25.9.09

Coração

Um coração esquecido no fundo
Das redes de pesca duma praia esquecida
Varrida de vestígios pelo vento
Vibra ainda o coração como um peixe
Mas cada vez mais hirto sob o império do sol
Já fede adensando a fétida podridão do sargaço
E perde-se na imensidão das areias que só conhecem o vento.

Lúcia

Podemos sempre forçar a Melancolia

4 da manhã
Mais um voo sobre o Campo Grande
Para onde vai?
Convenço-me de que a escrita
não deve versar sobre a realidade
não interessa. Oh sobretudo a música
o sonho a loucura.
Espamos sobre espasmos sobre a espumosa brandura
Criação convulsa
A noite cala-se lá fora
Por respeito
A um carro que lentamente a cruza

Orlando Tango

Tentação

Aproxima-se toda fêmea
De mãos e joelhos por terra
Petrificado espelho a insinuação
Das omoplatas, desejo
A tentação é o mosto que lhe escorre
Pelo queixo
E é também o tempo que se prova com um beijo
...................
Chegou algum dia a sublimar-se tal ensejo
Estabiliza-se o movimento em repugnância
Dança dança decadência...

Lúcio Ferro

30.7.09

Discorro com a lucidez
Do fruto fermentado.
Sou o novo Baco que ousou
romper o velho odre.

"Só voga de noite o barco mítico
E assombra os peixes de dia.
As algas mortas escrevem a pureza
Das areias brancas
Acrescentam-lhes o relevo"

Lamento sobre a orgia
sobretudo vomitada:
"A Polpa dos frutos enjoa
A árvore enjoa. A fibra distendeu-se podre
desde o início e a doçura precoce foi um logro."

Chafurdo em toda a gamela.
Presto culto ao nada.
Transbordo lama vulcânica
Do meu peito infante.
Eternamente me converto a uma Ração de Marrãs.

"A nobreza do bago temprano
Destila vileza
Ao sol de justiça exposto
E em breve seca..."

19.6.09

A culpa não é minha
A soma é real
Decalcam-se na vidraça de meus olhos
Extractos de objectos que me enquadram
Me impedem de cair
Uma estrada de alcatrão
Duas dolentes calçadas como asas
E um escorço do exército de alinhados plátanos
De troncos manchados pela chuva
Adensando o fundo de verdes férreos
Ordenando a matéria as matrículas dos carros
E a sequência finita dos pilares junto aos lancis enferrujados
A tentação é o infinito.
E no entanto estanco a cada passo e gravo
Mais uma prancha de volumes sintetizados
Um parque de parda relva macerado verde
E várias pedras incrustações na terra pedras
Uma bic cristal sem carga carregando o brilho do sol
Sal pisado, elementos que se multiplicam em mil reflexos
Carteiras de instantâneos desdobradas
Individualização do que se prova colado.
A perspectiva jorra sobre o plano-chato
Que se arquiva na memória
A memória é ávida como um sótão
Jamais se enche na sua aleatória arrumação
Que o que se perde não ocupa espaço
Não conhece nem o dia nem a noite
Onde apenas baloiça esquecido um vago candeeiro de tecto
Entre caixas e mais caixas e concerteza muito mais caixas
Cheias e vazias lado a lado juntas segundo algum critério
Mas com critério aquele que é mutável.

Orlando Tango

Andor Azedo

Mais açúcar numa bica já cheia
Dissolvo tudo até se tornar concreto
O que foi doce é hoje um andor azedo
Um barco que sobe o Tejo contrafeito

Madalena Nova

For You My Love

Que belo o que escrevo se trás o teu cheiro
Contagiado em teu verde ópio lírico
Percorro o delírio irmão mais velho
De tuas veias dissolutas em Ouro onírico

Lúcio Ferro

30.5.09

Decisões Betonadas

permanece na memória, imarcescível
das decisões betonadas
com a sua vida parada e uma armação inamovível

A noite desceu infrene
O meu maior medo é que me venha a falhar o coração

Zé Chove

nas praias de mares distantes

nas praias de mares distantes, sob um sol apaixonado e sem consolação

Imobilidade petrificada da sua forma branca

Perturbou profundamente o meu espírito com o horror passivo e irremediável da cena

Rolando Rabaça

Hammond na bagageira

Pedrito e Júlia percorriam a costa do mediterrâneo num furgão
Com um Hammond na bagageira
Espalhavam sua magia romântica
Pelos estabelecimentos onde se joga o bingo sueco

Rolando Rabaça

Canção

Canção - Canção

Écloga – temas pastoris = idílio ≈ bucólicas

Elegia – choro lamento (escrito qd alguém morre) confira cinzas de la muerte, tristes de Ovídeo, lamentações de Job e Jeremias 10sil 6ªe10ª

Dolora (esp…) – variante da elegia. Pequeno tema afectuoso e sentimental

Epigrama – curta – breve – satírica – festiva

Epitáfio – destinado aos sepulcros. Dedicado a um morto.

