4.7.10

Túneis

Durante a construção da avenida central do vale de Chelas nos anos 70, uma equipa de engenheiros foi paga para construir uma sequência de 7 câmaras subterrâneas. Um movimento de ex-militares suspeitando o advento da 3ª Guerra Mundial concebeu o plano de criar um refúgio à prova de Armagedão. Grupos semelhantes deram passos em Itália, Espanha e Grécia. Em 2025 realizou-se a última feira do Relógio. Nos idos anos 80 foi arrasado o Bairro do Relógio. A comunidade era composta de retornados da guerra do Ultramar e ciganos do Alentejo que sempre juntaram a sua indigência aos grupos mais carênciados como as doenças que sugam as últimas forças aos mais fracos.
O bairro ficava numa encosta baldia que confinava nas traseiras da gasolineira da Rotunda do Relógio.
Os construtores dos túneis secretos habitavam todos neste bairro. Os financiadores do projecto foram todos assassinados por forças do partido socialista. Alguns dos trolhas sentindo a ameaça fugiram para Marrocos. Partiram em barcos pesqueiros do porto de Setúbal à caça do peixe espada nas águas marroquinas. Muitos ficavam por Marrocos outros gastavam os cem contos do ordenado em droga para venderem nas costas portuguesas mas acabavam por consumir a maior parte do produtodando à costa novas espécies de imoralidade e vício.
Manel Torres Fez carreira pelos bazares e praças de Fez vendendo dentes. Andava com uma bandeja prateada carregada de molares, caninos e cisos apregoando a felicidade dum sorriso perfeito. Costumava arranjar o produto por baixos preços junto do coveiro do município um francês mal encarado.
O filho de Manel trocou a Medina pelas ruelas empestadas pela maléria do Guadalquivir nas redondezas pobres de Sevilha. Pescava motas e pedaços de carros lançados no guadalquivir e vendia as peças no mercado do Charco de la Pava. Foi num Domingo que se apaixonou pela sua mulher uma cigana de cabelo oleoso e olhos profundamente azuis que mais tarde veio a descobrir serem lentes de contacto. Quando o seu pai morreu recebeu de herança um mapa com a localização dos túneis de Chelas.

Lúcio Ferro

Destino

Comecei a criticar o governo
Perdi amigos conheci muita gente
Senti-me perseguido e cresceu em mim
Um rancor ácido como o mijo
Ressequido nos pilares duma ponte
Onde não passa ninguém e decidi
Emigrar, mas um vulcão prendeu-me
Numa sala de espera onde vim
Conhecer o meu actual marido, o destino

Lúcia

2.7.10

Busecke

Das Terras

Chaparro do Homem à sombra das sombras do Tempo que amparas as tardes nos teus ramos silencia as orgulhosas asseiceiras que se arrastam indomáveis nas planícies.
Chaparral imenso que escondes o Poço da Partilha dedilha o alaúde a cigarra entre uns canaviais ao longe na Barragem do Vinte e Dois.
Sesmarias terra do inculto e do abandono onde pastam a solidão e o vento.
Maninho estéril que te levantas infecundocongregação de baldios solos incultos onde lavra a ignorância respiram ao longo dos séculos sem donos que vos conheçam primos das Enxaras parceiros das charnecas avancem sobre vós as estevas a chupar-vos o sal das rochas brancas quebradas do sol e lamente-se a cornicabra sedada do chá da alcachofra velha.
Oh cornicabra essa outra que pintalga nossos horizontes Trás-os-Montes retira-te nos sesmos esconde-te dos aceiros foge do fogo que corta a eito. Negrita que te querem para escrava para fazerem de ti estaca e exaltar outras senhoras.
Água lustral que te envenena as têmporas boi conspurcado que não nasça mais de ti fruto como sinal.
Ajuntem-se enxaras cavalgue sobre vós o pôr de sol vermelho da morte do Verão.

