4.2.11
Piranha
O esplendor descendo de mão dada com a libertinagem
e no seu encalço a sombra da tristeza,
beijam-se o orgulho e a preguiça
gulosas de luxúria
mergulham num poço de ganância
e dão à luz uma piranha!
Sor Famengo
Apontamentos Pessoais
O meu amigo gustavo tinha um ténue cheiro a águas paradas
nunca percebi se era falta de banho...
Zé Chove
Eu Vim
Vim apesar de tudo
apesar de me faltar o chão
e no bolso nem tostão
eu vim
apesar do negrume dos céus
e do rugido atemorizador
do mar que me afoga os passos
eu vim
eu vim e não encontrei ninguém
e encontrei a casa vazia
eu vim
apesar de tudo
de tudo o que eu deixei
o conforto da alma e a barriga cheia
as canções e os sonhos que não sonhei
deixei
deixei a casa e os pais
e os papéis desalinhados sobre a mesa
eu vim
eu vim apesar de tudo o que afastei
ao longo do caminho
laços que se me abraçavam às pernas
afastei
afastei os escolhos
arregacei as calças fiz me ao caminho
e não encontrei ninguém
Sor Flamengo
Divagações Tropicais
Fomos escolhidos
fomos escolhidos
mas não escolhemos nossos filhos
não
não escolhemos nossos filhos
somos enviados
viados
somos enviados
viados
mas reprovamos no vestibular
sim
já reprovámos no vestibular
corpo e alma quem acredita?
Cê acredita?
Corpo e alma amalgamada plasticina
quem nos tira esta sina?
Como estrela sem rumo caímos num espaço
sem vida
uma mulher, uma skol, um samba, um churrasco
são tira-gosto para nossa sede de infinito
Sor Flamengo
Doce Condição
Um dia mais tarde hei-de escrever sobre os meus desaires de amor.
Como um quarentão guinchando à lua reclamando por algo que perdeu na juventude.
Vendemo-nos todos por várias pratadas de lentilhas e de pança cheia se nos obnubila a sensibilidade. E se por acaso alguma planta se aprochega para nos beijar na fronte por compaixão arrotaremos de olhos semicerrados como porcos javardos que somos. Ingratos. Eternamente nos chegam as bençãos na forma de brisas leves que nos tentam elevar com uma frescura benfazeja debaixo dos braços mas obstinados curvamo-nos e no meio da vara focinhamos nas alfarrobas como se de um manjar se tratasse.
Nicolau Divan
Mórbidas Paixões
Pela gente deu o hábito de caminhar nas trevas
entre as pregas esconderam as claras
e afundaram a paz dos ventos e semearam tempestades
e proclamou-se a desconfiança como pedra de toque
as vozes filtradas pelas pranchas dos caixões
emudeceram que a noite à muito terminou
e o sopro do coração gotejou na madrugada
nas folhas jovens da erva alta dos baldiosLúcio Ferro
O Jorro
como vidro no olho
polpa do sumo o tomate
solto o jorro
o longo longo jacto
a erupção do sangue
no estofo ou na calçada
o borbotar da veia cá fora
o morno da linfa
sobre a tua cara
a cuspidela viperina
da serpente no rosto
da menina
Brás
Ruy Belo na Praia Vermelha
Ontem vimos o poeta Ruy Belo na Praia Vermelha
de sunga encarnada e rosto sangrado
com os dedos debruçado sobre a areia
enterrados contando até dez, um a dez.
outra vez de um a dez de um a dez.
A pança encavalitada leve
na projecção planificada
do pão de açúcar na retina
desfocada de sol, sal e água
outra vez de um a dez, um a dez
Lúcia
Género
Detecto sempre qualquer falha e comprazo-me na superioridade subtil que a correcção aos outros me alcança. Cruzo as ruas e maldigo interiormente a inépcia dos meus congéneres que deixam os seus cães cagarem na rua.
Rui Barbo
25.1.11
Culinária Genealógica
O menino veio à luz com cara de joelho
a mãe era um presunto e o pai um farofero
o avô era feijão bem preto
e as tias arroz salteado
a filha era meu pedaço de filé
e todo mundo vivia dizendo
oh portuga você é um prato
de porcelana azul e branco craquelê
Sor Flamengo
Secret Aria
Docu-
Mentos
e coca-cola
sobre (a)
mesa
oh
secret
aria
amor
desalento
dos meus finais
de seman
aaaaaa
vou aí
bota e saia alta
e sê me traz
meu Docu
mento nem me
sento
e aban
dono
minha secret
ariaHenrique
Santo
Todos os benefícios somados segundo as respectivas intensidades subtraídos de todos os malefícios deixaram-me de bolsos vazios de ponta de orgulho ou recordação prazerosa que me alegrasse. Passei a degustar com felicidade as maiores provações e angústias e o meu peito encheu-se de melancolia e suspiros. Passei a vaguear entre os baldios conversando com os anjos do Senhor e praticando a renúncia. Alimentava-me de raízes e bebia dos lagos poluídos nas redondezas da grande cidade.
Filipe Elites
São João
Só vejo o bem por todo o lado. A ordem da disposição das montanhas e dos penedos, a alvura da lua na superfície do mar,o aroma da transpiração da vegetação. Os seus olhos brilham e a lua grita lá fora cheia de noite. Não sei se me sinta mais forte ou mais fraco, penso que perco e ganho forças na sua presença. Inspiro fundo e tento compreender a verdade nas subtilezas do seu sobrolho. O sangue atropela-se nas veias como um mar vermelho violento e queda-se em muralha antes de chegar ao coração num pico de êxtase quando as palavras me chegam aos lábios - quero ficar em tua casa.