Epitalâmio – cantar o amor entre os novos esposos

Idílio – poema curto de tema bucólico_idilio significa pequeno quadro: 6 ou 7 silabas
Natureza idealizada

Letrilha – poema fácil de carácter amador ou burlesco. Repete o estribilho no final de cada estrofe

Madrigal – composição breve de tema amoroso. Exalta o amor e a graça feminina.

Ode – referente ao canto. Interpretava-se acompanhada pela lira. Tema diverso, linguagem elevada. Descrição lírica do belo e dos valores dos seres humanos. Exaltação e elogio de personagens e instituições.
Tipos de Odes segundo o tema: heróica, sagrada, moral…

No Hino o tu tem poderes superiores de resto é igual à Ode. Eram os cânticos de louvor aos deuses gregos.

Ditirambo – dança africana. É um hino em que exaltação atinge o êxtase.

Salmos – Hinos litúrgicos

Epinicio – aos heróis dos jogos olímpicos

Sátira – Propósito crítico ou humorístico. Confira sátiras de Menipo e cantigas de Escárnio.

30.4.09

A Profecia de Leverkühn

"Toda a inspiração Vital da Arte, creiam-me, há-de alterar-se, tomando o rumo da modéstia e da jovialidade. Isso é inevitável. Será uma evolução benéfica. Boa parte das ambições melancólicas se desprenderá dela, e uma nova inocência, ou até mesmo uma genuina inocuidade, ser-lhe-á peculiar. O futuro verá nelaela mesma verá em si novamente a serva de uma colectividade, que abraqngerá muito mais do que apenas «instrução» e não terá, mas talvez seja, cultura. Para nós, é difícil imaginá-lo, e todavia isso existirá, será totalmente natural: uma arte sem sofrimento, psiquicamente sã, desprovida de solenidade, nada triste, sociável, que tratará por tu a humanidade..."

Thomas Mann - Doktor Faustus

Arca Velha

Afago 1917 em rebites na tampa do baú
Onde guardo a memória e sobre o qual me dobro
Um dia o sol entrou nesta sala
Como o baú tão oca e seca como a brancura
desta cal que greta onda o olhar se perca
absorto em tanto traço do passar do tempo
onde tudo converge e se intersecta
em velho couro tisnado de arca velha
que calor da solidão verga e desenha
um novo mundo em linhas perdidas
percutidas por uns dedos distraídos

Zé Chove

Ementa

3ª feira – Choco com a realidade
4ª feira – Francesinha e Passas
5ª feira – Polvo Radiante
6ªfeira – Caldeirada de Tudo S. Ânsias
Sábado – Bife da Vazia
Domingo – Açorda Apática
2ª feira – Ensopado de Vinho
3ª feira – Choco com a Realidade

29.4.09

Agarrado


Lamento

enquanto permaneci calado os meus ossos
secaram dentro do meu corpo e regurgitei sobre
as minhas chagas o fel da minha auto-compaixão
senti primeiro uma tepidez benévola até ao dia
em que acidez do verme me oxidou a pele
e os músculos assim expostos foram o ridículo
para os meus companheiros.
os meus olhos são poços
as minhas narinas fossas
e assim sirvo
àquela que me traz cativo

Tomás Manso

Vibrações

já farto das contabilidades escapo-me até à casa-de-banho do escritório
e esvaiu-me em frente ao espelho
enquanto faço caretas imitando um velho rezinga
a ser electrocutado, vibrando
até que o tremor do corpo assuma trejeitos de dança africana ou ritual epiléptico
e toda a tensão estática do computador acumulada
se esparrinhe nas gotas incertas do lavatório
e já amansado volte à labuta
a um teatro mais civilizado

Tomás Manso

26.4.09

Osgas

osgas com três palmos da cabeça à ponta da cauda
e a grossura de chouriços de sangue
escapam-se da nossa vista nestes tempos de penúria
e lançam-se pela vida cansadas da verticalidade das empenas e dos olhares enojados,
rebentam umas dezenas de metros lá em baixo
espalhando as suas mornas vísceras no exíguo saguão sob um céu ensanguentado