Zé Chove

Assombrações

As vozes mergulham
Sensivelmente entre entre os anos
Ofuscam como um clarão
Se passam cadentes mais de perto.
As vozes definham sem eco
Caem na imensidão.
Como as vagas as vozes enchem-se
Nos peitos do vento
Forças invisíveis que se engolfam e despejam
Mergulham no silêncio como as gaivotas na noite
Dançam as vozes na escuridão

Nicolau Divan

Premeditação

Sou o ex-presidiário
Liberto à sombra do muro
Num escaldante dia de Junho
Trouxa vazia ao ombro
O que é que eu faço?
Já tou às portas da cidade
Algo me diz que me afaste
E o corpo que esse se cale
O que á que eu faço
As estradas refletidas
Nas lentes poeirentas
E as canções das cigarras
Secas na garganta
O que é que se faz?

“Stick it my veins”

Filipa Elites

Desolation

Live My Head

Miau miau miau jump clearer
Miau miau miau jump clearer
Like a cat might kill her

Live my head
With a big jump killer
You got to be kitten
You got to be kid’in
You should be caughten
You got to be kiddin
You should a go pausen
I’m in my hour
You got to be hidden
Your got to be partin’

Cyntia César

Synth ta falta

Precisamos de nada
Precisamos de nada
Precisamos de nada
Precisamos de nada
Cisamos de nada
Ninguém nos falta
Nada nos falta
Nada nos falta
Nada nos falta
I need ah I need Ah
I need ah I need Yah
Nada nos falta
Nada nos falta
Nada nos falta nada nos

Cintya César

Barbárie Pop

Se fossemos pacientes talvez
tivéssemos assistido ao nascimento
da Barbárie Pop o duelo
histórico entre Black
Francis e o Kurt Cobain

oiço gritos ali ao virar da esquina

Diniz Giz

23.6.10

Manuscrito Encontrado em Saragoça

Conversas

Na entrada do palacete havia um pátio murado totalmente possuído por uma borracheira descomunal. As raízes encapeladas abriam-se em túneis escuros que levavam a diferentes portões ou outros pátios. O pouco chão com que a árvore não rebentara era decorado com calçada portuguesa com desenhos incompreensíveis de tanta vez que tinham sido refeitos. Num canto dos muros descansava um banco monolítico de pedra escurecida e por cima tinha um painel de azulejo representando a espada de São Paulo. Era aqui que se costumava conversar...

Zé Chove

22.6.10

Doenças

Doenças. Tudo está doente. A doença é um estado tão natural que nem damos por ela. Somos doentes. Doentes em tudo. No corpo. No fôlego. No carácter. Nas coisas que possuímos. Ás vezes damo-nos conta dalgum quisto, de que nos atrasamos, da sujidade nas costas do nosso casaco, uma dor de cabeça ligeira mas persistente. Damos conta de algumas doenças nos outros, embora a nossa capacidade de observar também adoeça com frequência. Não são terminais. Nunca terminam. Provocam uma ligeira urticária se pensamos nelas. Como estamos doentes não existe um conceito universal do que seja ou não doença. Um hospital cura-nos de maleitas que nos obrigaram a ingerir noutro centro de saúde. Apesar de tudo conseguimos dormir relativamente descansados. Talvez seja outra doença...

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Memento Mori
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1399  - Jordi Savall
Medico della Peste
Le Royaume Oblie
Cátaros Cathar
Charles de Lorme
Máscara veneziana
Bico de Íbis
A cartola, o bastão para evitar
o contacto físico com os doentes

Tomás Manso

Medecine Interne

Salinas Brancas

Remansos cristalinos nos cantos
Dos olhos pureza estéril do sal
Salinas brancas que atravessam o gesto
Remansos líquidos que amargam o gosto
Geografias as covas do teu rosto
São lagos que absorvo com um beijo

Manuel Bisnaga

Esquecimento ou a Vontade de Desaparecer

Myriam et Mamadou
Guitarras dolentes africanas

O som das guitarras insinuantes africanas na tenda inicial da feira do relógio.
Mon amour ma cherrie

IARN – instituto de apoio ao retornado nacional...
Um homem da banca da fruta na feira do relógio contou-me a história da sua deserção durante a guerra do ultramar. Na altura refugiou-se numa aldeia zulu que o acolheu. Lá viveu 20 anos até ganhar coragem para voltar. Tinha medos das represálias pela deserção. Na altura nem soube bem quando terminara a guerra.
Agora gosta de tentar advinhar de onde são os pretos que vão lá comprar fruta. Sente alguma cumplicidade com eles. Eles nem por isso.
Quanto tempo pensamos que nos levam a perdoar? Quanto tempo leva um país a esquecer que existimos?
Não será o melhor perdão que se esqueçam de nós? Quando é que um país volta a abraçar os milhares que transgrediram a mesma cancela farpada que nós...

