5.9.21

Junto ao mar

 Pode o homem viver dessas poças que evaporam

nas rochas expostas pela maré

evola-se o marisco, aquece a água

perde-se o olhar em tanto brilho

mergulha a imaginação nessas esculturas do explosivo mar

desvendam-se no Verão os labores violentos do uivante inverno

deleita-se o homem também ele salgado

recoberto de viçosos limos e aguçadas lapas

poderá sobreviver aqui alguém? alimentando-se de anémonas

e raiados caranguejos?

não falta sustento ao sonho!

adormece-se de peito quente no sufoco do sol a pino

rasga-se a pele nas arestas vivas dos rochedos

e o sangue dançando pelo mar é engodo para cardumes 

de minúculos peixes

as límpidas águas aquietam-se sem nunca se alisar

o calor suprime o vento 

as galerias de pedra de estagnada água

voltemos a contemplar

tudo o que é vivo se esconde ou emula

com movimentos rápidos

e os cristais de piscinas milenares

meandros, bojos, paredes, arcaboiços, chapadões

refegos, cúpulas, nichos e todas as formas onduladas

da imaginação feitas pedra rasgam e moldam-se te pelos olhos adentro 

e disso te fazem viver?


Areais

 as gaivotas poisam no areal do teu corpo

fervente do sol de almoço

todas voltadas de bico ao vento 

cegam-me de branco seus aquáticos peitos

uma ou outra exercita as asas no meio da multidão

quebra-se o esquadrão e volve-se a miragem

sob o calor das dunas evolam-se corpos

imaginam-se luas

as areias escaldam os pés descalços

ao longe o mar vibra de brilhos tão azuis os olhos

teus seios salgados de secos cactos

são desenhados de rastos de animais 

exalam as rochas do paredão o mijo do sargaço morto

do marisco vivo da água parada nas covas

e as ondas do mar perpétuam-se no areal

no sopro esboçado do vento


sair do mar

 também por vezes soltam suspiros os simples seixos

que brilham na azul areia do princípio do mar

da garota que espreme o cabelo de pescoço pendido


Enfoques

 O que vislumbra ouro entre o monte de calhaus

que sopra delicadamente as impurezas para delapidar o rubi

e se ri do que ostenta o que sempre esteve a descoberto

vagueia insaciável buscando o minuciosamente novo

e esplandece das mais miúdas vibrações como um garoto

que salta as primeiras ondas do oceano


Atrasos

 O seu maior medo era atravessar mais tarde o salão

quando todos já se banqueteavam

esquivava-se ao olhar anfitrião

cada passo no tapete de gala uma cerimónia a que faltara

a indignidade sufoca o traje 

as mãos arquejantes não querem saber do juízo

a culpa esmaga a fome 

de que adianta o guardanapo?

o tilintar da pratos, os risos de quem merece ser saciado

estrangulam o pescoço do diabo engravatado


ondas

 Esgravata com garras o arcaboiço de costelas

pende o pescoço de alga em busca do peso do lábio

o olhar esbatido salpica um no outro de sal e mar

amarra o corpo esfianpado de madeira 

enforcado pelo cordame dos braços marinheiros

range o porão, inspiram os barcos na tarde de verão


Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...