19.12.08

É Sopro

É sopro que se faz bolbo
E desponta em pétalas
Sussurros de rosa
De coração moldado ao espinho

Nicolau Divan

Complexo Industrial

Carros amontoados
Amplas estradas de terra desolada
Terraplenos de camiões enferrujados
Escórias, pneus, amalgamas de armaduras
E as urzes que roturam o solo gretado
As chuvas em manancial de luz
Hidrografia enquinada
Pestilentos lodaçais lagartixas e rasteiros matagais destilando
O branco e vermelhos pardos da alta chaminé solitária
Maquinarias e altos fornos de silêncios
Betão cozido limalhas
Lamas negras, margas, parafusos calcinados
Alma complexo industrial obsoleto
O piar indecifrável dos pássaros

Mário Mosca

Ordálios?

Ordálios?

Que o indizível nos sobrevenha
E abafe o sólido choro
Algo terrível que nos ilibe de toda a culpa
Que emudeça a erva e nos impeça
A vontade

Per i morti reggio emília

Represálias – Sandálias

Comprovo que (deservo) mereço
Toda a dor todas essas dores

Não insisto mais na forma, desisto

Corta o ramo dum só golpe.

André Istmo

16.11.08

Blue Train

Archivo de imagens #204

O Cerne do Pensamento

o cerne do pensamento é
a falésia arenítica além Tejo
sem aviso se esb'roa a meus olhos
sob o rio em cascata espumosa

dilui-se nas águas dos cacilheiros
e faz-se meu não como o estáter
encontrado e entregue na boca do peixe
mas outro Tejo fluindo sem substrato

navego nocturnas esquecidas águas
e se me ofusca noite alta um Bugio
do leito com rotina industrial

drago do Tejo areias pretéritas
entre friáticas neblinas do Rio
ergo em pensamento novas falésias

Lúcio Ferro

Escórias III

vagidos opalinos de outrora
soam agora sinos do incerto
indexei a criação montei um universo paralelo


Razão tinha o crato o prior
mas é ingrato será melhor

Orlando Tango

Boletim Meteorológico

vi um torvelinho de paquidermes
em ventania repisando o céu
nuvens elefantinas em manadas
bramindo as árvores com trombas de água

Filipe Elites

Urbanidade

relaxo com os screensavers dos
pcs na sala com a luz fechada
passeio entre os carros estacionados
no parque da universidade
nos países frios fazem música alegre
talvez diminuam os suicídios
quanto mais asséptico o espaço mais
abjecta a intrusão da natureza
a centopeia no lençol, a cobra na sanita,
o escorpião na alcova da criança

Paulo Ovo

Deleitado

deleitado na líquida dispersão
da multidão diluída no aluvião
da população que é mais gente
mais povo são corpos e corpos escorrendo
num licor de prata luminoso
que suga as sombras, indivíduos torrentes
de humanidade o exagero minguado o espaço
infinito em ondas de pessoas onde mergulho
na multidão na turba no mar humano
e eu mesmo sou a prata que tudo envolve
e banha afago o infinito trespasso
o infinito em multiplicação do sumo

Rui Barbo

13.11.08

Parteira

















Um abraço ao fotógrafo de serviço

Escórias II

Cansa-te a repetição
A repetição
Estás cansado da repetição?

Sumério binário
Minério sumário
Refrigério bário
Estério armário
Deleutério dromedário
Sério salafrário

O contacto gera identidade
A criança ao leite materno
O fruto ao pássaro

Levei as palavras a pastar

Na carpete cartesiana os dois no futuro
Abstenho-me do sono em fogo lento
Ao prenúncio de vinho no teu lábio
Esquemática paixão conjuro

Orlando Tango

Chesterton

"A quem prefere o nada, nada lhe poderei dar."

Ortodoxia - Chesterton

Descriptione

Avançou para mim um caniche em cada trela
Bufando com os olhos semicerrados pelo fumo do tabaco
Desviei-me do penteado de refogado
Engolindo o sorriso pelas calças de fato-de-treino

Maior o porte mais cilíndricos os membros inferiores
A minha vizinha caminha sobre
Dois chorições de Veneza onde despontam
Dez unhitas de vermelho Ferrari
A fina flor de Albatorre

Rui Barbo

Estações

Capacete justo de nuvens
Iluminado pelos lampiões nocturnos
Vicia a noção do espaço
É opressivo
As têmporas sem saber latejam
Por um trovão
E o rego húmido das costas
Marca a transição
Entre o Verão e a Primavera
Ou será o Outono
Espera
Só encontro entusiasmo
Nos excessos

Diniz Giz

10.11.08

U

Archivo de imagens #201

E se os muros

E se os muros se abatem sobre rio
E se os muros
E se os muros se abatem

Arrasta caudaloso a terra
Onde mordem as árvores

Zé Chove

Bala

Deliro com a estridência fiérica
Do porco, o grasnar das correias
de transmissão, o balir gerúndico das cabras
o pânico apoteótico do cavalo
a chuva púrpura ferve nos olhos
a brisa do rio esfaqueia a carne nua
e nem a morna lua
me em-
bala

Mário Mosca

Rebite

O céu tingido de iodo enferma
Prédios, pessoas
Filme em Pal-olhos semi-adoentados
Todo o dia passando facturas
Por cada rebite aplicado

