Mudaram-se para um antigo solar colonial ao alto
de Santa Teresa. Escondida da rua que trepa por um alto muro branco, dava as
costas para o morro escarpado que se abria em vistas por entre o arvoredo
tropical para a baia lá em baixo brilhando até ao relevo ribeirinho de Niterói.
A casa era estoica e de tetos altos tendo por único luxo a escadaria marmórea
do hall e a varanda da suíte do primeiro andar. As vidraças quebradas aspiravam
as frescuras da serra e os mosquitos.
14.1.14
Caseiros para Santa Madre Igreja
Sem querer nunca falar mal. Penso que a igreja
poderia ter um monte de esfomeados trabalhando coordenados por um eclesiástico
na manutenção do patrimônio a troco de umas refeições e um barracão para
dormir, os melhores seriam nomeados caseiros no fim dos restauros e os outros
passariam a outras obras. Todos instruídos na fé seriam e os solares da igreja
convertidos em obras de caridade.
Infância no Rio de Janeiro
Lembro- da minha infância naquele casarão no
inicio da escadaria da Visconde de Paranaguá as colunatas enegrecidas marcando
as pétreas fachadas com seus janelões e portas escancarados nos avanços e recuos
das paredes e o alto jamelão cagando de roxo o muro balaustrado que dá para a
rua.
No Sopé
Eu moro no sopé do morro mas era lá no alto que
queria morar aqui não tem tanta graça não tem o casario encavalgado não tem
aquela praça da qual se vê o cristo e não tem as mesmas crianças que brincam na
rua não tem aquele jeito de falar não tem tanta graça não tem os rapazes que
passam de moto nem aquelas moças cheias de raça aqui ninguém se fala e lá ninguém
se cala
Suicidal Tendencies
Antes do barco andar parece que os pilares de
madeira da plataforma se movem para cima e para baixo, ao sabor das ondas, e o
querer vê-las paradas (que é como realmente estão) dá-me enjoos... o forçar da razão
sobre o que nos diz os sentimentos, transportei o diferencial das duas apreciações
para dentro do corpo e já sentia o meu mar interior encapelar-se e certamente
teria vomitado se o barco não tivesse arrancado e o diferencial da brisa não me
tivesse enchido a cara de frescura afastando a náusea e os grossos pilares de
madeira brancos e amarelos do porto agora à distancia bem firmes contra as
cabriolices das vagas. Estávamos em tempo de ressacas marítimas e o barco
parecia provocar e arrastar consigo grandes ondas que rolavam pela noite como uma
parte subaquática e orgânica do barco como se debaixo da nave a propulsão fosse
feita por grandes tentáculos. Sentia-me nessa noite à beira de desejar o
suicídio...
Selos Reais
Estávamos
viajando pela Europa havíamos parado num oratório duma cidade bela, mas pouco excitante
do interior italiano e rezávamos. Havia peregrinos no salão passando como
silhuetas em frente à luz forte que entrava pelo portão lateral até que entrou
a minha irmã madalena que apesar de não nos vermos à dois anos depois de um abraço
esfuziante pela coincidência de nos encontrarmos ali tudo voltou a ficar igual
como se nunca nos houvéramos separado. Ela vinha com um grupo de numerárias de
que eu tentei guardar a vista. Vieram chamá-la para uma visita guiada e ela ia
sair sem levar a mochila e a maquina talvez se fiando na honestidade que as
religiosas supostamente têm. Eu levantei-me e obriguei-a a levar tudo alegando
que os italianos são gatunos como os brasileiros e que não se lhes pode
oferecer oportunidade que eles aproveitam logo fui ríspido na reprimenda e fui
afastando-a da capela para não incomodar a Michele que
rezava de joelhos.
“Uma cagadela catedrática foi aquela que efetuei em
cambridge depois de uma semana sem evacuar por andar em turismo” aflorava-me...
Quando chegamos ao pátio que era um plátano obsceno
no centro dum alargamento da estrada de terra que levava ao mosteiro passou bem
devagar para não levantar pó um conversível com os meus pais lá dentro. O meu
pai com suas espessas sobrancelhas numa blusa tipo lorde sorrindo com os olhos
rasgados e a minha mãe de óculos escuros fumando com um olhar distante perdido
na berma da estrada não se dando conta de que ali estávamos até que o meu pai a
fizesse levantar os olhos espicaçando-a com um enigma qualquer. Uuuhh gritou
ela dando uma última passa bem puxada e envolvendo-nos num abraço de fumo
baixando a cabeça para que a beijássemos na testa.
Eu e a Michele
casar-nos-íamos na Suécia e precisávamos da autorização do rei sueco. Depois de
me enrolar um pouco na burocracia sem nada ter resolvido,
para desespero e irritação da Michele, passei a incumbência para o meu pai que
depois de uma inércia inicial lá foi aos guichês competentes agilizar o
requerimento e ali mesmo foi buscar ao porta-luvas cheio de orgulho o documento
com selo real
Corpus Christi Carol
Lulley, lully, lulley, lully,
The faucon hath born my mak away.
The faucon hath born my mak away.
He bare hym up, he bare hym down,
He bare hym into an orchard brown.
He bare hym into an orchard brown.
In that orchard ther was an hall,
That was hanged with purpill and pall.
That was hanged with purpill and pall.
And in that hall ther was a bede,
Hit was hangid with gold so rede.
Hit was hangid with gold so rede.
And yn that bede ther lythe a knyght,
His wowndes bledyng day and nyght.
His wowndes bledyng day and nyght.
By that bedes side ther kneleth a may,
And she wepeth both nyght and day.
And she wepeth both nyght and day.
And by that bedes side ther stondith a ston,
"Corpus Christi" wretyn theron.
"Corpus Christi" wretyn theron.
10.1.14
tele
Para lá chegar descíamos uma escadaria de incêndio
com cheiro a mijo, saímos num plateau donde se avistava já o mar batido com
espuma e lixo flutuando, sempre que lá ia o tempo soalheiro ia se fechando. Um
caminho de terra com umas sardinheiras junto ao muro que depois caia em
rochedos até ao mar dirigia-se de súbito subindo até a uma floresta meio careca
e suja havia muito dejeto plástico ressecado espalhado na areia e os pinheiros
pareciam atacados de acidez, eu caminhava com Paulo Portas e íamos em busca de
votos naquela população medonha que habitava naquela colônia junto ao mar. Numa
encruzilhada da floresta distinguimos no caminho que cortava o nosso uma gang
com suas motos. Vimos o monte de jovens e ficamos assustados e aceleramos o
passo. Chegamos à vila um aglomerado de edifícios dispersos pelas rochas e
entradas de mar prédios baixos de antigas colônias de férias dos anos 70 de
cores acidas corroídas pela humidade marítima e o desleixo. Todos os habitantes
são rapazes adolescentes que para ali fogem fugindo da perseguição aos joy
division, throwing muses, marillions e outros mijões de escada. A rapaziada
move-se em cardumes não entrando nunca nos edifícios que se adivinham vazios
como as suas almas e frios acolhendo no máximo móveis despedaçados ou plantas
daninhas enfezadas. A rapaziada corre em fatos de banhos de cores frias em direcção
ao mar sujo com urgência cruzando por nós sentido a nossa presença mas sem
nunca olhar e jogam-se às ondas sujas que estouram nos pontões e vêm rebolando
aos encontrões sufocados entre corpos e detritos plásticos coloridos que boiam
eternamente
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