8.10.07

Experiência

Vamos aqui experimentar
os esquemas do Pessoa
oito sílabas a completar
cinco versos em AB Á AB
Vamos lá ver como é que soa


Madalena Nova

Immigrant Song

Grita encanto, Grita encanto
Com toda a força das goelas
não haja lamúrios e prantos
quando fores recebê-las

De volta mulher e sogra
do exílio em França
uma benvinda outra sobra
ainda assim grande festança

Anos e anos de trabalho
com o coração ao longe
desfruta agora o prémio bem ganho
alcançado com vida de monge


Nicolau Divan

Cabeleireiras Angelicais

Cabeleireiras angelicais
lavam-to cabelo em água tépida
na ponta dos seus dedos és marionette
tua cabeça cede leve aos seus sinais

À tua volta três fadas vaporosas
contemplas ruborizado no espelho
teu coro cabeludo é fofo coelho
que elas afagam voluptuosas.


Filipe Elites

3.10.07

Mãozadas de Caramelos

Pé ante pé. Oh!
Vais pondo malha sobre malha
Mas se pões o pé na argola
Se a memória não me falha
Cais de cabeça prá cova
E não há anjo que te valha.


Maria Vouga

Nojenta Edição Fatela

Nojenta edição fatela
Aterrou nas minhas unhas
Quis atirá-la janela
Abaixo para as vizinhas

Rodava o livro pelo ar
E logo me arrependi
Coma raiva e sem pensar
Doutro livro me desfiz

Subiu-me o sangue à cabeça
Ainda hoje sofro flashbacks
Voando pela fenestra
Ai! O meu livro de cheques

Ainda tenho à cabeceira
Para jamais me esquecer
Maldito livro foleiro
Que tanto me fez sofrer

Não se exalte tenha calma
Sussurro meigo à minha alma


Nicolau Divan
In Quadras de Gosto Duvidoso

Lophiiformes - Angler Fish

Archivo de imagens #13


Labrego envinhado

Labrego envinhado em pulmão de cimento,
Escarro persistente de tez macilenta,
Rumo incerto vida cinzenta,
Vícios baratos, bafos intensos.

Apodrecendo em vinha d’alhos,
Jazia podre em terrenos de taberna,
Sonhava de olhos abertos,
Baba loira pendendo senil.

Todo o desconforto, num rosto de êxtase, (num sorriso aberto)
Navegava bem longe do boteco,
Galhardo em areias do oriente.

Olho inerte, o bicho borrachoso treme ,
Capto um suspiro de vida surdo como um eco,
Saiu para o frio da noite arrastando um pedaço de gente.

Zé Chove

Reinos Devastados

Reinos devastados
campos de morticínio
corpos decepados
nações em declínio

estampidos de trombetas
clamam todos os povos
vociferam as cornetas
alevantam-se os novos

Gritos de ordem imperiais
reclamam uma nova luta


Brás

O Comboio

O Comboio na noite
rasga o frio
sigo de costas
arrastado confiante
dormitando até
ao meu destino

Adormeço

Acordo sobressaltado
já devia ter chegado
tudo ressona
nem uma luz
parados no nenhures

Foge me o chão
tento o impulso no vazio
suo


Carlos Marques

Sã e Dura

Uma alegria sã e dura
esplendorosa alta muralha
indefectível brilhando segura
ao sol ogiva metálica sem falha
peito cheio de orgulho e bravura

Paulo Ovo

Mosteiro Abandonado

Mosteiro abandonado
perdido na serra
escondido entre a respiração da vegetação
voto de silêncio eterno
pedras nuas
fonte fresca
só vivem as campas dos santos
recorte austero
pobreza em voto consumada
sol, chuva, granizo
espinhosas silvas mortificam a matéria
e a cruz ao alto abraça os céus


André Istmo

Nutella

Pegaste na colher
atacaste o Nutella
Encheste a bocarra sequiosa até verter
da mole e avelanosa mistela


