5.1.09

Litania

para Arvo Pärt

o tintinabulo súbito
pinga na nuca
faz ribombar a aragem
do temor de deus
réplica dum temor esquecido
que foge ventos fora
no ecoar do sino

Zé Chove

Carroçeiro

Guardar algo que vem do exterior
Na carroça do feno
Uma parte do reino
Qualquer observação
Parte daquela visão geral
Não um desejo mas quase uma teoria
Não procede a vida da visão
Vontade vista deslumbrante
Intelecto possível inflado
Em ascese de atrelado
Cavalgando desabrido
Reclinado sobre a palha
Distraído

Zé Chove

Nuvens e Rochedos - 2nd Round

Nuvens e rochedos
Infâncias outonais varridas de vento
E agressivas urzes
Eu por perto e tu tão dura
Forço por te alcançar no Inverno
Entre lamas revoltas
E o cheiro a chuva num céu tão cego
Sorris no verão mais solta e loira
Em feno de suave encosta
E cegas-me de sol e oiro
O fruto da primavera que rescende no teu dorso
É flecha vermelha liberta sobre a imensidão
Reflicto em onda e luz a escarpa do teu rosto
E estoiro

André Istmo

2.1.09

S. Hieronymus


Cit #28 Joseph Conrad - Lord Jim

...a contemplarem com um brilho nos olhos o esplendor da vasta superfície que é apenas o reflezo dos seus olhares de fogo.

Em nenhum outro modo de vida está a ilusão mais afastada da realidade...
em nenhum outro é o começo uma ilusão tão perfeita... em nenhum outro é o desencanto mais rápido... a subjugação mais completa.

O Rumor

o rumor surdo das rodas
entre monturos valedos sem caminho
sem caminho e sem peso sem detenimento
o rumor surdo dum caminho
sem percurso sem rodas

o caminho de silêncio do pássaro
entre monturos valedos sem espaço
sem espaço e sem peso sem detenimento
o caminho de silêncio dum espaço
sem limites sem pássaro

Paulo Ovo

Hilemorfismo Cotidiano

o enter é transcendental da metafísica
no mínimo um co-princípio
para alguns um amen
assim seja

Lúcio Ferro

Rio

rio rio no meio do rio
refrigério no centro do paul
trauteio
alheado do meu olhar
facas no figado

Diniz Giz

Terreno

escolheste esse terreno
conquistado às margens do rio
viceja com loucura no estio
rebenta em gretas no inverno
o solo macerado de aluvião
marcado na alma de lodo
é branda carne dum garoto
o barro em que moldas o coração
é o bastião em que assenta a vontade
a fortaleza jorra dum coração apaixonado

André Istmo

1.1.09

Bom Ano


Segredo

Um segredo como um barco velho
Preso e escondido entre uns juncais
Sempre com medo dos corvos rabugentos
Que vagueiam em círculos os baldios

Nem medo, nem lei, nem ruídos, nem olhos,
Nem mesmo os nossos, até ao nascer do sol
A sombra a sombra da loucura saída
Da sombra da morte sobre os vivos caída

Em todas as cidades chuva arrasta
Um cheiro de morgue ou de couves
Podres dos pântanos mal dragados

Orlando Tango

Enclave

Baclava – bolo tipo jesuíta
Balaclava – gorro que cobre toda a cabeça menos os olhos; bataclava

De Herodes

De Herodes
Estremecendo como a verde cana
Prostrado sob o teu brado
Aplanador
A plena dor
Vejo-te vires a mim
Sereis por ventura meu guarda
Meu irmão

Recolher-me, vaguear os desertos, de mim mesmo me vingar
Qual consolo
Talvez fechados de noite em cárceres lado a lado
Me reconforte ouvindo o teu sono
Lá fora oiço sobre o lajedo as asas de espadas
Do nosso anjo

André Istmo

Escórias IV

I gloriosi nostri colori splenderanno sempre!
Sicut herbae
It’s hard to believe
When you only see
The backside of the tapestry
Believe
It’s all
Green
Green
Green

A chuva arrasta um cheiro de morgue
Ou de couves podres
Cantos vesperais

Os azedos da oxidada pedra
A pedra azeda
A lâmina de pedra azeda
Sob o rio óxido

A sombra de eternidade
Por fim liberta

Dir-se-á que mentia hoje a um santo

Façam-me reparos sem fundamento
Títeres úberes céleres

Orlando Tango

Sonho Bojudo

Sonho bojudo de seixo maduro
Até à superfície de vapor
Que o envolve em suma
No limite do seu esplendor

Nicolau Divan

SPQR

Modorras post-prandiais
Reclinadas sobre os corpos
De pálpebras maceradas
Em delírios ambrosianos
Os espíritos fremem
Viandas imperiais, alcachofras
Corno gratinado, puré de ostras
No percurso inverso vertem
Ante o vomitório quem se prostra

