29.8.07

Túneis

Túneis,
descendo húmidos
de água podre e limos,
mais recônditos e emaranhados
que são os teus medos.
Fugindo eternamente
das luzes suspeitas
que surgem no caminho,
cego e inseguro,
foges do vapor que te sai da boca,
até caires no lamaçal profundo
onde mergulham os falhados
e sorves a imundície até ao sufoco.


Zé Chove

Havia um homem que gostava de esmagar

Havia um homem que gostava de esmagar
tudo o que lhe viesse parar às mãos
na mó do seu moinho de água
estacava depois sonhador
a ver o sangue das suas vítimas
dançar na corrente sombria do rio.


Zé Chove

Continuas atravessando as trevas

Continuas atravessando as trevas
com medo de olhar para trás
mas eles saíram-te ao caminho
na esquina assaltada
os lobos uivando ao longe

Brás

Vislumbraste a sua doce voz

Vislumbraste a sua doce voz
qual sopro de búzio
entre o marulhar do mar
e os crocitos das gaivotas
assomou-te suave na brisa do oceano
e aqueceu teu peito como o sol de Verão.


Madalena Nova

28.8.07

Rodin - Les Bourgeois de Calais

Archivo de imagens #4


O leito de rio há pouco morto

O leito de rio há pouco morto
transpirava a cada lamento nosso
um bafo de lama húmido de mofo
do monstro negro escondido no lodo

entre árvores uma neblina escura
rasgada a medo com tremuras
em busca da luz cada vez mais funda
coada entre brumas, frio crepúsculo

sobre os limos secos em passos lentos
tristes se afogam nossos pensamentos
na manta morta que a noite sepulta.


Zé Chove

És Linda

És linda,
do mais puro branco acetinado
és fria e indiferente
as tuas curvas moldam-se ao meu corpo
penso em ti quando estou no trabalho
e nas brumas do meu sonho
envolta em nuvem de vapor
levemente aromatizado
eu a sair de ti
completamente molhado
oh visão cubista entre azulejo vidrado
resplandeces tu estrela do panorama
envolta em espuma oh bela dama
minha nova banheira de porcelana.


Filipe Elites

Shot #13

A madeira range
mofa esganiçada de nós

Lúcia

Guerra

Queda abrupta
escarpa de granito
ardente grito
no sangue da luta.


Brás

Ainda não estou louco

Ainda não estou louco
preciso de aquecer
não existe melhor forma
começar a escrever

com a música nas orelhas
deixo espírito adormecer
e com ele o sonho renascer
para um novo mundo
de histórias velhas

e neste transe idílico
as fontes começam a jorrar
o sangue fluir
em manhãs de Ofir
e as cidades a brilhar

na rocha criadora do meu ser
lá vem a onda gorda da memória
vai com estoiro embater
em mil gotas de glória.


Diniz Giz

Festas perdidas no centro da Europa

Festas perdidas no centro da Europa
danças por dollars no meio da floresta
homem-zangado, urso-estoirado
barbárie sem qualquer beleza.

Passam semanas e meses
sem verem a luz do sol
acendendo charutos com notas a arder
infernos na terra regados em álcool.


Vasco Vides

Mercado negro

Entre a loucura do mercado negro
segues alucinado
a dor de cabeça lateja
tombas com vertigens
procurando o apoio entre bancas aos gritos
sugado pela gravidade
cais desamparado
espezinhado pela multidão
que é rodopio cego de anonimato
em fúria perpétua sem olhar o chão.


Filipe Elites

31.7.07

Ingrid Bergman

Archivo de Imagens #3

Novo convento na antiga casa de férias

Novo convento na antiga casa de férias
O sublime actual
e as recordações da infância
despreocupada mixados.

Diniz Giz

Shot_5

Olha,
Sim, tu que me estás a ler,
Achas que tenho algo para te dizer.

Filipe Elites

De novo lutas e cais

De novo lutas e cais
De novo lutas e cais
Com esforço lutas e cais
Sempre da mesma maneira
E sempre com novos jogos te alevantas
O mesmo baque e cais
Desamparado e sem vontade
Tens vergonha
Escorregas sem forças
e cais...
Levanta-te já!

Lúcia

Sonho um universo em cada palavra

Sonho um universo em cada palavra
Infinitos nexos, combinações,
Labirintos frásicos, erupções
De conceitos fluidos integrados
Num sistema lógico adequado.