Renego
Repete
Renego
Avio mais martelada
Neste rebite se repete

Diniz Giz

8.11.08

Naufrágios

Lares-destroços, mares-equinócios
ondas em sentido contrário
o equilíbrio vivo sobre um eixo rotário
enjoo vomitado o vinho ambrósio
e o petiz de fraque no cesto da gávea

Vagalhões sulcados a bombordo
da infante ignora nau
esfaimadas rochas a estibordo
que a quilha de conchas destroça
em vómitos de mareada náusea

Perdida nos cais vagueia a história:
“Esfiampados na praia jazem os mastros
os tesouros nas covas do mar”
Dos portos de abrigo sem memória
partem os marinheiros solitários

Nicolau Divan

Russian East Siberia 1972

Archivo de imagens #200

Rosa do Calcário

Desamparado de dentes arreganhados
Ao marfim aparelhado do passeio
Bonk a gengiva em viva carne
Os veios rosa do calcário vermelhos

Brás

Aditamentos Diferidos #6

Enfartes à la carte

Ubíquas de aprender a
desenhar de olhos fechados

transmutações de luz os gravetos

antes do mei-da-manhã essa miseri
cordiosa sandes de paté fuagrá

espasmódicos lençóis húmidos de sangue

espantados folhos de camisa

a devastação das folhas
a falha na folha

obnóxio, óxido

concomitâncias sonegadas
Salgando ao sol

Molhos de folhas, folhas aos molhos

6.11.08

OrKiz

Orchis is a genus in the orchid family (Orchidaceae)
this genus gets its name from the Greek orchis,
meaning "testicle", from the appearance of the paired
subterranean tuberoids

Testigos testemunhos
Orchidaceae or Orchid family is the largest family
of the flowering plants Angiospermae
It's name is derived from the genus Orchis

Exorcism (from Late Latin exorcismus
from Greek exorkizein - to adjure)
is the practice of evicting demons or other evil spiritual
entities from a person or place
which they are believed to have possessed
the practice is quite ancient and part of the belief
system of many countries

Ex-conjuro conjuro com juro juro
fitei detidamente o endemoninhado
dos olhos macerados
numa antiga fotografia gasta do youtube.
calmamente.
como deveria amar o seu exorcista...

Tinha uma presença clínica ou farmacológica
das antigas farmácias com altas estantes escuras
onde o ar é asséptico e tudo é são

Levantei o auscultador do telefone
e ouvi a minha voz aqui há uns anos
insisti...diga, diga

Uma orquídea enorme encheu-me a sala de medo

Lúcio Ferro

15.10.08

Fracturantes I

o oboé titubeante rua abaixo
urgência demiúrgica do barbitúrico
a transmissão pré-sinática inibída
o conforto do sistema nervoso central

flashes assépticos convulsos de sangue e soro
a taquicardia surda branco pânico
amnésia do presente vivida no futuro
buzinas precipitação quedas e feridas

vituperina aguda dor rediviva
catéteres revulsivos ácidas artérias
o desprendimento total do corpo-abcesso
o coma sorvido com sofreguidão

Orlando Tango

13.10.08

Agraços Olhos

Agraços olhos sobre os lavradios
ensombram antes da noite os vinhedos
afagam seus dedos de morte frios
os infantes frutos imóveis de medo

serpenteia negro o suor pelos regos
em oclusas levadas de silêncio
envenenando a sede de loucas cepas
as filhas de uma estúpida inocência

Esse fogo tocado com o olhar
não esmorece e decepa os sarmentos
com a inércia em queda milenar

Oh cinza não reveles os seus passos
liberte-se a chuva em pensamentos
amargos e chorem os verdes agraços

Zé Chove

Herberto Helder – A cabeça entre as mãos

(…)
Ou no poema
a parte fêmea instrumentada pela
magnificência,
O que nele se talha
em som escrito : órgão,
mão que revolves a substância primordial,
Barro
fundamento, Que hausto atenda à força
respirada
pela carne em poder,
O nó
coronário de uma estrela,
Peso e melancolia
da riqueza
e do medo, E que me assome Deus às partes
graves : com sua luva súbita
no abismo,
É ao meu nome que regresso : à ameaça,
A limpidez
atravessa-me pelos furos naturais
ardidos,
Entra um astro
por mim dentro :
faz-me potência e dança,
Que toda a noite do mundo te torne humana :
obra



(ps:não consigo formatar o poema)

O Solitário...

O solitário piano chove sobre
um para-peito dum prédio cinzento
o lampião de madrugada cobre
de vastidão a rua sem movimento

cadencio os passos ao som do piano
esfumando a neblina à beira do lago
silentes passos através do espaço
misterioso hino holderliniano

entre a profusão de verdes-castanhos
dum triste e pardacento sfumato
sorriem as sementes das magnólias

do nevoeiro é parido o sol e as
notas alegres pingam do piano
quando o peito pressente o ser amado

Lúcio Ferro

Pakistan Airlines

Archivo de imagens #162

#13

derrama-se o espírito sobre a mesa em
querosene deliciado nos veios da tábua de pinheiro
manso alinhado nas desertas avenidas que só
falam da solidão do coração

Paulo Ovo

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...