7.4.09

O Poço Infinito

O azul corcel esbaforido
Transvaza o seu leito
As mil poças os mil tesouros de brilho

Malárias litanias

O vinho nunca é pálido
Sempre grita o espírito
Que a batalha lhe corre nas veias

A voz perturbada
Dum velho sobreiro
Gritos ecoam na pétrea biblioteca.

O peixe
O monstro marinho
Cego e cruel

Estevas odres mosto

Chove em alaúde
Adensa a bruma
Nas clareiras do tumulto
Do húmus insepulto
Humano bafio húmido

Nichos de viva treva entre as trevas da abóbada celestial

Habituados a beber o fel que lhes vem à boca

Vitrais de luz funérea

Ogiva de cristais
Sinos longínquos e construções de madeira rangendo

Abandonámos nossos ossos insepultos
Impelidos por inominável latência que nos ebulia no sangue

Destinge sonho

É preciso abalar a terra (os túmulos)
E desenterrar os mortos

O Cavername roído pelo mar das trevas

A noite como uma camélia gelada
A abóbada da noite
Do tamanho do silêncio
“mensurada só pelo silêncio”
A gota de vermelho – açafrão que
Tinge toda a água

Orlando Tango

Gútura Soturna

“Só o que é selvático me interessa
E acorda em mim sonho, perfume e ferocidade…”

não seria um bispo gordo e perverso?
É tão difícil distinguir a vaidade do orgulho...

oh insone, enchuto, imuto tempo.

A lagarta coral e azul-turquesa
Contorcendo-se sobre a relva
É venenosa

Atravessou a estrada
Um tigre na t-shirt

Que bem me fica a ti nem tanto

Propalou-se o logro em laço revira-lhe o forro
Domingo de Ramos arrojados de rosto
por terra Santa Terra

a pequenez da criança ajuda
a termos por ela ternura

Absit Omen????

Destilámos tanto mal uns sobre os outros
Que os nossos fígados mirraram

filioli morituri nascituro
particípios - dicionario etimologico

Investiguei a parte de trás de todos os quadros, todas as pinturas

A escola é uma grande teia de aranha

Para mais fácil aferição do calibre do animal
Cabedal cabedal

Anjos: são cabelos de aço
Inquebrantáveis do céu até cá abaixo

“Dominando a paisagem dois ou três marcos geodésicos.
Lá no fundo uma pegada de vide empoçada e que reflecte o céu
Ali se miram e remiram na sua mocidade”

Orlando Tango

Jean-Pierre Velly - La Ciel et la Mer III

Archivo de imagens #192

27.3.09

Quarto Minguante

os factos na prateleira
oscilam no exíguo quarto
da febre e na incerteza
do candeeiro reflexo copo d'água

caracteres persas do tapete
marescíveis nas lágrimas
inseguras dum olhar desfocado
na leitura do julgamento

dos passos perdidos em pinturas
gritam nas paredes apodrecendo
os tabiques da consciência

a noite desceu infrene sobre as cortinas
junto ao soalho o maior medo
é que me a falhe o coração

Madalena Nova

Adoro Te Devote

Adoro-Te com amor, Divindade latente
Sob estas espécies de veras presente
Dou-te o meu coração inteiro
Em tua contemplação desfeito

Dou-te inteiro o meu coração
Desfeito em tua contemplação

André Istmo

Corcel de Fogo

Oh corcel de fogo oh corcel de fogo
abandonas as brasas do rosto
do puto envergonhado

as crianças acolhem com entusiasmo
a noção de simetria
grita-lhes dentro a verdade
alistam-se pela justiça
choram do sarcasmo
até verterem em lágrimas a liberdade

André Istmo

25.3.09

Revelação

reverbera nos milénios
atinge-nos a todos por igual
dispersos por filmes rezamos
que não se enrodilhe a fita

ecoam as vozes em salas
insonorizadas nunca sentiste
girarem-te as voltas
liberta solta não deixes que parta

sustém a dança abranda
se tensa - é só escuridão
é só escuridão - a agulha é
aguilhão amansa segura
nas pontas

cinemática teia de veludo
perdida nas cabines da vida
revela distorce corta e seca

Filipe Elites

Afogado num Sundae

fomos enxertados em salgueiro
temos raízes de bufarinheiro
proni ad pecatti...
Sangue de vinagre
odres em caves decrépitas
Skeleton Coast
Pero tú, que todo lo llenas, ¿lo llenas con la totalidad de ti?

