26.2.15

Solilóquio

A música tem duas correntes como duas linhas de coca
uma espinha simples da consciência
e uma espinha que voa com o vento quando abrem a porta

Ponham um africano a cantar os fados de coimbra
façam-no palrar considerações sobre o assassinato do major Humberto Delgado
e dêem o nome de “políticossonegadores” a estádios abandonados

Preparem-se para um  fluxo de consciência com a duração de um dia
não se preocupem é sábado
As cigarras levantam entre as árvores muralhas
de ruído nas asas do calor
e iludem as noções de proximidade elevando-nos
de olhos fechados por labirintos de som infernal
infernalmente quente
esquadram as planícies armando secretas províncias que encaixotam o calor
em ondas de Verão
Nos alentejos armam-se as populações segundo cartilhas marxistas
esquartejam-se os capatazes
põem-se as massas a andar com uma malga de latão e uns talheres encarquilhados novos

Eu Que ro la VAR  a Mi nha pa LE    ta
No brasil é mais fácil rimar com maleta
sacos azuis - comprimidos de todas as cores
bandeiras desfraldadas uma para cada doutor

o meu amigo que quase foi padre
casou-se com uma garota dos trópicos
uma estatueta do alípio de freitas colada com cuspe no tejadilho
da picape cortava o vento por entre as costelas chicoteadas do sertão

Podes sempre sufocar com o que escreves
assumir uma postura de caganer de textos
e esperar que engracem com a tua loucura
acocorado na chuva dum arrozal
sublevas hordas de khmers vermelhos
sobes a favela e padronizas o comando vermelho
destila a raiva do medronho alentejo vietcong

E um dardo de sangue alastrará pelo ninho da noite
e um lardo de sangue arrastará pelo meio da noite
e um fardo de rompante assoará pelo meio te açoite
e um saco de leite foi que te afoite
mantro eu sem querer parecer muito veado
e um barco de leite se lançará dançando magoei-te
e um traço de skate lascando no meio-fio de azeite
e um laço de esguelha matou-te cravei-te
não sei craveira mamou-me deleite
sempre tive dúvidas que um dia me visite a felicidade
sempre tive brumas álgidas fronteiras

mulher das patilhas finas
penugem
leve nas axilas
e um sombreado nos cantos dos lábios
é branca de neve
é luz esfumada
e tem pêlo de pêssego
esfumado negro no pescoço de porcelana
os lábios negros de mercúrio
pan pan gurl riot gerl
mártir da pátria
barata que se esmaga à chinelada
fanta sem gás sola do ténis borrada
prateleira esquálida que se parte com uma marretada
de punho fechado
caminho sobre os ossos calcinados de uma vaca
ardida na pradaria
os cães selvaagens matam as cabras monteses na serra do gerês
eu vi algumas apodrecendo com a garganta destroçada
casamo-nos e ficamos à mercê
ajoelhamos e enláçam-nos os pulsos
e arrastam a nossa paciência morro acima e morro abaixo
sempre com um sorriso de gengiva rebentada nas trombas
venham as verdadeiras tragédias que arrasem o planeta que não aguento mais esta tensão
tirem este jugo da burocracia e dos impostos e das conveniências de cima dos meus testículos
não vêem que já estou com a cara toda vermelha a pontos de explodir?

Dá para ouvir as gravações das falas do raul lino
ele chorava imenso quando partia para alemanha
estudou em Hannover, chorava como chorou o Zeca Afonso ao ver aqueles que partiam
partia-se-lhes o cuore como ao pato quando não pode embarcar para a gravação
e teve de entrar o josé mário branco
entra o batuque e ouve-se “Ó Zé Mário pah, não se ouve” un deux trois undeux trois undeux trois
e que bestas marítimas nós éramos
baixos, compactos, um equilíbrio natural como que talhados na madeira das naus
verdadeiros sarrafos de pinho leiriense com voracidade por mulatas e tudo mais que mexa e se possa vender
hoje os mesmos predicados nos carimbam as testas de cada vez que jogamos à bola com a estrangeirada “ah cuidado eles parecem sei lá o quê”
os mexicanos vejo que também se poderão vir a notabilizar pelas suas humildes origens mas ganas de prosperar ao lado de um país 5 vezes maior

Também eu sei que existe uma casa tradicional brasileira
feita de tijolo e com um terraço coberto com telha cancerígena de fibrocimento
repara o que tentaram fazer ao Ventura Terra quando este ganhou o concurso de Paris

