24.7.07

Agora envolve-me no teu abraço

Agora envolve-me no teu abraço,
Sufoco com o peso de veludo, denso do teu corpo,
Choro de felicidade,
Ao ferires os meus defeitos.
Preciso que me empurres para o carreiro certo,
Puxa-me com a trela para não fugir.

Vasco Vides

Na casa de jogo

Na casa de jogo
dois homens de bigode bebiam martini.
Pegaram nas suas pistolas
saíram para a noite fria.
Os sobretudos moviam-se misteriosos.
O sangue requintado fluiu na banheira de porcelana.

Henrique

Dois se separaram tristes

Dois se separaram tristes de manhã,
engoliu-os o nevoeiro,
passos lentos em direcções opostas,
memórias cheias de alegrias amarguradas.

Marco Íris

Sonho matinal

Rapariguitas com saias de fogo
correm pelo sobral
atiram-me pinhas à cabeça.
Espojo-me nas folhas secas e elas tentam puxar-me os cabelos,
abraço uma com força e corro com ela debaixo do braço.
As outras ficam a choramingar perto do grande carvalho,
vejo um velhote a sorrir.

Carlos Marques

parte

parte. destrói até verdes aquela luz de que vos falei.
rasga. força até cairdes no lago de cristal que vos mostrei.
não pares. empolga-te nas vagas até seres vomitado pelas ondas

na praia em que te abracei
e se te sentires enlouquecer
que rumas sem norte
que sangras de morte
estás mais perto da minha testa vê os meus olhos

Diniz Giz

Uma ponte atravessava o estreito riacho

Uma ponte atravessava o estreito riacho,
na floresta densa.
Ouvia os teus passos atrás de mim,
cantarolava para dentro o teu nome.
em breve estaremos com os miúdos,
junto á lareira a jantar.
Na nossa casa rústica à beira mar.

Paulo Ovo

Batia no trigo

Batia no trigo com fúria,
os olhos secos de Verão,
choravam por dentro.

Carlos Marques

olhei para ti, para ver se olhavas para mim

olhei para ti, para ver se olhavas para mim
mas sem que visses que olhava para ti.
sei que se ficar aqui sentado vais ter de olhar para mim.
pus um ar normal e sério.
como se não me interessasse por ti.

Nicolau Divan

sim. vem e põem-me essas algemas

sim. vem e põem-me essas algemas
quero ser o teu escravo.

Diniz Giz

e voltei a chamá-lo

e voltei a chamá-lo para dentro
lá fora um brincava na neve
estará louco?
estarão loucos?

Filipe Elites

sempre o achei estranho

sempre o achei estranho
até um bocado fraco
e ela que eu sempre vira cheia de garra considera o um herói
e contou-me a história dele
é extremamente triste e não há dúvida que se portou com
valentia.
eu é que ainda pouco sofri.

custa-me amá-lo sempre foi um pouco bruto
e no entanto daquela vez
em que precisei do seu apoio
ofereceu-se com prontidão
ao pensar nisso ainda choro.
e ela sempre tão forte
chorou como uma mulher
quando lhe disse que eu ia morrer.

Vasco Vides

Tem andado

Tem andado mais vaidosa...
Claro que está mais bonita...

Zé Chove

guitarras ciganas

guitarras ciganas
alegres na fogueira noturna
o teu sorriso comprometido
o calor do vinho
beijo-te à força no sobrolho.

Filipe Elites

às vezes é duro amar-te

às vezes é duro amar-te.
deixo entrar a melancolia
será que é melancolia?
penso no que deixei...
não penso nada!

às vezes gosto de irritar-te
o nosso amor é tão intenso.


Madalena Nova

hoje ainda não me lembrei do teu rosto

hoje ainda não me lembrei do teu rosto.
Sei bem o que passamos juntos.
e ainda choro ao ouvir o teu nome.
mas agora que estou com ela
já não sei de quem gosto mais
e ao teu lado sinto-me agora sempre estranho
antes de estar contigo recolho pequenas histórias alegres
para te contar para reviver os nossos momentos.
mas são fugazes os nossos encontros...

Lúcia

A criança na sua inconsciência

A criança na sua inconsciência
força a mãe já derreada
a mais um puxão de rompante
no autocarro a abarrotar
ela chora e esperneia endiabrada
apesar dos beijos da sua amante
que é jovem mas já anda a trabalhar.

Zé Chove

Voltou a mudar de posição

Voltou a mudar de posição
na cama já sem frescos recantos.
Esmagou na almofada os seus prantos
porque alguém lhe levou o coração.

Lúcia

23.7.07

Músculos de granito

Músculos de granito,
servente do senhor,
esmagado sob o sol abrasador,
construindo um lugar bonito.

