29.10.09

In & Out

Não pedimos para crescer o que crescemos
Não conjurámos estes tiques de banqueiro arruinado
Não assumimos o passo dado
Não cedemos à graça não cedemos

Sumo de laranja bronzeado
Raparigas de sabor a piña colada
Pétalas soltas no relvado
Ondas de cloro inebriado

Nunca nos centramos em nada
Custa sangue a decisão
Cortamos assim o cordame
E vogamos nos cabos da ilusão

Cocktails purpúreos fumegantes
Vernis batons halogéneos
Passos felinos passos ingénuos
Entrega sem cedência do sagrado

Agora que nos libertámos da Antiga inibição
Vergámos as cervis ao instinto
E agrilhoámo-nos a uma escravidão
Auto-imposta que se sacia no suicídio

Dás duas voltas sobre ti mesmo antes de te sentares
Na sombra do porão onde a água do mar não seca
Aligeiras o pulso e sentes o peixe picar
Amanhas o monstro ainda abocado ao anzol
Deixas que te sangre a úlcera

Floresvermelhas brancosvestidos
Frangosnagrelha noscoposvinho
Olhosnaterra aolongeomar
Seaalmaencerra ocorpodá

Troçamos dos clássicos junto ao balcão
De externo moldado ao alumínio

Lúcio Ferro

27.10.09

Cocktail




Lamentações

é árdua de trato e veste-se de desolação
é laminar como a verdade pura
a sua presença exige eterna renovação
o seu silêncio é a minha secura

Tomás Manso

Violação

Branco-halogénio
restos. a laranja violentada
sobre o mármore da cozinha.
o sumo reprimido com pudor
se aflora aos citrinos lábios.
A pele é derramado leite
apodrecendo sobre a bancada fria
o corpo inerte como farinha
não leveda
esfriam-se as cores nos azulejos
sem reflexo

Filipe Elites

Estado divino

Estado divino
não chega a haver um estado...
apenas um ligeiro prurido

..........................................................

Se me descanso sobre um rochedo
as arquejantes costas batidas
por ondas que morrem cedo
náufragas a meus pés esquecidas

Nas escarpas ecoam esperançosos
risos pelo vento recolhidos
em fermosas redes de suaves cordas
onde nos abandonamos loucos, risos.

Madalena Nova

SLB

SLB Orgia de Golos

12.10.09

A noite flui cristalina e rubra no vidro de cristal
a noite desce de mansinho como o vinho dentro do copo
a paixão cresce com a suavidade de um anoitecer ou de um amanhecer
E afaga o cabrito-sol
e ainda tem tempo de tocar o dia
por vezes a paixão encabrita-se e é necessário afagá-la, amansá-la
A Lua e o Sol
Perseguem-se como dois amantes inconfessados
Brincam tocam-se cedem e concedem
Envolvem-se azeite e água e choram
Assim assim uma vez e outra sem nunca se falarem
(assim assim) referência ao namoro entre dois entes
puros como só os astros sabem sê-lo
O namoro visto como água e azeite ohohoh
Exibem troféus seus anjos
aqui podem incluir-se todas as maravilhas
provocadas pelo sol e pela lua:paisagens, sombras, reflexos, sonhos que provocam
Os amantes de certa forma também exibem os seus dotes e entregam-se mutuamente
Emprestam e experimentam sobre as mesmas árvores
noite e dia actuam sobre o mesmo mundo mas em alturas diferentes
A entrega da interioridade, a partilha dum mesmo mundo
Pode ser doloroso
Mas quem diz que se conhecem?
Como dizia o Rilke: o amor são duas solidões que se protegem uma à outra
Quem poderá entregar-se totalmente? Conscientemente
Partindo do pressuposto que o amor é entrega de si... Será que podemos conhecer totalmente a interioridade de alguém, ainda que nos seja tão próximo?

25.9.09

Fomenko


Coração

Um coração esquecido no fundo
Das redes de pesca duma praia esquecida
Varrida de vestígios pelo vento
Vibra ainda o coração como um peixe
Mas cada vez mais hirto sob o império do sol
Já fede adensando a fétida podridão do sargaço
E perde-se na imensidão das areias que só conhecem o vento.

