25.3.09

Afogado num Sundae

fomos enxertados em salgueiro
temos raízes de bufarinheiro
proni ad pecatti...
Sangue de vinagre
odres em caves decrépitas
Skeleton Coast
Pero tú, que todo lo llenas, ¿lo llenas con la totalidad de ti?

Decrépitas aves no mezanino
O piso superior do Mac os adultos falando
dois indianos na mesma mesa
que uma russa quase cinquentona
e a sua bela filha comendo
um sundae de morango
a fluidez do molho vermelho
como as bochechas do bêbado indiano
como os meus pensamentos de púrpura e brocado

no verão passeio por praias esquecidas
pelas administrações com lava até aos joelhos
bebo margaritas como margaritas
até o céu da boca refluir nacarado
aos 22 comecei a usar sapatos bicudos
aos 22 senti vergonha de entrar no teu templo
aos 22 degluti as garanças e pintei o horizonte
de encarnado

lábios de púrpura exaustos
de púrpura
não mais uma saraivada de metais pesados
mas um enjoativo melotron
a morte duma consciência

Mário Mosca

Mirolho

Archivo de imagens #666

23.3.09

Cátedras

passo a passo uma multidão de árvores insinua
ruas curvas de húmus e caruma
e estrelas entre densas tramas de ramos
da escuridão mais escura desagua
em enlutadas clareiras ao meio rubras
catedrais de pedra cátedras da lua

Lúcia

Cão de Caça

Fiquei triste e melancólico
Convencido
De não ter correspondido
Aos sentimentos
Que provavelmente pensaste que eu teria.
E ainda agora choro
Se me ponho a recordar
Todas as vezes que não soube corresponder
Com o calibre certo de alegria ou
Entusiasmo que esperavam de mim.
Mas isto não é escrever que o bom
Cão de caça não corre movido pela fome.
Oh! Que vontade de te abraçar
Com mais força.
Lembra-me da próxima vez
Que nos virmos.

André Istmo

Definições

Quando misturo
Sentimentos de culpa
Com o pouco sono
Traço com mais tristeza
O desenho do desalento
E de estupidez inocente
Dos rostos do outro lado
Da estrada junto ao semáforo

Contemplo em contra-picado
Os tectos estucados
Dos palacetes vagamente moçárabes
Das avenidas quando volto dalgum trabalho
Acendem-se candeeiros aos centos
Acolhedores de memórias
De vidas quase sempre
Com vias pouco
Definidas

Filipe Elites

Debaixo da Cartola

Não gostava que me prestassem a mesma atenção
Que a uma professora picuinhas e moralista
Que pensa que tem amigas

*

Custa-me dizer que me custa dizer aquilo que imagino
Que seja a verdade

*

Construímos uma casa debaixo da cartola
Uma sala com quadros de família
Uma mesa desarrumada
Onde recebemos os amigos
E a cada um servimos
A bagunça adequada
Mas temos vergonha que vejam
E toquem nossos naprons de moralidade
Tingido dum bafo de naftalina
Também não deixamos que se sentem na poltrona
Que jaz na sombra
O sol queima aos antepassados a réstia
Da alma sépia
Podes usar o cinzeiro de vidro grosso
Está rachado, é de família

*

Como cão bem sabes que como cão me contento
Com qualquer fogoso afago no cachaço


Lúcio Ferro

Rebolo

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

As moscas congelam no espaço
Infinitamente quadrado da tasca
E caem letárgicas sob os pontos do dominó

A noite côncava
O pio triste dos sapos
O latir desesperado dos cães
A monotonia dos pneus sobre o asfalto
Um muro escorre dor à sombra
dum lampião

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

“Só dou pelas coisas belas da vida, depois
que passaram por mim e
não as posso ressuscitar”

Poeira da pedreira
Fino pó poalha
Excedente finíssimo
Fervilhante de secura
Que abafa e sufoca
Depositada nos brônquios

