Lá vinha ela bamboleando as suas carnes.
O seu sorriso de carmim parecia um pipo na cara de bóia.
O vestidinho alaranjado fazia dela um balão.
O gordo do porto comia fatias de porco.
Chamava-se Bruno. A t-shirt não tapava o bandulho.
O seu pai guiava o camião feliz e a mãe via novelas.
Magrinho escanzelado pequeno Elias,
chupava biscoitos rijos.
Andava na rua de nariz enfiado num livro.
Na escola era o choninhas,
um dia um professor deu-lhe um estaladão que o deixou a sangrar do nariz.
A mamã continuava doente,
o papá era um touro de força que aguentava seis pacotes de leite numa só mão.
O quarto cheira bem: a livros e tapetes.
Abriu a janela que dá para o saguão e viu uma nesga de céu rubro.
Lá em baixo no chão de cimento uma pomba morta há quatro dias.
Cheira a cano, misturado com refogado da dona Manela do primeiro.
Não ouviu passos no corredor e saltou lá para fora.
As raquíticas escadas de serviço desfaziam-se em ferrugem.
Lá em cima as telhas fazem um belo tapete de líquenes.
Encostou-se à chaminé suja de alcatrão impermeabilizante.
Respirou fundo uma golfada de ar noturno
e ficou a olhar para a cidade que começava a acender as luzes e a jantar.
Zé Chove
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