Lúcia

Podemos sempre forçar a Melancolia

4 da manhã
Mais um voo sobre o Campo Grande
Para onde vai?
Convenço-me de que a escrita
não deve versar sobre a realidade
não interessa. Oh sobretudo a música
o sonho a loucura.
Espamos sobre espasmos sobre a espumosa brandura
Criação convulsa
A noite cala-se lá fora
Por respeito
A um carro que lentamente a cruza

Orlando Tango

Tentação

Aproxima-se toda fêmea
De mãos e joelhos por terra
Petrificado espelho a insinuação
Das omoplatas, desejo
A tentação é o mosto que lhe escorre
Pelo queixo
E é também o tempo que se prova com um beijo
...................
Chegou algum dia a sublimar-se tal ensejo
Estabiliza-se o movimento em repugnância
Dança dança decadência...

Lúcio Ferro

30.7.09

Discorro com a lucidez
Do fruto fermentado.
Sou o novo Baco que ousou
romper o velho odre.

"Só voga de noite o barco mítico
E assombra os peixes de dia.
As algas mortas escrevem a pureza
Das areias brancas
Acrescentam-lhes o relevo"

Lamento sobre a orgia
sobretudo vomitada:
"A Polpa dos frutos enjoa
A árvore enjoa. A fibra distendeu-se podre
desde o início e a doçura precoce foi um logro."

Chafurdo em toda a gamela.
Presto culto ao nada.
Transbordo lama vulcânica
Do meu peito infante.
Eternamente me converto a uma Ração de Marrãs.

"A nobreza do bago temprano
Destila vileza
Ao sol de justiça exposto
E em breve seca..."

19.6.09

A culpa não é minha
A soma é real
Decalcam-se na vidraça de meus olhos
Extractos de objectos que me enquadram
Me impedem de cair
Uma estrada de alcatrão
Duas dolentes calçadas como asas
E um escorço do exército de alinhados plátanos
De troncos manchados pela chuva
Adensando o fundo de verdes férreos
Ordenando a matéria as matrículas dos carros
E a sequência finita dos pilares junto aos lancis enferrujados
A tentação é o infinito.
E no entanto estanco a cada passo e gravo
Mais uma prancha de volumes sintetizados
Um parque de parda relva macerado verde
E várias pedras incrustações na terra pedras
Uma bic cristal sem carga carregando o brilho do sol
Sal pisado, elementos que se multiplicam em mil reflexos
Carteiras de instantâneos desdobradas
Individualização do que se prova colado.
A perspectiva jorra sobre o plano-chato
Que se arquiva na memória
A memória é ávida como um sótão
Jamais se enche na sua aleatória arrumação
Que o que se perde não ocupa espaço
Não conhece nem o dia nem a noite
Onde apenas baloiça esquecido um vago candeeiro de tecto
Entre caixas e mais caixas e concerteza muito mais caixas
Cheias e vazias lado a lado juntas segundo algum critério
Mas com critério aquele que é mutável.

Orlando Tango

Andor Azedo

Mais açúcar numa bica já cheia
Dissolvo tudo até se tornar concreto
O que foi doce é hoje um andor azedo
Um barco que sobe o Tejo contrafeito

Madalena Nova

For You My Love

Que belo o que escrevo se trás o teu cheiro
Contagiado em teu verde ópio lírico
Percorro o delírio irmão mais velho
De tuas veias dissolutas em Ouro onírico

Lúcio Ferro

30.5.09

Decisões Betonadas

permanece na memória, imarcescível
das decisões betonadas
com a sua vida parada e uma armação inamovível

A noite desceu infrene
O meu maior medo é que me venha a falhar o coração

Zé Chove

nas praias de mares distantes

nas praias de mares distantes, sob um sol apaixonado e sem consolação

Imobilidade petrificada da sua forma branca

Perturbou profundamente o meu espírito com o horror passivo e irremediável da cena

Rolando Rabaça

Hammond na bagageira

Pedrito e Júlia percorriam a costa do mediterrâneo num furgão
Com um Hammond na bagageira
Espalhavam sua magia romântica
Pelos estabelecimentos onde se joga o bingo sueco

Rolando Rabaça

Canção

Canção - Canção

Écloga – temas pastoris = idílio ≈ bucólicas

Elegia – choro lamento (escrito qd alguém morre) confira cinzas de la muerte, tristes de Ovídeo, lamentações de Job e Jeremias 10sil 6ªe10ª

Dolora (esp…) – variante da elegia. Pequeno tema afectuoso e sentimental

Epigrama – curta – breve – satírica – festiva

Epitáfio – destinado aos sepulcros. Dedicado a um morto.