Zé Chove

Panta Rei

Conheces bem aquela sensação
em que tudo brota
é primavera
tudo flui
é Panta Rei

Filipe Elites

Salas submersas

Salas submersas
nos destroços dos navios
reinamos o mundo

vemos tudo desfocado aqui do fundo
decretamos como sábios
Quando será o fim do universo


Lúcio Ferro

Um miasma de carpideiras

Um miasma de carpideiras
descendo às caves do metro
e cego batucando os ritmos do apocalipse
maralha autista de olhar trôpego

demos origem à comunidade
os que aqui estamos minha gente
na moderna carruagem de metro
o trilho comum é sempre em frente

Vamos em êxtase grupal
cantando o nosso hino
carne humana cheiro animal
“O barrasco não sabe travar este chouriço!”

“Não queremos mais seguir nesta direcção”
“Que força é esta que nos faz mover?
-O número do movimento segundo um antes
e um depois.-
E depois?
Os que aqui estamos não paramos o vagão
nem que andemos todos para trás.

Absolvição geral!
Vamos atacar a carruagem da frente!


Diniz Giz

Averbamentos Diferidos

“Sabes o que significa højenergifysik em sueco?
Exacto. É isso mesmo em que estás a pensar!”

“Este frio assa-me as artroses até ao tutano!”

“Mãe passa-me a ticharte que diz – Tenho Doenças.”

“Estou descarregando da esfíncternet”

“Porque é que você não abre a sua alma para mim como eu abro a minha para si?”

“Cão infiel! Quem permitiu que escrevesses!”

“Arrependei-vos,
Cães, escorpiões, serpentes,
lagartos, crocodilos, sapos,
arda a vossa pele imunda
fogo purificador vos consuma
correntes, masmorras e grades
chicotes, bofetadas, mordaças
calai-vos eternamente!”

“Não passam de brumas gordas de vãs memórias”

“Quando o teu pai sai da casa-de-banho fica no ar um cheiro a charuto”

“Mais ao gosto popular como eu sei que você gosta”

“Ossos crescendo para dentro
sufoco rijo apertado”

"Flesh back flashbacks"

“A estrela branca com inveja da lua
era a primeira no céu a brilhar”

“Esta bela lagoa do azul mais cristalino
no fundo está cheia de lodo”

“Que raio de conforto é este em que nos afogamos?”

“Nem o poder de todas as borboletas juntas vai alterar o teu destino”

"Tanta argamassa nas veias
Embota-te o correr das lágrimas"

“Tenho vivido obcecado com a criação
Por favor não me tomem por louco
Duma nova religião”

V.A.
(aceitamos comentários psicanalíticos)

2.10.07

Burro

Archivo de imagens #12

Não gosto de te ver assim velado

Não gosto de te ver assim velado
corta os laços do teu véu
deixa-me contemplar abismado
o esplendor desenhado no céu

só nos separe este cristal
já sinto o teu cheiro encarnado
há minha espera em silêncio no quintal
quero beijar as pétalas do teu lado.

Zé Chove

Desde Pequeno

Desde pequeno começou a escarafunchar,
com a unhita mole o imenso bloco de calcário
sobre o qual a sua mãe o dera à luz
- para sempre lá ficaram, cada vez mais esbatidas,
as manchas do sangue materno.-
Sempre a raspar ao de leve, talvez uma poeira diária.
Ao princípio com a displicência das crianças como se fosse uma brincadeira.
Debicando aqui e ali quedava maravilhado,
com os reflexos do sol nos cristais pétreos.
Mais tarde com determinação até que lhe sangrassem as unhas,
nalguma protuberância que mais o incomodasse.
Não sabia nessa altura o que o levava a esgravatar na pedra.
Nunca chegou a perceber se o desgaste
da pedra era provocado pelo seu esforço ou pela chuva.
Por vezes passava dias a sentir toda a pedra deitado de costas
esfregando com as mãos o frio monólito,
roçando-o também com o corpo até adormecer satisfeito.
Com o passar dos anos a pedra foi-se moldando ao seu corpo.
Mais tarde reparou que o seu corpo se deformara
de encontro aos obtusos ângulos da sua laje fria.


