20.5.08
19.5.08
Haceldama
Haceldama
Submergiste a imensidão dos teus caprichos
Com o bálsamo do seu amor
Colado à pálpebra dos olhos
O abismo entre Lázaro e o Rico
É grande mas na terra era pequeno
Ter sido os melhores
E os melhores os priores?
Também lanças trigo bom para debaixo da terra?
“O coração é tudo o que há de mais astucioso.
E não tem cura.
Quem pode conhecê-lo?
- Posso Eu, que sou o Senhor: penetro os corações
E aprofundo os sentimentos, conforme o fruto das suas
Próprias obras”.
Um gesto pode inverter uma atitude
Bastava um pão dum lado e uma migalha de ódio
Do outro e ao contrário perante o abismo ficariam
Abismo que era um portão
O coração é tudo o que há de mais astucioso
Ou no triclínio sob tectos rebocados
Sempre sentiremos repugnados
As lambidelas dos cães impúdicas
Nos lambuzassem os olhos
E deixássemos de ser cegos
Amicus Dei essem si voluero
André Istmo
Flutuante
Tenho de me vacinar todos os dias
Elevar a comoção até ao céu
E chorar inconsolável
No escuro da sala de cinema
Rodeado de artigos americanos
Engastado num conforto aburguesado
Que me faz dançar nos halls
Em pedra das empresas
Assisto a secretárias apaparicando
Ao patrão errado
Ensoparam o cacto de plástico
6ª feira dourado cara e casaco
Ofusco a plateia sou promíscua
Lantejoila
Pões no canal dois
E intelectual serei
“Amo ergo sum em justa proporção”
Mas se Zappas fico com fome, sou assassino,
Choro fungando a colcha
E incorporo ideais até ao fim da vida
E faço chacota
Do meu vizinho do bigode escafiado
De tanto chorar
Pelos emigrados filhos em Espanha
Marco Íris
17.5.08
Meditação Oriental #2
Já em criança sustinha
A respiração com medo
Das doenças ao passar
Pelo talho entre as carnes
Onde cospem as varejeiras
Filipe Elites
Afago o Grácil
Uns palmos a mais e tinha vista do mar
Ando com uma defloração no cotovelo
Como escamas talvez da veia marítima
Bebedeiras em bares mal-afamados
Venho curá-las a casa
com lamentações
uns palmos a mais
maldito cotovelo
Sentado de perna aberta
Na retrete
Mando grandes arrotos para acordar
A vizinhança
A bezana, o reflexo do azulejo
A intermitência
Do néon no espelho
E o balançar do badalo do autoclismo
Sacodem memórias
Senão todo, pelo menos parte do filme
Da minha vida
E ainda algum recheio.
O álcool benfazejo
anestésico
De queixo caído quase babado
Abre as comportas ao grande rio de ideias
luminescências, relâmpagos,
Conceitos morais, projectos de vida
Agoniado com o cheiro na roupa do tabaco
Apoio a cabeça ao toalheiro
Bem poupo no uso do papel
Higiénico
-Dobra e volta a usar-
Afago o grácil
Onde estão os pátios
À noite sob o céu de Verão
Onde está tocador do alaúde
Ainda não cheirei a ambrósia
Onde se esconderam as garotas das saias
Compridas e os decotes enfunados
Onde estão as palmas
Espeto a cara toda na almofada
O pijama e a barriga para baixo
A neblina sai do corpo e evapora
A cabeça
Anestesia geral e sonhos
Pelos becos fora
Diniz Giz
Sem paráclito
Toda nua
Na manhã chuvosa
Deitada no viveiro das trutas
Olha o céu desfocado
Bebeu dum trago o leite
Estragado o coração amargo
Chora pelos cabelos
Água e lama
Alma poroso esqueleto
Sem paráclito
Lambe no gelo
Os reflexos perdidos
Lúcia
Meditação Oriental #1
Deixó fuçar um pouco mais
No seu vómito
Não vês como se diverte?
Mas se vires que se afoga
Estrafega-o pelo cachaço
E esbofeteia-o até acordar
Olhará para ti como o seu salvador
Lúcio Ferro
Under Pressure
Estuporadas meias têm um elástico
Tão forte que no final
Do dia parece que andei de grilhões
Dos sulcos na barriga das pernas
E com os pés inchados
Filipe Elites
13.5.08
Resgatai-nos
Afogados entre lajes
Passos ecoam em labirintos sombrios
Incontáveis escadarias e patamares
Torres de pedra esquecidas
Baldaquinos empoeirados
Dominamos alguma matéria
E ao final do dia
Ao som de sintetizadores épicos
Imortais depositamos nossos corações
Em redomas de cristal
Resgatai-nos!