Dia todo sem descanso,
vai nascendo a casa,
ao fim tarde já manso,
fica a faltar o telhado.

André Istmo

O tempo frio acizentado

O tempo frio acizentado,
o corpo fraco e adoentado,
a solidão da casa outrora cheia,
adolescente louco e sem ideias,
de novo esparramado no sofá.

Pensamentos em catadupa,
mais uma série que não é assim tão má,
uma leve sensação de culpa.

A vontade de explodir e quando chegam
com barulho infernal os trovões...

Mais um dia entediante,
mas o sono não chega e está calor.

A mesma música,
não me diz nada,
mas o tom é doce e acompanha,
os pensamentos estúpidos que eu tenha.

Também me passam pela cabeça,
temas sérios, a vida e a morte,
e faço planos que cumprirei se tiver sorte,
mas agora já começa outro programa.

É assim eu sei que é triste,
uma juventude mole e sem vontade,
morrem novos de saudade,
da vida que não viveram.

Porque a tv não deixa dúvidas,
toda a gente é assim,
nascem comem, choram e morrem,
tentam ser ricos até ao fim.

Mas agora preciso de me preocupar com quê?
A vida é boa...


Zé Chove

depois de tanto tempo

depois de tanto tempo a querer fazer as coisas com jeitinho
tarefa insignificante
mas feita com carinho
vem ela bruta e autoritária
já com o saco cheio
e despeja a sua raiva otária
sobre o pobre menino feio.

Diniz Giz

quem me dera ter

quem me dera ter
alguma coisa para contar
queria saber escrever
não sei por onde começar
um pouco de sentimento
uma estória cativante
adjectivos e ritmo lento
escritos de rompante
quem me dá uma frase?
bela e plena de sentido
que me ajude nesta
árdua tarefa a que aspiro.

Brás

O lençol quente pegado ao corpo

O lençol quente pegado ao corpo,
morto de sono,
um tédio louco que me esmaga.
Não fez nada e não sabe o que deve fazer,
alguma coisa gostaria de fazer,
que desse alguma paz aos seus desejos,
que lhe matasse a vontade de correr à solta desenfreado,
distribuindo estoiros e pontapés para todo o lado.
e qualquer picada e insolente ao de leve na perna ou na barriga
causa lhe um estorvo que o irrita e rasga e bate e esmaga e grita
e o que é que o acalma?
alguma voz mais doce
ou uma melodia
o vislumbrar de algo diferente para fazer,
algo simples não muito exigente.

Filipe Elites

Cit.#4 - Sophia de Mello Breyner

Meditação do Duque de Gandia Sobre a Morte de Isabel de Portugal

Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.
Nunca mais amarei quem não possa viver


Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

Sophia de Mello Breyner
Mar Novo, 1958

20.7.07

Dresden

tumor #2

uivante e indiscreto

uivante e indiscreto,
enfiando-se pelas fraldas das camisas,
uma nuvem de pó e folhas secas,
galopava na nossa direcção.

o sol vencido retirava-se,
nuvens grosas planavam molengonas,
andávamos inclinados fazendo-lhe frente,
com as trunfas enfunadas,
e os olhos semicerrados.

de súbito lambeu-nos a espinha um arrepio gélido,
entre nós desabafos surdos no meio do vendaval,
eu não quis falar,
um peso negro vergou-me o tronco.


Filipe Elites

enche o peito brada

enche o peito brada,
boca cheia esmaga,
fogo líquido cego,
dor cortada à espada.

mão no peito dispara,
olhos fechados chapada,
sangue quente se espalha,
mancha brilha agarra.

o braço frouxo tomba,
fronte inerte quebrada,
alma levanta e rasga,
o fio prata no bico da pomba.


Zé Chove

Edmund Dulac - The Princess and the Pea

Imaginarium postumum #14

Na aldeia

Na aldeia gasta eterna do meu coração,
beleza dura nas penhas cortadas.
Em bronze gasto, verde e quebrado,
sinos de aldeia abandonada em pó,
neblinas alvas voando livres,
o silêncio esquecido de madrugadas.

As casas vazias de xisto tão sós,
o húmido da serra escadeada de verde.
pássaros piando de dor,
subitamente um grito rasgando o céu.

O peito a ferver de expectativa,
a espinha rasgada por um rastilho frio,
seria de - solidão, terror ou amor?
Com certeza de homem,
pulmões em sangue em dor?
As colinas repetem até ao infinito
a explosão lancinante dum louco?

Filipe Elites

Afagámos os cristais

Afagámos os cristais do lustre,
Mil brilhos e blimps de luz.

Lúcia

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...