Na ânsia do esquecimento que a náusea por vezes provoca no diminuido.

Deuses Lares a quem se oferecia o fogo. O fogo que não podia extinguir-se pois era a chama dos antepassados o sacramento do passado que deve ser honrado.

Um beijo pode ficar marcado na consciência como um acto impuro durante toda a vida e isso é bom. Talvez sejam os melhores beijos...
A memória do gesto brilha como um diapositivo recordado às escuras projectado no silêncio do nosso quarto. Não te esqueças.

Nicolau Divan

Esboço

Almiscarada nava ou nova
Glosa de grosas ou grossas rosas
As grosas e as roças
A garota moderna do colar de pérolas corolas
Formosas borlas envoltas
Em soltas notas folhas vaporosas
Duma toga se esvoa uma névoa
O entorno, o contorno como de bossas
Formosas do torso onde me retorço
Aguento o dorso num escorço de esforço
Mas não lhe toco

Lúcia

11.6.10

Corpus - Sevilla

Scum

Inferno de rapaz que não sossega
Vais bater com os costados num colégio interno em inglaterra
O teu padrinho leva-te por uma orelha mares afora o mar vai esquecer as tuas lágrimas
Alimentado a tabefes britânicos

Paulo Ovo

Crochê


Loquazes cobres algozes sequazes
Estampido fulmina vozes velozes artrozes
Termina albumina anemia afasia
Rasganço golpejava
Lavores vergões verdasca
Derme freme treme creme
Brame derrame
Sardónico falsetto

Madalena Nova

Desabrochar

Medrou nele a veia poética. No dia em que teve de escrever um requerimento ao reitor do seu estabelecimento de ensino a fim de que lhe reavaliassem um exame, aí, foi o flagelo da lógica que despontou. Na manhã seguinte tendo sido acordado pelo avô jazendo ébrio ensopado em vómito à porta do elevador do prédio esboçou uma máscara de sofrimento, aí, despontou dionísio.

Filipe Elites

Segura

Só se sentia segura
Se ele se apoiava com as suas
Amplas mãos sobre os seus
Tensos ombros
Nunca se tocavam

Madalena Nova

Aprender a Falar Sozinho #5


  1. Regatos transfiguram de brilho as colinas
  2. Indolentes sorvem as lamas em lenta queda canais de desejo

  1. Kingfisher – guarda-rios

  1. 4 chopas, 3 besugos, 1 pampo, 5 cavalas, 4 fanecas, 8 douradas, 1 sarguete, 2 parguetes e o quinhão habitual de bogas.

  1. A vida transcorre
Pelo mesmo regato
Estação após estação


  1. Princípio
Senhoras e senhores: Fuga
Cresce o casario
Os campos de arroz

  1. Vivemos entre gigantes
Emersos nesta batalha em que valemos
De moeda de troca
Olho por olho alma por alma

  1. Sua besta acha que consegue enfiar essa peida nessa cadeira – língua mirrada – fingir que anda de carro debaixo duma planta na sala de estar – pontapés na porta da cozinha quando havia visitas – ele não disse porra – cair no lago – gordo que os salva – esfregaço com aguardente – mãe e filhas declamando poemas de memória.


  1. Só começo os livros para lhes roubar um mote para escrever. Absorvo o ambiente geral e como sou mal educado começo eu a contar a minha experiência em casos parecidos. Nunca termino os livros porque a indefinição das histórias inacabadas é muito mais suculenta para a imaginação.