Ficou amigo do Roque Gameiro o mestre Lino e andavam os dois a molhar a sopa entre odeceixas e lavacolhos
exaltemos a saloiedade
desfrutemos das riquezas das tias dos amigos
e enchamos os peitos de nacionalismos

era uma casa de jovens uma casa em benfica
emprestada por uma secção do partido comunista
viviamos de olhar vermelho esgazeado

enervava-se com a ostentação dos cardeais

ficámos no campo de concentração quando vieram os japoneses

era um bar com os cômodos todos diferentes cada um com uma iluminação mortiça diferente
cantava-se a música independente dessess finais dos anos noventa
bebia-se e fumavam-se uns charros e mostrava-se as roupas novas

era uma escola infantil as paredes pejadas de bricolages, trabalhos coloridos, lãs e plasticinas coladas em cartolinas coloridas
as crianças tinham cabelos fartos e camiblusas de gola alta e colants garridos de malha sintética
era uma casa com as suas empregadas de limpeza e a figura maternal das professoras

gravamos num convento abandonado
um homem que para ali andava ocioso ficou a guardar a estrada
espantámos as galinhas e os pombos
gravámos depois no palácio de Monserrat quando esteve fechado para obras
o edifício tinha uma estrutura em volta que lhe dava um ar de nave prestes a voar com duas asas enormes trepámos pelos andaimes
e entrámos pelas janelas de cima
os salões silenciosos e abandonados a ostentação descascada
a grandiosidade manchada de chuva
o pó é só uma maquiagem a largura das paredes assegura a potência de ser palácio
os andrajos nunca impediram o filósofo e o poeta

era um bar onde havia a mistura em nossas frágeis cabeças de álcool, dEUS, Red Hot,
pobres jovens de ereções constantes sob as largas bermudas que lhes escorriam no pescoço das cuecas abaixo só à base de charro para suportar tanta loucura

Os presos mais perigosos -os que matam de forma consciente e que ganham gosto pela caçada- não dão respostas escorreitas
reiniciam as frases: deixe me ver, assim, superficialmente
pensam e escudam-se tão perfeitamente como quem dispõem calhaus no rio
um a um em cima de um calhau previamente colocado meio molhado e limoso
tentando criar um caminho tortuoso ao longo do rio

será mal se estiver a seguir alguém?
será mal se estiver seguindo uma irmandade?
E se nos irmanarmos de teorias ou seitas?
e se as nossas irmandades nos tornarem violentos?

vou lavrar as palavras até que venham sem travas

a glória persegue os que não a buscam
as canções que se choram não terminam
será um novo espatifanço num matagal
perdido numa berma duma estrada regional
longe das casas

hão-de passar os operários sem tempo a desperdiçar
como bêbados

Ouvimos uma tabla, uma flauta sintetizada e uma guitarrada psico-bolliwoodesca
ouvimos falar em especiairias e mulheres envoltas em saris rosa forte
e ouvimos uma stratocaster rouca e sentimos forte cheiro de combustível
um fiddle e um banjo parodiando as ceroulas duma dançarina de saloon

somos cowboys, zulus e cartelistas mexicanos
tresandamos a kebab e pato à pequim e chamussas
repetimos vezes sem conta as mesmas fotos e frases
no instagram e no facebook
como as formigas seguimos pelos mesmos carreiros
e dissecamos as mesmas baratas mortas
para nos alimentarmos no inverno cagando para as cigarras
que tocam sanfona lá fora quando se aproxima um tufão

ouvimos os uivos dos cães que acordaram entre os vinhedos
a terra ainda emana o calor do dia
se todos tivéssemos uma casa e cultivássemos
e todos juntos enfiássemos as mãos na terra

Por inveja o estado roubou-me o meu nome
costumava ser jardim gonçalves mas não é mais
venderam também os meus filhos
e querem abduzir minhas células estaminais
e vendê-las em kits de sócio
distribuídos pela população nos próximos census

sinto a vergonha que ela devia ter e não tem

podemos sempre ser acusados de excessiva modéstia
excessiva sentimentalidade, tristeza escandalosa
loucura desmesurada, incompreensível, estúpidez

Como acertar naquele ponto de equilíbrio
que para a maioria é arte
A maioria é arte
A melhor obra de arte é minha mulher grávida
A melhor obra de arte é minha mulher grávida
A pele bem esticada como se engolira um melão
sobre a barriga pitoresca de umbigo a querer eclodir
uma estátua de amor
uma estátua de carinho
mais que uma estátua
mais que um monumento
mais que uma pessoa
fixo bem de perto e sigo os movimentos da minha filha
sob a pele perfeita da minha mulher
aspiro o cheiro perfeito da sua pele
baixo me para que a curvatura me faça sentir um criador de um mundo
com o reflexo da luz da tarde no horizonte deste mundo que inspira e expira

quem será esta menina que vai brotar na nossa vida
e dar-lhe um significado mais rico
não sei o que se vai passar comigo

poderei falar da paternidade duma forma mais velada
eu serei um rei e ela princesa
que raio de rei