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

Orlando Tango

Rubor Desflora

Agora que podemos escrever em Março

nas auroras
se o rubor desflora
deixo as gélidas matutinas
dançarem na cela
enquanto o coração dança lá fora
o corpo aquece
o parapeito de granito
se o coração estremece
abro a janela

Madalena Nova

tusto

teste

6.2.09

Tripulação de Quarentena







Síndrome de Estocolmo

A remanescente utopia Copenhaga urbana
Labirintos nas amalgamas de ciclos
Manhãs enevoadas analisando o betão
Pozolanas, aditivos, margas
Afloramentos ferruginosos

Nemésio, Sena e Belo
Pagaste dois levaste três


Garçonettes pagas a bifes encharcados em alho
No beco das traseiras
O apaziguador esse grande arquitecto
Que domina a alma de cada criança
Vareja no meio a virtude

Entre potestades velhas glórias
Teremos nossos chás dançantes
Sobre a regra da Europa
Envoltas em napa sedes bacantes
À lareira de séculos atlânticos
Em Londres apoia a testa
Refastelado no Cáucaso
A corda foge do arco em tensão
Onde nos apoiamos o coração
Família Europa família sem mãos

Gravidade-electro-magnetismo-fortes-fracas-plasmas-bozões-z-w-itch
Poço-infinito-alto-forno-polo-aço-gusa-torpedo-escória

A minha mão os lábios o coração
Nascidos de novo dum vento novo
Dedos em gancho gravando o terreno
Segunda a nova ordem do padrão

Os lábios símbolo do recebido
E da entrega o desenho de sangue
Que sibila o sopro de vida
E infla um fogo flama infinda

O surto púrpura
Estéril de sal
Que aplaca seco
O irado clavicórnio

Desce condescendente
O mármore da verdade

Liguei-lhes a mesma importância que teriam
se fossem invisíveis a olho nu

“Porém ter feito em vez de não fazer
Isto não é vaidade
Ter, com decoro, batido
Que Blunt abrisse
Ter captado no ar a tradição mais viva
Ou de um belo olho velho a flama invicta
Isto não é vaidade.
Aqui a falha está em não ter feito,
Tudo na timidez que vacilou…”

Se bem que tu, que abriste as portas
Do primeiro círculo ao Alexandre
Saibas de gingeira que não é o espírito inflamado
Mas a carne insaciada
A fibra que apodrece na mortalha
Dos apóstatas

Orlando Tango

Árvores I

O tronco oco que cresce gordo e bichoso
de ventre carcomido
exala o cavername gangrenado

A aurora do eucalipto branco
Inventa gestos quase humanos

…gota a gota entre as gretas da fraga esgravatada
grutas onde tanto afaga a treva como a luz
rege castamente o eco o silêncio o medo

Arrepanha a raiz de um carvalho
músculos de terra

As folhas que perdem definição
Enevoa-se o rigor do traço

Os reflexos de todos os enxurros
Desaparecem como um cães vadios
No mofo denso do sórdido pardieiro
negro em pingos tristes brincos dos espinheiros

Alavancas de dor
Êmbolos de solidão
noites mais opressivas
Sob o arco das têmporas
Vergônteas de ambição
Curvam-se as videiras

Orlando Tango

Humores II

Um odre d’horas
Odre de vinho
Um barco de vinho

As trevas enchem as árvores de paciência
Se os brotes forçam o crescimento

Abóbadas de árvores
Livros de húmus
Livros de pedra

Nestes azuis
Vales de mosto
Que tarde amansa
O vinho e a noite
Sangram do exangue fruto
Talhas de verdade

Zé Chove

Estatísticas #6

hecatombe, infolio, devastação, combustão,
húmus, murmúrio, aurora,
hausto chilreado, raízes, geada, líquenes, fungos, pinhas,
fibras, rácimos, sublimação,
vermes, quitina, mineralização, corola,
haste, caule, melro,
Rouxinol, morcego

