18.1.10

Consternação

Facilmente me encontro perto do choro. Reprimo as lágrimas perante as maiores alegrias e tristezas dos outros, não suporto que me descubram lágrimas nos olhos, só ia piorar. A minha vida não me provoca qualquer emoção.
«Um dia de Outono andámos perdidos horas e horas entre as árvores e montanhas. Junto aos rios a vegetação é mais feroz e os espinhos reclamam pela carne. Os leitos de rios mortos escondem serpentes entre o lodo. Se largamos o rio as escarpas tornam-se abruptas. Aguçadadas como lâminas.
Soube então que também se vertem lágrimas por instinto. Vão caindo à medida que dor aperta.
Tão doente. Pensei que morria ali. Senti-me virado ao contrário com os repelões dos vómitos no caminho para casa. Os olhos brilhantes da febre, a palidez da pele, as costas recurvadas do peso da cabeça devem ter provocado a compaixão das velhas com quem me cruzei junto do cruzeiro.»
Maldita melancolia. Atacas como um vírus aspirando-me as forças.
Não que nunca tivesse pensado na morte. Quem é que nunca pensou?
Mas senti-la? Passa por nós como uma serpente silenciosa.
Olhou-me como se já nos conhecêssemos com uma insistência desusada entre os que andamos a pé pelas calçadas do castelo. Algo nos une. As mesmas fraquezas dão semelhantes tremuras nas pálpebras dos olhos ou tiques nas mãos idênticos, por vezes a mesma cadência cautelosa no respirar. Partilhamos as mesmas revoltas interiores desde sempre e o nosso coração sempre se encavalitou do mesmo lado das ameias. As florestas alinhadas a nossos pés são como exércitos em ordem de batalha.
São estes olhares que me lançam na mágoa mais profunda. "Não te conheço".
As sopas grossas eram o verdadeiro brasão desta casa em que entro.
Cheiro a comida e lenha queimada assim se constroi uma dinastia. São os sinais mais duradouros. Quem não conhece os seus pelo olfato?
De sopa no bandulho e o vinho nos olhos...
Nem é meu hábito mas gritei-lhe “não, não é o tédio. O nosso verdadeiro problema é a preguiça. Uma preguiça básica. Não uma preguiça astuta. Uma preguiça dengosa que molda as pessoas como dois corpos metálicos incandescentes. A busca gulosa da satisfação a dois iliba-nos a consciência. Imagina todo um povo!...” Sentia o corpo tremer de indignação e vergonha pela exaltação. Nunca fui de extremar opiniões. Sempre alimentei uma certa tepidez nas relações. Tentei olhar humildemente para o chão em busca do perdão pela ousadia. E outra vez aquele olhar humilhado e oprimido que me enche os dias de consternação. Cansa-me viver entre os homens.

Filipe Elites

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