sentimos a pressão da sociedade hoje mais que nunca?
Voltámos ao estágio de viver em aldeia
e acordarmos sob constante vigilância
não me quero expôr mas quero a vossa alabança
confirmem que vou bem sem pousarem sobre mim o olhar
avaliem meu curriculo imperfeito
mas não me firam com a vossa ganância
é assim mesmo que se pensa
com flashes distintos disparados por algum gatilho
atrelado nos significados das palavras

hoje enrolei enquanto estive lúcido o resto do dia dormi sentado
continuo esperando por calamidades tão atrozes que distraiam as pessoas dos meus erros
que suba o nível do mar
arrasem um país
reatem uma guerra intensa
por favor não sejam tão diplomatas e rebentem aos estoiros
deixem correr o fogo da vossa ira
e matem-se uns aos outros e esqueçam que não paguei os impostos

discotecas e cloro de piscinas
olhos vermelhos mulheres chacinas
patinamos com raiva na gordurosa perfídia
dos que vivem do mal dos outros e nunca são queimados
somos milhões de olhos colados nos televisores e ecrans de celular
vendo desfilar os biltres nas passarelas das suas mansões
sobrevoando as nossas almas em seus jatos particulares
chafurdando em dinheiro roubado
remando violentamente sobreo mar encapelado da moral
e gritando para trás venham daí e afoguem-se na esteira da nossa disenteria

O Villaret fez uma concessão ao poetas brasileiros
poemas cómicos e eróticos
foram uns faunos malcriados da modernidade
que enxovalharam as ideias mais subtis

poderei ser irônico para dizer mal de alguém importante ou de uma instituição?
tenho muito medo de que me batam ou envenenem
e nunca acreditei que não houvesse um limite à liberdade de expressão
até em casa apanhámos por abrirmos a boca ao coração
quanto mais no meio destas bestas que nos pisoteiam com impostos
e nos envergonham com burocracias despudoradas
até ao josé mourinho fodem como não a mim…

Sinto-me doente do corpo e da alma
acho que é por estar mau tempo e eu dever tanto dinheiro

Plantei dois pepinos e senti a natureza dando-me uma lição de moral e pudor
o falo verde era encoberto graciosamente por grandes folhas
tudo o que planto ultimamente morre
não domino a técnica e começo a ficar farto
de tanto dinheiro gasto

9.2.15

A Casta

toda esta poesia é como uma matemática
compacta, ordeira e exata
ode aos passos certos
que se dão através da mata
quando se está com medo do escuro
e o corpo reage como uma máquina
e os pensamentos disparam
libertos
da força da cotidianiedade que nos constrai
que nos castra

e os efluvios liquefeitos sobre a caruma
nossos olhares cegos prescrutando as cegas sombras
refletem os monstros que cá dentro
guardados em dias de outono
de tardes de infância sem fim
que ainda hoje nos alembramos
em que a consciência se nos ofereceu pedrada

Se ando nas solidões onde andaram os monges e os pastores
sinto algum calor e medo espiritual
Andando nas solidões por ninguém cruzadas
sinto o medo do desconhecido feito animal selvagem
e é nessas paragens do medo
que pretendo criar os meus filhos

A casta dos poetas dos castros
abandonados, dos passos perdidos
do Oeste a leste, dos jazigos vazios
e das bocas de cinzas...

Irmãos

a relação entre irmãos é cega
e pode levar à morte
os irmãos arrastam-se uns aos outros e catapultam-se como palmeiras em relação aos céus
a lealdade é como um espigão de aço
e o meu orgulho abre os braços até cobrir as mãos extremas de cada um dos meus irmãos
e a paternidade e a maternidade exercida uns sobre os outros empapa-nos tanto em verdade
que nunca estaremos errados enquanto nos suportarmos
aceitar uma mulher ou abraçar um marido é admitir alguém numa irmandade
todas as relações se aperfeiçoam quando tornadas irmandade?
não chegam mães e filhas pais e filhos a relacionar-se como irmãos
ou será que a paternidade é mais perfeita?
a irmandade é mais equilibrada

Cidades Baleares ou Baleáricas?