Madalena Nova

Nostálgicas

Envoltas de terra
Vêem-se floridas
Adocicando a noite
Florescem entre a lama
Sufocam de vontade
O fruto é a nostalgia

Lúcia

Natureza

Archivo de imagens #226

Humores I

A abóbada de chumbo gelado
Inspira o relento

O silêncio de pedra em pedra
É um rio gelado

Tronco oco

A terra que sustém a respiração
Nega o fruto
Escondida entre esteva e abrunhos ri-se
É um odre esquecido
Na gruta mais fria
Repleto de mosto novo

Zé Chove

As Feridas

as feridas vendadas
sem estarem curadas
gangrenam e matam

* * *

grado colhido o medo
já desmaiado do dia
entre abrolhos emersos
na dispersão da neblina

Zé Chove

O Pânico

O pânico do navio
Encarcerado pela destreza
Brutal das ondas
Tão estrondoso é o
Tumulto que se diriam
Trombetas marchetando
Mar e céu numa amalgama de
Trevas e forças fluidas

Henrique

Na Pétrea Aurora

Na Pétrea Aurora sob
Ampla cavidade rochosa
Vigiando o oceano
Do lajedo encarcerado de
Barras de ferro enferrujado
Girava o húmido leão
Ensandecido
Esforçando-se por suplantar
Com seus rugidos o choro
Furioso do mar

Henrique

Em extenuados

em extenuados esteiros
desiguais os riachos tristes
correm obrigados pela gravidade das horas

Lúcia

..


3.2.09

Tiros de Sal

A sombra entranhou-se nas pedras.

Cadáveres de salitre
E bafiento granito
Abandonados em túmulos de silvas

Debruçada em curva fraternal
Sobre dois encurvados carvalhos

Alheado da morte
Jogando ébrio na pista rotineira
Das estações do ano

O Inverno, sacramental
Da noite imprime carácter

Zé Chove

Italianas #1

Quasimodo infantes…

Frammenti lirici

Poesia hermética – Ungaretti

Vita d’un uomo – Terra promessa

Eugénio Montale – male de vivere
Sentido mineral da vida

McCullers

Laranja, sépia, antracite, verde
Inocência paixão amor fertilidade

Fungando as mangas do casaco

Third day malaria

Cross eyed

Mashed rootabeggars
Collard greens

O cheiro dos pessegueiros
Campos trimmados
Chain gang songs

Plow shaft
Furrows newly plowed

Midnight burial in the swamp

Barrancos argilosos


Balada do Café Triste, McCullers

Alheiras de Piroclastos

Alheiras de piroclastos sociais
Coriscantes nas vascas da agonia
Dum verme meio-morto
Disformes bairros
Sem espinhas dorsais

Mário Mosca

Pigmentos

Pigmentos tintas grossa
Terbentina óleo seco aspereza
Linhaça brilho centelha limite
Cerda ráfia
Telas mimesis
Tábua
Entardecer grimshaw
Frandosidade frágeis galhos
Natureza

Madalena Nova

Roman Ingarden

Estratos de Roman Ingarden
seguindo os métodos da fenomenologia
de Husserl:

1 – Estrato fónico
2 – Unidades de sentido
3 – Ambiente
4 – Ponto de vista
5 – Qualidades metafísicas

Zenão

Ninguém tem dois filhos
E já nem o Zenão nos salva
Esquecemos a velha e eterna flecha
E leia nem um paradoxo nos salva

L’homme esi né poltron

Carla Corpete

Raio-X Organismo Decomposição

Dânticas aspirações de sonetos
Ocos como enquinados aquíferos
Com a leveza de grinaldas frásicas
Salada conceptual para a mesa 4
Com esfiapos de tordo-eremita
Que a dona L. resquenta e guarda na marmita
Turdus Aonalaschkae Pallasii
Na mesa ao lado um adónis dourado
Adornado de aromas melífluos
Expande o delirium tremens
Aos que não sofrem de sinusite
A cada garfada nova estocada seca
Nas costas de ex-alunos amigáveis

Lúcio Ferro

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...