Decrépitas aves no mezanino
O piso superior do Mac os adultos falando
dois indianos na mesma mesa
que uma russa quase cinquentona
e a sua bela filha comendo
um sundae de morango
a fluidez do molho vermelho
como as bochechas do bêbado indiano
como os meus pensamentos de púrpura e brocado

no verão passeio por praias esquecidas
pelas administrações com lava até aos joelhos
bebo margaritas como margaritas
até o céu da boca refluir nacarado
aos 22 comecei a usar sapatos bicudos
aos 22 senti vergonha de entrar no teu templo
aos 22 degluti as garanças e pintei o horizonte
de encarnado

lábios de púrpura exaustos
de púrpura
não mais uma saraivada de metais pesados
mas um enjoativo melotron
a morte duma consciência

Mário Mosca

Mirolho

Archivo de imagens #666

23.3.09

Cátedras

passo a passo uma multidão de árvores insinua
ruas curvas de húmus e caruma
e estrelas entre densas tramas de ramos
da escuridão mais escura desagua
em enlutadas clareiras ao meio rubras
catedrais de pedra cátedras da lua

Lúcia

Cão de Caça

Fiquei triste e melancólico
Convencido
De não ter correspondido
Aos sentimentos
Que provavelmente pensaste que eu teria.
E ainda agora choro
Se me ponho a recordar
Todas as vezes que não soube corresponder
Com o calibre certo de alegria ou
Entusiasmo que esperavam de mim.
Mas isto não é escrever que o bom
Cão de caça não corre movido pela fome.
Oh! Que vontade de te abraçar
Com mais força.
Lembra-me da próxima vez
Que nos virmos.

André Istmo

Definições

Quando misturo
Sentimentos de culpa
Com o pouco sono
Traço com mais tristeza
O desenho do desalento
E de estupidez inocente
Dos rostos do outro lado
Da estrada junto ao semáforo

Contemplo em contra-picado
Os tectos estucados
Dos palacetes vagamente moçárabes
Das avenidas quando volto dalgum trabalho
Acendem-se candeeiros aos centos
Acolhedores de memórias
De vidas quase sempre
Com vias pouco
Definidas

Filipe Elites

Debaixo da Cartola

Não gostava que me prestassem a mesma atenção
Que a uma professora picuinhas e moralista
Que pensa que tem amigas

*

Custa-me dizer que me custa dizer aquilo que imagino
Que seja a verdade

*

Construímos uma casa debaixo da cartola
Uma sala com quadros de família
Uma mesa desarrumada
Onde recebemos os amigos
E a cada um servimos
A bagunça adequada
Mas temos vergonha que vejam
E toquem nossos naprons de moralidade
Tingido dum bafo de naftalina
Também não deixamos que se sentem na poltrona
Que jaz na sombra
O sol queima aos antepassados a réstia
Da alma sépia
Podes usar o cinzeiro de vidro grosso
Está rachado, é de família

*

Como cão bem sabes que como cão me contento
Com qualquer fogoso afago no cachaço


Lúcio Ferro

Rebolo

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

As moscas congelam no espaço
Infinitamente quadrado da tasca
E caem letárgicas sob os pontos do dominó

A noite côncava
O pio triste dos sapos
O latir desesperado dos cães
A monotonia dos pneus sobre o asfalto
Um muro escorre dor à sombra
dum lampião

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

“Só dou pelas coisas belas da vida, depois
que passaram por mim e
não as posso ressuscitar”

Poeira da pedreira
Fino pó poalha
Excedente finíssimo
Fervilhante de secura
Que abafa e sufoca
Depositada nos brônquios

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

Orlando Tango

Rubor Desflora

Agora que podemos escrever em Março

nas auroras
se o rubor desflora
deixo as gélidas matutinas
dançarem na cela
enquanto o coração dança lá fora
o corpo aquece
o parapeito de granito
se o coração estremece
abro a janela

Madalena Nova

tusto

teste

6.2.09

Tripulação de Quarentena







Síndrome de Estocolmo

A remanescente utopia Copenhaga urbana
Labirintos nas amalgamas de ciclos
Manhãs enevoadas analisando o betão
Pozolanas, aditivos, margas
Afloramentos ferruginosos

Nemésio, Sena e Belo
Pagaste dois levaste três


Garçonettes pagas a bifes encharcados em alho
No beco das traseiras
O apaziguador esse grande arquitecto
Que domina a alma de cada criança
Vareja no meio a virtude

Entre potestades velhas glórias
Teremos nossos chás dançantes
Sobre a regra da Europa
Envoltas em napa sedes bacantes
À lareira de séculos atlânticos
Em Londres apoia a testa
Refastelado no Cáucaso
A corda foge do arco em tensão
Onde nos apoiamos o coração
Família Europa família sem mãos