Epitalâmio – cantar o amor entre os novos esposos

Idílio – poema curto de tema bucólico_idilio significa pequeno quadro: 6 ou 7 silabas
Natureza idealizada

Letrilha – poema fácil de carácter amador ou burlesco. Repete o estribilho no final de cada estrofe

Madrigal – composição breve de tema amoroso. Exalta o amor e a graça feminina.

Ode – referente ao canto. Interpretava-se acompanhada pela lira. Tema diverso, linguagem elevada. Descrição lírica do belo e dos valores dos seres humanos. Exaltação e elogio de personagens e instituições.
Tipos de Odes segundo o tema: heróica, sagrada, moral…

No Hino o tu tem poderes superiores de resto é igual à Ode. Eram os cânticos de louvor aos deuses gregos.

Ditirambo – dança africana. É um hino em que exaltação atinge o êxtase.

Salmos – Hinos litúrgicos

Epinicio – aos heróis dos jogos olímpicos

Sátira – Propósito crítico ou humorístico. Confira sátiras de Menipo e cantigas de Escárnio.

30.4.09

A Profecia de Leverkühn

"Toda a inspiração Vital da Arte, creiam-me, há-de alterar-se, tomando o rumo da modéstia e da jovialidade. Isso é inevitável. Será uma evolução benéfica. Boa parte das ambições melancólicas se desprenderá dela, e uma nova inocência, ou até mesmo uma genuina inocuidade, ser-lhe-á peculiar. O futuro verá nelaela mesma verá em si novamente a serva de uma colectividade, que abraqngerá muito mais do que apenas «instrução» e não terá, mas talvez seja, cultura. Para nós, é difícil imaginá-lo, e todavia isso existirá, será totalmente natural: uma arte sem sofrimento, psiquicamente sã, desprovida de solenidade, nada triste, sociável, que tratará por tu a humanidade..."

Thomas Mann - Doktor Faustus

Arca Velha

Afago 1917 em rebites na tampa do baú
Onde guardo a memória e sobre o qual me dobro
Um dia o sol entrou nesta sala
Como o baú tão oca e seca como a brancura
desta cal que greta onda o olhar se perca
absorto em tanto traço do passar do tempo
onde tudo converge e se intersecta
em velho couro tisnado de arca velha
que calor da solidão verga e desenha
um novo mundo em linhas perdidas
percutidas por uns dedos distraídos

Zé Chove

Ementa

3ª feira – Choco com a realidade
4ª feira – Francesinha e Passas
5ª feira – Polvo Radiante
6ªfeira – Caldeirada de Tudo S. Ânsias
Sábado – Bife da Vazia
Domingo – Açorda Apática
2ª feira – Ensopado de Vinho
3ª feira – Choco com a Realidade

29.4.09

Agarrado


Lamento

enquanto permaneci calado os meus ossos
secaram dentro do meu corpo e regurgitei sobre
as minhas chagas o fel da minha auto-compaixão
senti primeiro uma tepidez benévola até ao dia
em que acidez do verme me oxidou a pele
e os músculos assim expostos foram o ridículo
para os meus companheiros.
os meus olhos são poços
as minhas narinas fossas
e assim sirvo
àquela que me traz cativo

Tomás Manso

Vibrações

já farto das contabilidades escapo-me até à casa-de-banho do escritório
e esvaiu-me em frente ao espelho
enquanto faço caretas imitando um velho rezinga
a ser electrocutado, vibrando
até que o tremor do corpo assuma trejeitos de dança africana ou ritual epiléptico
e toda a tensão estática do computador acumulada
se esparrinhe nas gotas incertas do lavatório
e já amansado volte à labuta
a um teatro mais civilizado

Tomás Manso

26.4.09

Osgas

osgas com três palmos da cabeça à ponta da cauda
e a grossura de chouriços de sangue
escapam-se da nossa vista nestes tempos de penúria
e lançam-se pela vida cansadas da verticalidade das empenas e dos olhares enojados,
rebentam umas dezenas de metros lá em baixo
espalhando as suas mornas vísceras no exíguo saguão sob um céu ensanguentado

Tomás Manso

Redondilha

existe um certo grau de parentesco
entre nós e o Grotesco

Tomás Manso

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...