24.5.12
22.5.12
Cordas e Corpos
memória enforcada que o corpo
não absorve trauma despenho
da lava ribanceira de fogo
que mar não engole doença da alma
um segredo na lama pantanosa
um miasma de osso pulverizado
violência esquecida no esqueleto
que geme pranchas sob suas botas
o ânimo rompe em lascas de lágrimas?
o corpo dissolvesse em ácido rancor?
espinal medula exposta ao vento da vergonha
o despenhadeiro derradeiro da corda
que balança perto do candeeiro medonha
o retesar do pescoço o cordel estoura
Diniz Giz
Trip Luso-brasileira ou Brasa Lusitana
bebe bebe bebe leve cada vez
mais leve
quem se atreve a questionar
os homens que estão em greve
sem trabalho sem comer
sob o sol ou a chover
mil homens são um homem só
figura decadente um traste mete dó
de que estamos à espera
que passos estamos a dar
que vamos tão apressados
os olhos sem se fixar
corpo de máquina sem falar
que ímpeto tão cego te leva a caminhar
e de súbito aceleras
pelos corredores afora
todo engravatado
o rosto esbaforido
um ar desconsolado
técnica, técnica
desenvolvemos tanta técnica
que já nada fazemos que tenhamos de usar as mãos
e andamos tristes se as coisas não chegam ao correio
e acreditamos que toda a felicidade se compra com dinheiro
e corremos para o metro e não queremos suportar o nosso próprio cheiro
falamos rápido pelo telefone e embasbacamos entre companheiros
não aguentamos e não aguentamos a líbido dispara na internet
mas nunca tocamos numa mulher
não aguentamos as defesas caem online e abrimo-nos à loucura
mas nunca afagamos uma nuca, nunca beijamos uma boca, enfiamos a touca
não quero mais dançar o tecno não quero dançar eletrónico
eu quero dançar agarrado a uma dama eu quero dançar o forró
II
aqui estamos olhando atentamente os calcanhares
curvados em prostração reverencial
e nem nos atrevemos a levantar o olhar
elas bailam e nós veneramos
são as passistas no calçadão
que passam de patins de ar distraído
shortinho curto e cai-cai
com os fones nos ouvidos em plena abstração
passam loiras passam morenas
passam índias passam mulatas
e os nossos olhos giram presos de admiração
vergamos as cervis pasmados
vivemos presos de tal imigração
passam alemãs passsam chinas
passam brazucas passam irlandesas
quase deliramos com tal manjar rodopiante
que por nós passa veloz
que por nós passa sem olhar
de olhar semicerrado
com o queixo empinado
e quem nos dera saber patinar
e partir na sua esteira
e caçá-las em movimento
e amparar-lhes a cintura
suste-las no ar um momento
a brilhar no calçadão
deslizando em copacabana
patinando ipanema
III
daqui prá frente só fica mais penoso
uma já foi uma outra aguarda à porta
que te facilita o caminho e o torna mais prazeroso
uma é difícil a segunda é custoso
a décima ainda deixa culpa a vigésima é um jogo
mas o abuso vai apagando a imagem
do que foste e não és mais
és um adulto com cara de puto novo
com um peso na consciência
que dia a dia fala mais rouco
que cada dia a dia fala menos e te vai deixando louco
o castelo vai crescendo à tua volta
pedra a pedra te foste cercando nesse calabouço
agora estás sozinho
gritas alto mas não te ouço
vais morrer sozinho meu grande mentiroso
estamos a falar claro?