Filipe Elites

G. E. M. Anscombe

Archivo de imagens #260

23.12.08

Boi Faminto

regatos de urzes abertos húmidos
de espinhosas rochas àguas lacrimejantes
mais loira sobre as escarpas
onde chapa o verão os estratos ósseos secos em pó
ordeno ao mar que te cinzele as pétreas omoplatas
prenhe da luz que cega o boi faminto
choro regatos gravetos vicejantes

André Istmo

Nuvens e Rochedos

Nuvens e rochedos
Infâncias outonais varridas de vento
E agressivas urzes
Eu por perto e tu tão dura
Forço por te alcançar no Inverno
Lamas revoltas
O cheiro a chuva o céu cego
Sorris no verão mais solta e loira
O feno da suave encosta
E cegas-me de sol e oiro
O fruto da primavera que rescende no teu dorso
É flecha vermelha liberta sobre a imensidão
Reflicto em onda e luz a escarpa do rosto
E estoiro

André Istmo

Recolho

Recolho ávida o feno
O molhe de calor
Entre tábuas sombras de fogo
Armazeno madrugadas
Se caem chaminés lentamente das casas
Melodias de ventos perdidos nos poços secos
Onde os recolho

Lúcia

It's a Wonderful Life 2


20.12.08

Restos de Metal

Restos de metal
Fagulhas de asas negras
Terra negra
Nas cavidades oculares da tua caveira
Metronomia chilreios

Lúcia

Fantasmas de Albatorre

Separada da rua por um lençol
Os descendentes dos fugitivos envoltos
Num loop dolente rappavam noite fora
A angústia de várias gerações
Os fantasmas de Albatorre amaldiçoam
O pontão da Cova do Vapor
Separando, arrastando os corpos nas ondas do Atlântico
Enquanto afogam as almas nas águas verdinegras do Tejo

Se sentires um calafrio na espinha enquanto
Comes uma tainha em Porto
Brandão excusas de limpar os beiços e pagar a conta,
A tua alma já vagueia louca nos corredores do sanatório
28 de Maio.

P.S – O tecto do auditório dos bombeiros
da Trafaria é de corticite podre
Pintada em xadrez
[com estrelas nas casas pretas]
de relance parece uma bandeira
Dos USA gigante.

PS2-Joanna southcott
Et Ecce Terrae Motus

Rui Barbo

Os Arcos

Os arcos feitos das mesmas palavras
a pedra impiedosa que esmaga o corpo em silêncio
vês-te no homem forçando
o denso mato
arco sangue e espada
o anjo firme
prostrado o alento da terra
seco o peixe
oiço o assobio no quarto do meu
filho

Zé Chove

It's a Wonderful Life




Desfibrilador, Cautério, Farpa

Difuminada cortina
Aveludada de charutos
Alarmes de vida
Surtos de púrpura
Alegres em ganga nos baldios
Mocassins e meias de algodão
- tens de tê-la toda
Fractais de isabelina telha
Jardins reais
Estátuas escarchadas embebidas pela relva
Choros em fonte
Na madrugada mais entediante
Tábuas e tábuas de charcutaria um pai autoritário
O fósforo cai no álcool
Chora chora
Lá fora
Escorrego de novo na areia
Doutra infância
Cristalizo num modernismo
De aço e gelo. Uma cítara o belo
Perdido eco balbuciante dolente pelos vales sem consolo
A noite volta a cair sobre o refeitório operário
Em surdina a maquinaria
De novo o sol desfibrilador, cautério, farpa
Enfado-me com tanta informação
A chuva uma voz uma correia de biciclete
Talvez um sino
E concerteza um navio que aproxima todos os dias

Orlando Tango

Reviro

Reviro o óbvio
Disseco-te entre o espelho
E o ar
Gota a gota
Mais e mais próxima
Do fio
Junto ao pescoço

Manuel Bisnaga

19.12.08

É Sopro

É sopro que se faz bolbo
E desponta em pétalas
Sussurros de rosa
De coração moldado ao espinho

Nicolau Divan

Complexo Industrial

Carros amontoados
Amplas estradas de terra desolada
Terraplenos de camiões enferrujados
Escórias, pneus, amalgamas de armaduras
E as urzes que roturam o solo gretado
As chuvas em manancial de luz
Hidrografia enquinada
Pestilentos lodaçais lagartixas e rasteiros matagais destilando
O branco e vermelhos pardos da alta chaminé solitária
Maquinarias e altos fornos de silêncios
Betão cozido limalhas
Lamas negras, margas, parafusos calcinados
Alma complexo industrial obsoleto
O piar indecifrável dos pássaros

Mário Mosca

Ordálios?

Ordálios?

Que o indizível nos sobrevenha
E abafe o sólido choro
Algo terrível que nos ilibe de toda a culpa
Que emudeça a erva e nos impeça
A vontade

Per i morti reggio emília

Represálias – Sandálias

Comprovo que (deservo) mereço
Toda a dor todas essas dores

Não insisto mais na forma, desisto

Corta o ramo dum só golpe.

André Istmo

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...