Com a diferença de séculos ou horas
Chegam de longe através
De fundos rasgos na pedra da fortaleza
Sons infra-humanos
Zé Chove
Razão e
1 de cabeça pra cima
outro de cabeça pra baixo
patas com patas vão-se debicando
vergando o ramo
Carla Corpete
4.5.08
Entre Arbustos
Entre arbustos de humidade frondosa
Escondidos pelo final da tarde
Estreitamos pétalas de rosa
Entre a língua e o palato
Como se cometêssemos pecado
Entre o púrpura e o amarelo
Encontramos rostos salientes
Ora nos são carícia ou flagelo
Concatenam nossa vida elo a elo
Lúcia
Corpo e Alma
Parti do centro do livro e fui
escrevendo em espirais
cada vez mais longe fui
rabiscando nas esferas siderais
envelopes lacados
vários utensílios de escrita
linguagem supersónica, transcendental, hieroglífica
pela fresca
a árvore solitária
a única na terra
reminiscências de distúrbios
do foro psicossomático como
fogo que segue lavrando
nos interstícios das paredes
várias horas após a circunscrição
do incêndio.
bico de íbis glamourosa e perigosa
sentada entre lençóis secando
no estendal e eu desramava a árvore
Arnaldo educado nos círculos
mais oblíquos da sociedade partiu
o copo de cristal de Murano
com a dentadura
Síndrome de Koestler ou efeito de Kropler
- Atrapalhação. Chegou-nos o estampido
do copo a estalar através
da sombra do alpendre
A matéria
Mas por mais que meditemos ou escrevamos
- Opá – Espetei de novo a cavilha na granada
Mas não deve resultar –
O espírito é um mau barro
Por mais voltas que dê o oleiro
Jamais será moldado
Paulo Ovo
2.5.08
Bucólicas
Num plácido domingo o cavalo
Do meu primo comia no pátio
Uma mecha de loiro cabelo
E os fios abafavam-lha traqueia
Deitado na tijoleira da cozinha
Encontrava conforto hipnótico
O serrar das cigarras no jardim
Boiavam calotes de laranjas
E metades de porco-da-índia
Marinando para a janta
Diniz Giz
Dos Beatles
Sucedâneos de beatles maravilha
Das maravilhas o psicadelismo
Pop elevado à enésima
Potência pensada
Para agradar melodias
Verdadeiramente melodiosas
E ritmos metronicamente
Estudados por favor
Não larguem perto
Das crianças que podem ficar
Perturbadas
Marco Íris
It's A Kind Of Magic
estas pedras da calçada estão coladas
com pastilhas elásticas
na infância bebi champô
e comi baton
toda a tarde debitando
patranhas e ridículos planos
tomando concentrados de estupidez
arrotando como alarves
debatendo temas cada vez
mais sinceros – travertino – uns com os outros
e no final do mês
o total da despesa
enviado foi um enviado
que dominasse as nações
cresceu a flacidez debaixo dos braços
escrevo esta carta final
antes dum banho relaxante
estou todo pegajoso
nas zonas onde dobra o corpo
todo o dia não me saiu da cabeça
que a justiça é a mais cabal
prova de existência de Deus
Ela escrevia como os esgotos
desaguam no mar
chorámos juntos pelos pobres
comunistas e socialistas que ainda esperam um salvador
passam as noites tentando salvar o mundo
enquanto caem à velocidade da luz num poço sem fundo
vêm tudo rapidamente e não agarram o tempo e não sentem dor
estou aqui nesta alcova
quase beijando estes novelos de lã
beija beija antes
que seja selado o féretro
beija sem desmaios não se sobressaltem
os demónios estás perto
de completar o mais perfeito ritual
as formigas soluçam de dor debaixo da terra
unge toda a horta com escarros pagãos
Religiosidade e bem parecer?
Saltitas com cara de santo
roubando no supermercado
tiras de bacalhau (seco)
irritas-te com os filhos dos outros
se não se calam...
Entrega cabal exige-to protocolo
Em cada minudência
Aplicas toda a tua sabedoria
Mas não fazes as coisas ao acaso
Abdica, abdica, abdica
Ecoa o poço sem fundo
Engole a pedra e não devolve o som
Talvez já não haja vida...