Gravidade-electro-magnetismo-fortes-fracas-plasmas-bozões-z-w-itch
Poço-infinito-alto-forno-polo-aço-gusa-torpedo-escória

A minha mão os lábios o coração
Nascidos de novo dum vento novo
Dedos em gancho gravando o terreno
Segunda a nova ordem do padrão

Os lábios símbolo do recebido
E da entrega o desenho de sangue
Que sibila o sopro de vida
E infla um fogo flama infinda

O surto púrpura
Estéril de sal
Que aplaca seco
O irado clavicórnio

Desce condescendente
O mármore da verdade

Liguei-lhes a mesma importância que teriam
se fossem invisíveis a olho nu

“Porém ter feito em vez de não fazer
Isto não é vaidade
Ter, com decoro, batido
Que Blunt abrisse
Ter captado no ar a tradição mais viva
Ou de um belo olho velho a flama invicta
Isto não é vaidade.
Aqui a falha está em não ter feito,
Tudo na timidez que vacilou…”

Se bem que tu, que abriste as portas
Do primeiro círculo ao Alexandre
Saibas de gingeira que não é o espírito inflamado
Mas a carne insaciada
A fibra que apodrece na mortalha
Dos apóstatas

Orlando Tango

Árvores I

O tronco oco que cresce gordo e bichoso
de ventre carcomido
exala o cavername gangrenado

A aurora do eucalipto branco
Inventa gestos quase humanos

…gota a gota entre as gretas da fraga esgravatada
grutas onde tanto afaga a treva como a luz
rege castamente o eco o silêncio o medo

Arrepanha a raiz de um carvalho
músculos de terra

As folhas que perdem definição
Enevoa-se o rigor do traço

Os reflexos de todos os enxurros
Desaparecem como um cães vadios
No mofo denso do sórdido pardieiro
negro em pingos tristes brincos dos espinheiros

Alavancas de dor
Êmbolos de solidão
noites mais opressivas
Sob o arco das têmporas
Vergônteas de ambição
Curvam-se as videiras

Orlando Tango

Humores II

Um odre d’horas
Odre de vinho
Um barco de vinho

As trevas enchem as árvores de paciência
Se os brotes forçam o crescimento

Abóbadas de árvores
Livros de húmus
Livros de pedra

Nestes azuis
Vales de mosto
Que tarde amansa
O vinho e a noite
Sangram do exangue fruto
Talhas de verdade

Zé Chove

Estatísticas #6

hecatombe, infolio, devastação, combustão,
húmus, murmúrio, aurora,
hausto chilreado, raízes, geada, líquenes, fungos, pinhas,
fibras, rácimos, sublimação,
vermes, quitina, mineralização, corola,
haste, caule, melro,
Rouxinol, morcego

Madalena Nova

Nostálgicas

Envoltas de terra
Vêem-se floridas
Adocicando a noite
Florescem entre a lama
Sufocam de vontade
O fruto é a nostalgia

Lúcia

Natureza

Archivo de imagens #226

Humores I

A abóbada de chumbo gelado
Inspira o relento

O silêncio de pedra em pedra
É um rio gelado

Tronco oco

A terra que sustém a respiração
Nega o fruto
Escondida entre esteva e abrunhos ri-se
É um odre esquecido
Na gruta mais fria
Repleto de mosto novo

Zé Chove

As Feridas

as feridas vendadas
sem estarem curadas
gangrenam e matam

* * *

grado colhido o medo
já desmaiado do dia
entre abrolhos emersos
na dispersão da neblina

Zé Chove

O Pânico

O pânico do navio
Encarcerado pela destreza
Brutal das ondas
Tão estrondoso é o
Tumulto que se diriam
Trombetas marchetando
Mar e céu numa amalgama de
Trevas e forças fluidas

Henrique

Na Pétrea Aurora

Na Pétrea Aurora sob
Ampla cavidade rochosa
Vigiando o oceano
Do lajedo encarcerado de
Barras de ferro enferrujado
Girava o húmido leão
Ensandecido
Esforçando-se por suplantar
Com seus rugidos o choro
Furioso do mar

Henrique

Em extenuados

em extenuados esteiros
desiguais os riachos tristes
correm obrigados pela gravidade das horas

Lúcia

..


3.2.09

Tiros de Sal

A sombra entranhou-se nas pedras.

Cadáveres de salitre
E bafiento granito
Abandonados em túmulos de silvas

Debruçada em curva fraternal
Sobre dois encurvados carvalhos

Alheado da morte
Jogando ébrio na pista rotineira
Das estações do ano

O Inverno, sacramental
Da noite imprime carácter

Zé Chove

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...