Lúcia
Prece
Invoco as constelações e todos os deuses
de religiões postergadas para que assolem
nossos beijos e que incendem nossos corpos
preencham de sentido nossos silêncios
e afoguem as negras comuns memórias
André Istmo
Absolut Deluxe
Et Voilà
envolto em prada
vivo
só manhãs e noites
activo intenso
de madrugada
envolto
a silhueta delgada
de braços levantados às estrelas
em champanhe e lantejoilas
sushi, glamour, se não me beijas
olha-me nos olhos
blackjack, magias negras
morenas brancas loiras
jovens noivas velhas
fogo oco fogo oco
eu lanço os dados e elas de gatas
anestesiada aconsciência
estética Dior, luxúria platinada
cortou a gravata
saia pelas traseiras
a ética bêbada
carpetes, motivos orientais
peles, olhares ornamentais
tequillas, vinho, caipirinhas
perfumes, tecidos, ideias
falsas - amor nas prateleiras
amor servido em bandejas
Nicolau Divan
Dúvidas Violentas
A menina com dúvidas na matéria
bateu à porta do professor
que a elevou à luz
da piscina em que afogou a ignorância
e depois do 4 entrou o 10
e a ignorância diluiu-se entre o choro
na alegria da menina com dúvidas na matéria
que bateu à porta do professor
que a arrastou de 4 à piscina
e a violência deu lhe 10
e a luz deu sede de vingança
e uma piscina de choro
bateu à porta da menina
com dúvidas na miséria
da casa do professor
que a arrastou sem matéria
numa disciplina de ignorância
entre o choro e a vingança
e a inocência diluiu-se em ódio
e a vingança da menina virou luz
e na matéria bateu com alegria
e sem dúvidas afogou o professor
Lúcio Ferro
3.1.11
Formigas
Sentado no vaso contemplava as formigas a meus pés
pequenas e menores que o negro. pontos fugidios que escapam à atenção
seguem seus carreiros e dão dois beijos repicados se se cruzam
em caminhos opostos e logo vem uma por trás que as empurra
e uma outra fora da esquadria de azulejo volta-se por momentos
e grita que vai procurar outros despojos. Para cima e para baixo o espaço
cruzado bem rente à matéria o muro vertical que inverte o plano referencial
e desce aos infernos pelo mármore do chuveiro
Zé Chove
Vanitas
Uma perna de porco recém cortada sobre a mesa de mármore
terminava numa mão branca de senhora mirrada como uma pata
de galinha recolhida cravejada de anéis, rubis e brilhantes
e ouvia-se ao longe um cacarejar enregelado e triste
por entre a névoa gelada e o alumínio ecoante das arcas de refrigeração
Lúcio Ferro
Mementum
os risos de crianças no jardim
um arranque frigorífico, um bater de asas
o som do suspiro-tédio
um enjôo de melodia
um temor perante o desperdício
duma vida
um desejo súbito de descer um rio
perder o pé sentir na cara a chuva
sentir o ritmo do corpo a enregelar
e aspirar profundamente a eternidade
sem sair do sofá
André Istmo
Descorrimento Final
acordas no carro, através do volante o sol nasce
em teus olhos e carregas no acelerador em direcção
ao precipício, (prepúcio arregaçado carícias?)
é tão fácil ser estúpido deixar a última gota no pano
no vinho benvindo, (infindo, enfado?)
fotografo as filhas do vizinho
(um suspiro?)
um copo de água e bochecho, talvez puxe um escarro
caio pelo precipício e principio um novo percurso
regressivo, tropeço em todos os escolhos (do meu futuro?)
e engulo todos os momentos do meu passado que não cheguei
a viver e afogo-me num presente que não deveria (ter acabado?)
Filipe Elites
15.12.10
Sepultados no Jardim das Traseiras 4
Enchofre Alcachofra
O Verão impiedoso sangra da sua jarra
imperial sobre os adolescentes
que vagueiam no bazar
o teu cabelo e o vestido são um só
sabes que azedam as memórias se expostas ao ar
guardadas em cave fresca constroem história
"e um povo talhado no profundo silhar"
Um mosquito no olho pode ser dos diabos
Baixinha, sobrancelhas finas e compenetradas e olhos profundos como a carne das ameixas. Não que os tivesse visto frente-a-frente mas assim os imaginava.
Desenho a posição das paredes que hão de ser a casa com um prego na terra seca.
Os talheres dançam esquecidos no lava-loiça
Todos esqueceram a sua função e dançam
Mãos a cheirar a marisc’alheio
**
PS - Não fiquem só a olhar um dia ainda quero ganhar dinheiro com esta merda.
Pisco Sawyer
Sepultados no Jardim das Traseiras 3
Alces grosses
Frazes noces
Amorfo espinhudo longo
Distinto pesa sobre a paisagem
Regressão após regressão somada
O atraso da pessoa, do animal
A inversão da marcha
Estagnada
O ensoleiramento que nos arraiga que nos assenta
___
Pisco Sawyer
Sepultados no Jardim das Traseiras 2
Durante a procissão o teu olhar é arrastado pela rola esvoaçante ou pelo cão maltrapilho e enquanto bates no peito reverberam na memória as ondas dum Verão passado.
Pisco Sawyer
Subscrever:
Mensagens (Atom)
Convento dos Capuchos
palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...
-
Entre 1241-42 os mongóis invadiram a Hungria. Lamento pela Destruição do Reino da Hungria pelos Tártaros Escrito por um clérigo da época. Tu...
-
palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...