Orlando Tango
15.4.08
HOMEM PARA DEUS
onde morrer um pouco toda a morte que o espera
Se é ele o portador do grande coração
e sabe abrir o seio como a terra
temei não partam dele as grandes negações
Que há de comum entre ele e quem na juventude foi
que mão estendem eles um ao outro
por sobre tanta morte que nos dias veio?
É no seu coração que todo o homem ri e sofre
é lá que as estações recolhem findo o fogo
onde aquecer as mãos durante a tentação
é lá que no seu tempo tudo nasce ou morre
Não leva mais de seu que esse pequeno orgulho
de saber que decerto qualquer coisa acabará
quando partir um dia para não voltar
e que então finalmente uma atitude sua há-de implicar
embora diminuta uma qualquer consequência
O que Deus terá visto nele para morrer por ele?
Oh que responsabilidade a sua
Que não dê como a árvore sobre a vida simples sombra
que faça mais do que crescer e ir perdendo as vestes
Oh que difícil não é criar um homem para Deus
Ruy Belo, TODOS OS POEMAS I
Nocturnos
Percorrendo as sebes e cercas
Destas ruas até a mão ficar dormente
Correm os cavalos no ginásio
Até de madrugada
Fizeram fogueiras junto ao mar
Barrotes de armar barracas
Borbulhando o aroma
Do petróleo queimado
Na cama penso sem interrupção
Num como pai o outro o mais velho irmão
Corre corre corre corre
Corre corre corre corre
Toda a noite num sufoco
Ansiando a madrugada
Corre corre em alvoroço
Mãos sapudas de noite
Percorrendo as sebes e cercas
Destas ruas até a mão ficar dormente
Passei com a minha avó
De visita ao apartamento duma sua
Amiga cubana
Num prédio pouco iluminado do Bairro Alto
Dona I. Cantora conceituada de Cabarets
Bem afamados
Jogam as duas crapot
perdido entre armários tapetes e vestidos
no escuro envolvo-me nos veludos
perdido sem ar toda a noite entre mantas e sobretudos
num muro iluminado a lampião
ressequido e ensopado
ressequido e ensopado
de mau cheiro
bem a vermelho com pontos
de exclamação
Vamos Ochupar Lisboa
Mãos sapudas de noite
Percorrendo as sebes e cercas
Destas ruas até a mão ficar dormente
No cadeirão de veludo
Gania o meu tio
Uma idade existe em que os meninos
Parecem meninas e as meninas
Parecem anjos
Desligado o candeeiro
Não conseguia dormir deitado
Verde-hirsutos de porte
Esbelto conformam as alamedas
Com eles chora
O vento sobre
A campa da minha ofélia
Mãos sapudas de noite
Percorrendo as campas
Destas ruas até a alma
ficar dormente
Zé Chove
Noite Profeta
de madeira velha
através da porta aberta
oiço a mata que clama
através da noite profeta
não se vêem as estrelas
as urzes transpiram secas
onde os mochos ululam
numa noite profeta
a cabana é sempre meu caixão
e lamenta toda a floresta
e através da porta aberta
amortalha-me em escuridão
nesta noite profeta
Desejos Matinais
Cão desejosos de em fato-de-treino
encontrar as cadelas das vizinhas
Manuel Bisnaga
Chorando na Missa
Quando absortos em orações
Ajoelhados na igreja
Antes da missa começar
Numa angústia atroz
Em deslavada carpideira
Implorando a Deus um milagre
Subiu ao presbitério
Chorando a intervenção do padre
Para adensar o mistério
Era constituída a assembleia
Duma amalgama de carantonhas suspeitas
Ameaçava atrasar-se a cerimónia
Pois perante tamanho imbróglio
Ficámos presos de impotência
E instalou-se o desconforto
Até que uma paroquiana
A arrastou em baba e ranho
Através da nave central
Durante a missa ecoaram até ao final
Abafados pelo carvalho do nártex
Gemidos arrítmicos guturais
Lúcio Ferro
Outras Vidas
almejamos a excelência
que reparem no nosso esforço
não queremos
transparecer naturalidade
e vida airosa
vivemos à tabela
sem desperdiçar um minuto
murchamos nossas potências
em favor da força do grupo
mas à noite libertamos
de novos as bestas
Filipe Elites
Convento dos Capuchos
palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...
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Entre 1241-42 os mongóis invadiram a Hungria. Lamento pela Destruição do Reino da Hungria pelos Tártaros Escrito por um clérigo da época. Tu...
-
palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...