Filipe Elites

Estatística#4

Arquitectura alvura dura
pura sem sutura
E quente sente frente
lente mente rente

Madalena Nova

O rapaz mergulhou no poço

O rapaz mergulhou no poço.
Dentro da água gelada, dissolvida na sombra,
pensou:
“e se fechassem agora a tampa...”

Zé Chove

Triologia de Lisboa

Deixaste a minha casa engelhada
como uma nota de casino gasta.


Somos fruta podre
Mercadoria rejeitada
Flutuando nos armazéns
Esquecidos do governo.


António tinha uma loja de malhas
no interior de um quarteirão modernista em lisboa.
Nos últimos 10 anos compraram-lhe algumas camisolas
e uma duzia de packs de meias e cuecas.


Zé Chove

O meu aguilhão

O meu aguilhão atravessou-me o peito
como uma perna de frango no prato do diabo.

Henrique

Morreu esmagado

Morreu esmagado pelos arquivos da empresa,
Mulher e filhos em casa a espera e ele esparramado na via pública.

Filipe Elites

Bresson - Derrièrre la Gare Saint-Lazare, Paris, France, 1932

Archivo de Imagens #2



Os barbasolhos

Os barbasolhos são uns lagartos gordos às riscas brancas e pretas.
São altamente mortíferos.
Só nascem quando o verão chega muito cedo na Europa mediterrânea.
Só se conseguem ver com os olhos desfocados.

Diniz Giz

Vêm das terras do interior

Vêm das terras do interior
os homens para tomar as cidades
são brutos e rudes nas maneiras
e roubam as nossas mulheres.
São grossos de granito
revestidos de espíritos da terra
arrastam os animais e o pó à sua volta.
As crianças afastam-se e as cachopas tremem
num misto de paixão e medo dos garanhões
que as desprezam.
Esmagam os fracos citadinos sem pudor
que se apertam contra as paredes à sua passagem.
os únicos que se salvam são os que caem no mar
esses redobram a força dos serranos e chacoteiam-nos até ao desespero
e absorvem a vida dos familiares dos grandes que se tornam pequenos
perante a força diabólica adquirida nos abismos.
Os trovões continuam a ribombar porque os choques entre as bestas
são cada vez mais violentos.

Brás

Eu não sou eu nem sou o outro

Eu não sou eu nem sou o outro,
Tu não és eu nem a outra.
Qualquer coisa de entremédio nos separa,
serei eu ou será,
o outro que entre ti,
e o meu outro se desentromete?
Sai daí outra que se mete comigo
e sai com o outro.
Vou ver se me entremedeio,
entre eu e a outra
que não tu.

PS: Se és algo de entremédio sai daí
que estás a ocupar dois lugares.


Filipe Elites

Rock_11

A casa de baixo transpira porcaria,
Vários cheiros nojentos ao longo do dia.
Gritos estertores toda a noite.

E eu aqui com vontade de me juntar à festa!

Dejectos transbordam cá para fora,
A escumalha não pára de entrar.
A degradação moral é bem patente.

E eu em pulgas para me perverter!

Vasco Vides

Já não somos barcas

Já não somos barcas, não és como a gazela,
Deixámos de ser naturais,
Somos carros, rodas dentadas,
És alavanca, sou engrenagem,
Deixamos de ser animais
não temos defeitos não existe sujidade
És mais potente, estou ultrapassado
É original ou já foi usado.

Nicolau Divan

Morro entre o sufoco da chuva e o peso da lama

Morro entre o sufoco da chuva e o peso da lama
Afogado na mágoa exterior.
Cresço com dores para dentro
No túmulo do subconsciente.
Atravesso as cavernas do pensamento
às voltas neste cérebro sem luz.
Aflito entre outras espigas sem fruto,
Sem folgo abafamo-nos umas às outras,
Até ao dia em que o sol redentor nos fizer arrebitar de novo.
Se não morrermos entretanto.

Zé Chove

27.7.07

O Departamento

O nosso departamento funcionava no poço de escadas dum prédio abandonado.
Éramos sete. Um por piso. Eu trabalho no 2º piso já lá vão três anos.
Os apartamentos do prédio estão fechados.
Uns estão vazios, outros foram selados e ficaram parados no tempo alguns nos pisos de cima foram apropriados por inquilinos dos prédios dos lados.
Passo o dia a analisar processos. Nunca soube bem o intuito do nosso departamento.
Vamos acumulando informação por temas mais ou menos generalistas.

Zé Chove

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...