  1. Aparência envolucro
Que deixa intacta a essência
Mas estilhaça o conceito

Direitos

Queres que te estudem
Queres que te erijam um totem
E que te estudem como raro espécimen?
Tens de experimentar
Sem esperar que te entendam
Não conceder o ritmo
Não forçar o tempêro
Não mostrar toda a pele
Não condecer o dinheiro
Sem esperar que te entendam
Não cinzeles a lógica
Deixa que emerja a rocha
Não alinhes em revoluções
Deixa que erijam o totem

Diniz Giz

Aprender a Falar Sozinho #4

  1. A melodia dos planetas só pode ser metálica, esférica e cíclica, lisa e imaculada pela perfeição moldada de milhões de explosões instantâneas.
  1. Orfeu Filisteu Morfeu
  1. Depois
  1. Turfa que o mar depôs
  1. Processo de fabrico do linho
  1. Difusão
Fadiga
Alfândega

  1. Alguns usurpadores arrebataram
Todos os ditos e sagas

  1. O ódio veio à tona como uma grande ovo tão puro.
  1. Hoje quero morrer sufocado em teu perfume enjoativo
Sentir toda a intensidade da tua presença
Definhar sob o teu peso o teu ser ancorado na minha glória

  1. Sevícias se as vísseis

Aprender a Falar Sozinho #3


  1. Alijar deitar fora
  1. Gostaria de vos confidenciar
  1. Entregava, Agrava, gaivota
  1. Gavota, gavião, grave
  1. Este mundo tem três cores para cada um. Eu roubei o vermelho, o branco foi me dado e o preto vinha por defeito. És um cão?....
  1. Algumas mulheres permanecem coloridas, espalhafatosas mesmo depois de terem dado à luz outras debruam-se de preto e branco.
  1. Com a genica dos borregos que cabeceiam as tetas para que o leite desça.
  1. O iracundo e a sua capacidade de contemplação
  1. Morávia, Trieste, Ícones
  1. Lamento sobre as pedras do templo

1.6.10

The National

Aprender a Falar Sozinho #2

  1. Não atraias o olhar
Vingativo do dragão
Perseguem-te as sanguessugas

  1. Sabão de feno, diáfano, triângulo escaleno, plectro tuas cordas virginais.
  1. Na Sé ecoavam os metálicos choros dos carris dos eléctricos e das catenárias vergastadas pelo vento.
  1. Mordo as pontas dos dedos
E marco as salas SALIGIA.

  1. Surto de sepulcro.
  1. Nagalho tritão neptuno bestas marinhas golfo remanso polvo tentáculo afundo
  1. Nada te peço por nada
  1. Confiança dizia o tio – Todo o mal foi vertido em nós do alto. Não há remissão
  1. Alijamos o conforto caseiro se o inferno rosna lá fora?
  1. Ovídio devorava Heavy Metal Dvorak até ao Feedback total do ouvido

31.5.10

Aprender a Falar Sozinho #1

  1. Não bebas sumo do copo retro-viral
  1. O cão do mestre – o mestre seco – o filho do mestre – a polícia marítima
  1. Ipecacuanha – vomiting
  1. “Deve ser muito bom comida já estragada”
  1. Cantus Circaeus
Jessika Kenney
Oratorio – Renaissance
Zu – Carboniferous
Plectra

  1. Esclareço: Ajuda o trânsito intestinal = Ajuda a cagar
  1. Ben Hecht   Howard Hawks  argumentistas
  1. Padieiras do mundo inteiro ostentai o sangue do cordeiro
  1. Coração torrão de terra
Calcado aos pés dos animais
Espargido em nuvens de pó nos baldios

  1. Pálpebras pétalas de rosa
Bochechas de damasco
Ceara loira raízes dos cabelos

Dark Throne

As ondas increpam aos céus numa extensa revolução de braços erguidos. A multidão que brame. As fauces do pélago arreganhadas abocanham os limites do céu que se ri profundo bréu.
Abrenúncio! Gritam as vozes
E o céu desperta a chorar. Negro como o dorso do tubarão. Mansidão de negrume a perfeição da noite.

Valter Igor

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...