ou temos que falar mais alto
sentiram o nosso encosto
ou temos de espetar a faca
vejam nossos olhos raiados de vermelho
pal palmas
pal palmas
sal saltem
sal saltem
o dia dontem não vem
o dia dontem nãovem
sal saltem
homens ao centro
meninas na parede
pa parem
pa parem
não olhem
façam o que vos mando
não pensem
vamos caçá-las
as caçulas
sol sol
que assolas
os casulos das borboletas
e das
eu vou cantando o que sai
o meu amor não é firme
é flexivel como chicote
quando estou a vir-me
embora dou-te um beijo no cangote
IV
e já na noite rodeado de cuícas
sons estranhos dos becos e avenidas
tento fugir dos ladrões e dos polícias
me enfio por entradas e me perco nas saídas
o dorso do meu cavalo
prateado do suor
de correr atrás do amor
é um sinal minha amada
e nos céus tingidos sangue
um passarinho avoa
é um coração exangue
sob os telhados de Lisboa
falo de amor mas não sou que falo
é caetano e chico juntos
é bowie e lenon na casa
que nunca namorei neste mundo
a filosofia abeira do precipicio
faz-me suavemente balançar
prefiro umas mãos que em silêncio
carinhosamente me venham empurrar
caridosamente
V
caixa de lata
chocalha
com os tostões
negócios falhos
pobre portuga
largado
pelos mares do sul
já do sol tostado
o lusitano
casado com a mulata
de sunga e chanata
virou baiano
virou o vira axé
e o choro era fado
agora só come filé
farofa e feijão no sábado
trocou o azeite por mangue
e as rendas por cipós
cruz de Cristo no sangue
lalalalalalalalaços
que nos prendem
laalalalallalaços
de sol e luz
como espantalhos
fazemos o que nos mandam os céus
lalalalalaços
voamos entre as ávores
como as nuvens entre as montanhas
somos espantalhos
amassados de velhos trapos
cangote do corpo amado
a que apoio nos dias maus
cangote abençoado
onde assentei arrais
és um porto seguro
um abrigado cais
VI
caveira de rubi
onde prescruto o passado
o meu futuro entrevi
que o destino está traçado
entre as ondas dum tesouro
em que encontrei tal caveira
busco um artefato outro
que mude a dianteira
do meu novo convertivel
converta-se arrependa-se
arrenda-se esta morada
esta casa da alma
GNR e Chocos-com-Tinta
ouvindo GNR a caminho de Tróia
sinto me portugal sinto me insular
sonho lusitano sonho bailar
sou um reininho se vou a tróia
e agora instala-se a Troika
é uma cadela putana Tróia
que antra por trás
se a noite vem
se ela se vem fica mais louca
é Sesimbra ao longe
é uma barca
afunda-se o sol
sebastião salgado
o sol afunda
no mar salgado
descargas de choques
no porto de setúbal
choques de tinta
laranja e rosa
bloco na estrada
bloco na cavidade do dente central
devoro a carne toda
resvalo na rocha
Venham as Febras, Venha Mostarda
venham as febras, venha mostarda
salta a cancela, faz-te à estrada
foge com as cuecas na mão
que o país nada tam na mão
e tenta caçar-te pelas cuecas
como à tua prima
que foi caçada em contribuições
faz-te ao mar
e não olhes pra trás
engole o oceano se estiveres com fome
vive na praia
agarra o último camarão
antes do pôr do sol
e se o papão tentar segurar o bolso
morde-lhe a mão
não te prendas com as dívidas
Nada sem Ar
nada se entende nada sem parar
que quem nada não se afunda
e se em nada se afunda
já mais se afoga
quem escreveu esta barbaridade
prendam este selvagem
abracem-no na esquadra
que lhe sirva por muitos anos de estalagem
despejem mosquitos e outras pragas
nas frinchas da janela
tirem-lhe o ar
Tragádias
maremotos de lágrimas
coados num boletim de tragédias anual
quero engolir os teus mosquitos agora
apreciar as crostas de sangue ressequido nos pulmões
oh morte adiada em frigoríficos sociais
Abat-jour de Enfartos
um abat-jour de enfartos
uma malga de ácaros
e um relógio que bate em retirada
os passos sobre a água das pombas
fedem
fedem
os canos nas trapas