Tomás Manso

Redondilha

existe um certo grau de parentesco
entre nós e o Grotesco

Tomás Manso

11.4.09

Mediterrâneo

Não vi mas acredito na sombria sala
onde jazem homens mortos na fria tijoleira
cuidados por matronas silenciosas
vestidas de pano cru como a cortina que nos esconde
da omnipotência branca do sol mediterrâneo
são intermináveis os dias alimentados na flor da laranjeira

Zé Chove

Dezenas

já se roçam nas paredes as osgas rançosas
e já caem das telhas andorinhas centelhas
o sangue espumoso de cem cavalos

Lúcia

Co

Convulsões de líquidas noites
azul petróleo nuns ombros de Carrara
umbros olhos pesados de incerteza
ou melancolia

Henrique

7.4.09

O Enxurro

Traz enxurro
Arrastou-se gordo pelas folhas adormecidas e pela lama

Murmúrio através dos tabiques

Romperam endemoninhados
Sepulcros fora
De calva e ventre gorduroso

videira solo arenoso
cepa na areia
a parra, o sarmento, o cacho

Silêncio e humidade até à medula
A muralha exala-se em bafo

O esboroar secular das rochas
O cheiro a floresta apodrecida
Vida secreta e vida subterrânea
Tabiques escafiados
Pardacentas salas
Atrás de salas
Labirintos cúbicos de decadência.

“Cobrindo o céu uma só nuvem do mesmo cinza
Desta desolada praça de granito, uma só árvore
A humidade substitui as sombras
Um só dia, uma só badalada cai do sino”

É hoje que virão para me abater
Oiço já os seus passos e as suas conspirações
Suspiradas nas escadas do prédio
Alma de pélago
Não me vou mexer
Varra-me o temporal

Orlando Tango

IRS 2008 – ATRASADO

Shins – Wincing the night Away

Fleet Foxes – Fleet Foxes

Air France – No Way Down

Dan Auerbach - Keep It Hid

Department of Eagles - In Ear Park

The Last Shadow Puppets - The Age of the Understatement

Arcade Fire – Neon Bible

Portishead - Third

O Poço Infinito

O azul corcel esbaforido
Transvaza o seu leito
As mil poças os mil tesouros de brilho

Malárias litanias

O vinho nunca é pálido
Sempre grita o espírito
Que a batalha lhe corre nas veias

A voz perturbada
Dum velho sobreiro
Gritos ecoam na pétrea biblioteca.

O peixe
O monstro marinho
Cego e cruel

Estevas odres mosto

Chove em alaúde
Adensa a bruma
Nas clareiras do tumulto
Do húmus insepulto
Humano bafio húmido

Nichos de viva treva entre as trevas da abóbada celestial

Habituados a beber o fel que lhes vem à boca

Vitrais de luz funérea

Ogiva de cristais
Sinos longínquos e construções de madeira rangendo

Abandonámos nossos ossos insepultos
Impelidos por inominável latência que nos ebulia no sangue

Destinge sonho

É preciso abalar a terra (os túmulos)
E desenterrar os mortos

O Cavername roído pelo mar das trevas

A noite como uma camélia gelada
A abóbada da noite
Do tamanho do silêncio
“mensurada só pelo silêncio”
A gota de vermelho – açafrão que
Tinge toda a água

Orlando Tango

Gútura Soturna

“Só o que é selvático me interessa
E acorda em mim sonho, perfume e ferocidade…”

não seria um bispo gordo e perverso?
É tão difícil distinguir a vaidade do orgulho...

oh insone, enchuto, imuto tempo.

A lagarta coral e azul-turquesa
Contorcendo-se sobre a relva
É venenosa

Atravessou a estrada
Um tigre na t-shirt

Que bem me fica a ti nem tanto

Propalou-se o logro em laço revira-lhe o forro
Domingo de Ramos arrojados de rosto
por terra Santa Terra

a pequenez da criança ajuda
a termos por ela ternura

Absit Omen????

Destilámos tanto mal uns sobre os outros
Que os nossos fígados mirraram

filioli morituri nascituro
particípios - dicionario etimologico

Investiguei a parte de trás de todos os quadros, todas as pinturas

A escola é uma grande teia de aranha

Para mais fácil aferição do calibre do animal
Cabedal cabedal

Anjos: são cabelos de aço
Inquebrantáveis do céu até cá abaixo

“Dominando a paisagem dois ou três marcos geodésicos.
Lá no fundo uma pegada de vide empoçada e que reflecte o céu
Ali se miram e remiram na sua mocidade”

Orlando Tango

Jean-Pierre Velly - La Ciel et la Mer III

Archivo de imagens #192

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...