Lúcia

1.10.07

Shot#18

Ser ou não ser
ex - a questão.


Vasco Vides

Sorvia sôfregamente

Sorvia sôfregamente os fiapos sonoros despedidos pela guitarra ecoante.
Imaginava caminhos de ferro abandonados atravessando as mais diversas paisagens
Continha os gemidos de prazer, o choro e os gritos de raiva para não acordar o resto da casa.
Por vezes saltava de música em música em busca da que mais prazer lhe dava nas orelhas. Todo o seu corpo vibrava ao som das ondulantes melodias.
Os refrões acompanhavam-no pela vida. Tinha o refrão matinal/diário e um para cada situação da vida.


Lúcio Ferro

Shot#17

Tens inocência nos teus olhos apesar deste mar de podridão
Mas já baloiças desamparada
Os tubarões já te rodeiam


Mário Mosca

Um mar de gente invadiu o vale de Chelas

Um mar de gente invadiu o vale de Chelas
As tendas batlavam com o vento fresco
Aproximei-me de olhos semicerrados do sol
Ouviam-se gritos de crianças ciganas

O cheiro era de almoço apesar de ser cedo
Entrámos na maralha compacta
Vimos todas as raças
O sol forte trouxe as cinturas das miúdas

As ciganas de preto gordas davam concelhos às mais novas
Um preto quase azul experimentava um paletó de ceda branca

(Totalmente incompleto)


Filipe Elites

Mast Qallandaer

Lálááaaaaaaaaaaaaaa´´´´´´
Pernas sobre o tapete
O tecto de barro tosco
No fogo ancestral o chá
Falamos e fumamos
À noite

Quentes e alegres cantamos
Rasgamos a garganta em louvor
A Deus dos céus e da terra
Abraçamos os nossos filhos
De madrugada

Gritam os pássaros
Acordam as crianças
Tudo brilha cheio de cor
A felicidade palpita nas veias
da aurora


Ivo Lascivo

14.9.07

The Vale of Rest - Millais

Archivo de imagens #11

Blocos

Blocos de gelo na estepe,
longe das casas e do céu,
fica perto o horizonte.

Nuvens que esmagam as montanhas,
montanhas que choram em silêncio.
Piam tristes as urzes crestadas de seco.

A minha única companhia são as minhas mãos,
Respiro estas pedras seculares,
Sinto o frio com uma dor insuportável.

Oiço os meus passos com um atraso de séculos,
Caio de cócoras agarrado ao ventre,
Faço lama das minhas últimas lágrimas,
E nasce uma flor branca defunta.

André Istmo

Redondilha do tostão

Cabisbaixo me aproximei do balcão
um aguaceiro de bagaço
acalentou meu triste coração
o meu espírito ficou turvo baço
e com desprezo arrotei um tostão


Nicolau Divan

Molhei os Dedos na Molheira

molhei os dedos na molheira
sou lavajão malcriado
gotas de sebo no tapete persa da minha tia
chupei com avidez a banha fervida
não fora manchar os punhos puros da minha camisa
com olhos semicerrados de prazer
sorvi os restos
acumulados nos interstícios das unhas


Filipe Elites

A minha pele absorveu muita tinta preta

A minha pele absorveu muita tinta preta
depois chorei óleo negro
dormindo sozinho na garagem
os pensamentos são meu único escape
nesta biela da vida
retrovisor desta linha de montagem


Zé Chove

Cortinado de sarapilheira

Cortinado de sarapilheira
anos oitenta com mofo
e flores cor de laranja
sobre um papel de parede
imitando barrocos azulejos
à beira da marquise de alumínio


Ivo Lascivo

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...