fedem os canos pluviais das casas
choram os líquenes nos beirais
e ao fundo as paisagens desfocadas
Mosquito Dengoso
16.5.12
posurbano pseudoimigrante com um pezinho nas pistas de dança
os ban a delapidarem o bowey
e os heróis do mar a cravarem em não sei quem
dá me um ideal
meio arraçado
dá um ideal
de cigano
não engraçado
dá-me um abano
escorraça-me do país
põem me num chaço
dá-me um abraço
e despacha-me pra outro país
esta crise não se aguenta
vou sair de boteco em boteco
refazer os nossos passos
deixa-me surdo
deixa-me surdo
por um segundo
deixa-me surdo
entre os tanques de sangue do mal
caminho de postos no sol lá no alto
de ficar da sua luz não tenho temor
guia os passos faz me ir até ti Senhor
Cague de procurar um país para morar
nuns dão-me trabalho e despesa
noutros não me dão nada
brasil, macau e dubai, angola ou dinamarca
sensação de aperto uma vez mais sem grana
aperto o cinto já todos os ossos sinto
onde outrora corriam sonhos agora só vejo problemas
e tento em vão socorrê-los mas eis que se afogam
em mais uma caneca de cerveja
deve ser isto a idade a adulta
um desejo de comodidade uma vida sem necessidade
quem me dera aposentar-me e não ter de pagar a conta
mas por todos os lados me chulam
não aguento mais a afronta
vou mergulhar na próxima onda
vou fugir mar adentro
cada passo mais um pedaço
de carne cai no asfalto
deste caminho sem esperança
deste futuro sem brilho
um dia acabas os estudos
e no outro já tens um filho
chamem a polícia dos trabalhadores do comércio
foi uma referência no último trabalho dos Franz Ferdinand
se quero te fazer leve
ergo-te pelos calcanhares
elevo-te
Plantas Nocturnas
madresilvas
águas vivas
petúnias vulvas negras
mantas bafientas capas negras
paredes molhadas de nevoeiro
à luz esverdeada dum lampião
na sombra esmia um gato preto
Punk Portugal
é pá põem o som no máximo
jinga com o baixo
matraca a bateria
e faz voz grossa
benvindo ao punk portugal
vem garina mais destinta
cheia de pinta
brincar no meu jardim
vem beber um café
vem brincar no meu bidé
quero partir antes dos 40
não paro de tossir
deste ar enfermo de lisboa
que me oprime a cabeça
e me arde nos pulmões
Esta cidade é só mamões
vou partir quando tiver guito
vou juntar pra abalar
não me venham convidar pra ir ao bairro
quero partir antes dos 40
Amores Marinheiros
parte o navio no azul do céu
e um tapete negro de sargaço
mergulha à noite em solidão
São Martinho tarde de Verão
incandescente ao alto o farol
ajoelhadas rochas de mexilhão
pesam me na partida
os marcos familiares da ilusão
Amor por amor enjoa
ai mar pelo mar me envolvo
até nas fozes penetrar
e conhecer os portos sem destino
minha saliva é salgada
e doces minhas lágrimas
meus tesouros os trago no barco
minhas penas as largo nos rios
Eu quero o Inverno
Começa agora a primavera
e a andorinha agonia-me a manhã
o sol rebenta-me nas têmporas
e a chuva destroi-me o fim do dia
eu quero o inverno
eu quero o inverno
febre dos fenos e picada de abelha
a alegria irritante dos vizinhos
os putos em casa sem nada para fazer
e do Verão nem quero falar
eu quero o inverno
eu quero o inverno
carnaval é sempre igual
e a cachaça o mesmo vómito
dêm me tons de vida cinzentos
dêem uma vida banal
BR 110
Benvindos todos ao barraco do amor
vão tirando as camisas
no cabelo prendam uma flor
sintam na pele as doces brisas
vou percorrer a avenida Brasil
de Iguaçu ao amazonas
por companhia os micos e as anacondas
atravesso o continente num ritmo febril
ao som do funk e do pagode
ao som do forró e do axè
maracatu no mangue
sertanejo no meu sangue
samba e xangô
vou percorrer a brasil
desço aos beijos a espinha
da minha mina
br 110 é minha vida
Onde está o Bardo
que guerra é esta sem armas
onde hei-de feri-los para que morram
