meu velho eu desceu ensanguentado
A cascata de água que todo o ano
Escalavrava a empena da torre.
Nasci São numa sala de sal e sangue.
Fui atormentado pelo meu velho eu
Durante a infância, visitava-me durante
A noite e nas tardes de delírio de Verão

Pisco Sawyer

Chorão em espanhol - Dos Lírios

"Sólo se vuelve uno realmente lírico tras un profundo trastorno
orgánico. El lirismo accidental procede de causas exteriores y desaparece
con ellos. Sin una pizca de locura el lirismo es imposible. Resulta
significativo que las psicosis se caractericen en su comienzo por una fase
lírica en la que las barreras y los obstáculos se vienen abajo para dar paso a
una ebriedad interior de una pasmosa fecundidad. Así se explica la
productividad poética de las psicosis nacientes".

Cioran

25.11.10

Samba e amor - Chico Buarque e Caetano Veloso

Retábulos

Somos o retábulo por demais macerado
Dos roxos nacarados do veludo mais ráfio
Perdem-se os passos nos ecos secos
Do canteiro mal assente e sem pedra de fecho
Oh oráculo sem sentido que nos arrebatas
Ao fundo dum poço ao centro do pátio
Em-nós, onde nos afogamos paladinos sem Senhor

André Istmo

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...