vamos abandonar as cidades sem medo de ver sair dos nossos bolsos todo o dinheiro que elas nos dão
vamos montar cidadelas nos terrenos abandonados dos ermos onde nos parecer mais sustentável
e belo para criar nossos filhos deixe de combater junto com seus vizinhos o peso das instituições
e deixe-se combater solitário pela natureza que só quer segurá-lo como às crias pelo cachaço seguram os gatos



estabilizo acalmo-me imaginando as cidades
baleares desertas calcinadas de apartamentos
onde o bafio de verões mortos ascende das tubulações
descolo-me das paredes com estalos de papel
espiava os bares dos que aguardam o retorno dos turistas
sorrindo no sonho das coxas das nórdicas escaldadas
pouso como uma gaivota na praia gelada e conto os detritos
palitos de sorvete, garrafas, trastes de algas negras
o sofá e a luz triste que não ilumina ninguém todo o ano
a disposição clínica  dos alumínios de sorvete
sinto pena de todas as javardices tradicionais que a higienização do governo extinguiu
alguns bairros infernais cheios de áfrica e drogas e prostituição
alguns petiscos passarinhos fritos, coiratos mal barbeados
lembras-te pedro? ninguém te conhece mas a ti me dirijo
como a uma lembrança boa que só eu identifico
imagino as migrações da burguesia pelos bairros de Lisboa
bairro de são miguel benfica, telheiras, alvalade, areeiro
esquematizo estes mapas da minha cidade no coração e canso-me de cartografá-los enquanto trabalho nesta cidade do rio de janeiro
traço os mapas dos operários que vagueiam entre chelas e algés
toda a informação nos chega agora sem custo e sem necessidade
ninguém bate palmas ao poeta?
ele declama eu sei que almas o rodeiam
mas ninguém aplaude…
derramam informação às portas dos ouvidos e turbilhonam-na contra os olhos que se deliciam com a pornografia
dos mapas de mundos que não nos interessa nada
são terrenos de esquecimento em que lavram afincadamente especialistas
somos ossadas acampadas nos montículos que são as cidades
são cemitérios que por preguiça não abandonamos
no seu abandono elas tornam-se entidades iguais às palavras que ninguém usa como salsugem
quero visitar de surpresa todas essas cidades que se pensavam hibernadas
fazer espalhafato nas praias e discotecas vazias
comer batatas fritas e hamburgers e ketchup  coca-cola
nesses dias de inverno gelado e mar violento
quero andar nos mercados de verduras e peixe
falar alto com as vendedeiras para que se imaginem no Verão
quero deitar-me na areia fria da praia e espantar os bandos de gaivotas que acampam nos areais
quero despertar o Verão no Inverno instalado
quero assar pimentos na churrasqueira empoeirada e enferrujada
quero recolher os panfletos dos supermerdados esquecidos nas caixas de correios e triturá-los e lançar uma chuva de papelinhos vermelhos das coberturas destes edifícios dos anos 60 côr de beata pisoteada
lançar esses papelinhos como uma dama de honor
que abre os passos à chegada da  noiva primavera
e depois chorar porque sem gente não me consigo divertir

não desculpem não era isso que eu queria
queria pedir uma sopa fria numa tasca agora que não tem glamour
meditar junto ao paredão que adentra no oceano onde as meninas bem vêm namorar no Verão
e meditar na função destes leprosários de Verão para ricos que se dão
ao luxo de ter férias
enquanto alguns povos se desintegram noutras beiradas do planeta
sentir a violência da realidade do mar enfurecido
de que tudo morre
que as habitações perdem as almas
e as tubulações fedem a morto
as gelatarias ressecam
os playboys se esvaem em sangue e
as beldades murcham de sida
e a as drogas, bem, das drogas não me atrevo a dizer nada
que bela invenção é o turismo
que escola de emoções e que belas lições de vida
divirtam-se sintam-se americanos ainda que por dois dias
e chupem um mini milk a pensar em mim
beijos, cactus na bunda e escaldões nas dobras das orelhas
voltadas ao sol de Verão é o que vos designo

Areias

As areias pesadas da praia da figueira da foz
que se demoram a chegar ao mar e nos atrasam
o lá chegar
levantam-se com o mínimo vento
começam junto ao muro da marginal onde cheira a mijo
e onde dizem que no inverno chegam as ondas do mar
as areias amarelas e tontas de calor
arrastam-se passando pelas barracas
em direção ao infinito que se estende debaixo das ondas do mar
imagino mergulhar nestas areias quentes e tensas de pó calcário
e mergulho sempre abrindo toda a extensão da costa da praia até ao mar lá ao longe onde se vêm tão pequenos aqueles grandes navios



bate por entre os grãos da areia
como um rumor bruto
o homem seco em busca dum mar interior
e os grãos de areia
ribombam no seu corpo
de encontro ao peito dolorido
embatem impedindo os esforços de mergulhar
de sentir a envolvência fresca do mar
e sofre os embates e o aperto dos milhares de grãos que o engrenam na multidão
e o secam de dor e penetram
enrijecem-no na aquela areia húmida que cheira a mar bafiento ou tabaco demolhado
adentram as covas dos olhos e punçoam o seu cérebro picotam os seus lábios e esterilizam-no em sal e cadáveres calcários
a areia prende-o e ele só queria morrer afogado no mar
fulminado desejo que enrubesce a pesdra e ribomba em unissono com as longinquas ondas que se esmagam no areal da praia

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...