que angústia é esta que me alimentam
que tentações são estas com que me calam
onde está o bardo que nos afogamos
está bêbado lá no porão
chorando velhas batalhas
com os sentidos de plantão
Post Title
corre corre entre as ruas sem luz
adivinha as esquinas no bréu
é o caráter falhado
mais um beco fechado
ouve o arrrepio dos gemidos
vindos das janelas entreabertas
sem vida
os gemidos do desespero
mergulha na cegueira urbana
atravessa a fronteira
e deita-te no passeio
com o pescoço na soleira
e sente com alivio
todo o peso da nação que estaciona
na faixa proibida
da esquina e te arrebenta
o pescoço sem que ninguém veja
partes o cordão em silêncio
um último passo rasga a última fímbria
de pele que te envolve a vida
e a espuma derrama-se em borbotões convulsos
na libidinosa língua de alcatrão
Lúcio Ferro
pingo
pingo nos tanques de água gelada
uma gota pequenina na nuca da serra
que se arrepia e solta pelos vales
as neblinas que envolvem as matas
Ohs
Eu sou a ventania entre as vinhas
eu sou o socalco da cereijeira em flor
oh passos perdidos sobre o horto
vem salvar-me oh Redentor
perdido nos terreiros
ecou-o nos vales sem chão
porque eu sou filho pródigo
vem a mim oh salvador
12.5.12
Hino
a garganta da viela sugava o tom laranja da iluminação para um negrume húmido que envolvia os passos que se vão tornando mais silenciosos quando deixam de ecoar nos muros da viela para se perderem na imensidão aberta ao espaço dos baldios. saímos do conforto urbanizado que nos encarreira o vaguear adentrando na amplidão dos terrenos selvagens, são eles que suportam a cúpula da noite, transpiram de orvalho o peso milenar das estrelas que os subjuga como a um escravo de uma grande rainha que lhe toca no manto e lhe decora a beleza distante sem nunca lhe tocar.
Orlando Tango
Orlando Tango
Petiscos
Quem consegue dormir o chinfrim
do homem do lixo às 3 da manhã
quem consegue dormir
com um corpo morto ao lado
botecos ao sul do equador
onde a vista não alcança
lonjura da selva tropical
a proximidade do que está a mais
árvores, lianas, cipós
do homem do lixo às 3 da manhã
quem consegue dormir
com um corpo morto ao lado
botecos ao sul do equador
onde a vista não alcança
lonjura da selva tropical
a proximidade do que está a mais
árvores, lianas, cipós
Fossas Marinas
antes de nos irmos quero te mostrar
tudo o que podiamos ter feito
antes das mãos do tempo nos separar
quero prencher o fosso
antes de ires
quero que saibas
quem te pariu
pra que não caias
antes que saias
quero que vejas
quem são os teus pais
e que não esqueças
quem foi a terra
se foi do ar
dentro da água
não há mais mar
A Mulata e o Tuga
Mulatinha curvilínea
vem ser minha rainha
me ensina o carioca
que eu te ensino
O luso egrégio
mulatinha linda
você me tira do sério
você me tira da linha
Filipe Elites
De Partida
Se me cheira a compaixão faço-me à estrada
nada me detem nem sequer uma lágrima
ponho os pés no chão e a vida numa mala
vou partir sem pensar adentro da madrugada
e se no nascer do sol ouvir
os lamentos esparsos da passarada
tingidos os pensamentos doutra vida
as memórias duma pessoa amada
assobiarei ao céu distraído
para afastar do coração os fantasmas
para o brasil vou partir
não me esperem para jantar
eu depois mando umas cartas
Zé Chove
nada me detem nem sequer uma lágrima
ponho os pés no chão e a vida numa mala
vou partir sem pensar adentro da madrugada
e se no nascer do sol ouvir
os lamentos esparsos da passarada
tingidos os pensamentos doutra vida
as memórias duma pessoa amada
assobiarei ao céu distraído
para afastar do coração os fantasmas
para o brasil vou partir
não me esperem para jantar
eu depois mando umas cartas
Zé Chove
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