16.6.11

Vidigal by Night

Street Fighter

fixação obsessiva atenção
esmagada sobre a carne exposta
com a corrosão do limão
infligindo dor - ela gosta

ela delira com a pressão
o choque dirigido sobre os quadris
ave em queda livre o avião
o turbilhão agiganta-se e tu ris

irisão angioma que aflora
ardor de prazer que faz ebulir
as lágrimas no pescoço amado

vêm agora os gemidos agora
o brandir do sabre a cuspir
o sangue no pescoço decepado

Zé Chove

Forró-Afandangado

caqui ou dióspiro
suspiro, suspiro e inspiro
cofio a patilha que é costeleta
e masco a pastilha-bala
e se a bala é bala
é porque com ela ninguém se mete
que ainda se mata
oh mata atlântica oh mate Leão
aqui pantera mais fraca é uma onça
e o torniquete baptizado catraca
Zé da Catraca sem que tenham de pagar portagem
que aqui é pedágio
não pelágio não ao negócio
não ao contrabando nas ruas do crack
mais um galho que se quebra
que se corre o bicho pega
que a pêga não é bicho até o cego enxerga
que o governo é o chupacabra
todo o mundo verga
perante a bunda mais larga
perante o mundo eu tiro o pote da farofa
e me chamam de bimbo que lá é brega
e danço tanto vira num samba de palavras
que a camiseta se cola à parte de trás
da t-shirt e desapareço, dou de fuga
em busca da frescura dum boteco no interior
resguardado da praia mais larga
escondida da polícia abafada de côcos frescos
e meninas de canga de pele morena
e uma estridência na voz que me deixa Corcovado

Sôr Flamengo

Condicional duma História Mais Longa

e se abandonar o nosso lar contrafeito
deixarei rastos da minha carne no hall do elevador
lunático e definhando caminharei as ruas sem ver o sono
como um cachorro rejeitado que lambe as chagas provocadas
pelo mijo seco dum leito passado

Filipe Elites

Controlo de Pragas

Depois de 3 meses de busca no Rio decidi aventurar-me pela Ilha Grande onde sempre precisam de garçons e copeiros num dos 250 motéis. Acabei por ser contratado naquele ano para integrar uma equipe de controlo de pragas símias. Os miquinhos andavam com a raiva. O nosso trabalho era proteger os turistas sem que se apercebessem da carnificina operada na selva infernal vizinha das paradisíacas praias. Os danados são loucos por bananas passadas do ponto enganávamos os macaquinhos como crianças doidas por gulodices... Chegávamos a casa com sangue até às cuecas. é incrível as litradas que tão pequenas criaturas espirram na excitação de se despedirem das selvas eternas para mergulharem no sono leve dos trópicos... Tudo é eterno de certa forma... O enjôo é que difere. Eu cansei-me de levar a matança a sério e passava os dias no mangue fantasiando em velhas lendas e crenças brasileiras.

Sôr Flamengo

Drave

Eu já desci a  serra em direcção à aldeia de Drave
Por entre encostas ruças e empinadas
onde se ouviam os pios melancólicos do milhafre
e o berro folgado da cabra

Maria Vouga

Mohammed VI of Morocco

Marrocos

gastei as minhas sandálias pelas 5 cidades imperiais
de Marrocos. Foi por altura do Ramadão de 2010 no ano em que o
pó secou todas as gargantas e enriqueceram os vendedores de chá de menta e sumo de laranja. Nas ruas apertadas os doces de mel cobriam-se de pretas abelhas zunindo de tanta doçura. Deixei que me ludibriassem os faux guides para sentir a graça de me levarem às suas casas.
conheci as riads decadentes das flácidas berbéres.
De todos os cantos mergulhados em sombra eu ouvia Róia, Róia
Amigo, amigo e quando me afastava sem largar a prata Portuguesis Tesis...
Nos açougues retiravam a pele da cara do camelo e as moscas vigiavam as patas de cabra ensangüentadas

Zé Chove

1.6.11

Eles são sombras

Eles são sombras
Recortadas na pública
Iluminação de sódio
Dos becos malafamados
São miasmas
Destilam ódio
Pelas gretas
Onde fogem as baratas
Tocam quem passa
Intrusivos infestam como peste
Nas narinas enojadas
Infiltram-se como mijo seco
Nas paredes das cidades
E fogem sob o cobertor de sarja
Da própria alma

Zé Chove

Silêncio-Incêndio

estalam os azulejos da velha casa
um fogo alto rebenta os telhados
o fumo grita louco pelo vale
e não se vê vivalma
é o ermo
a aldeia abandonada
fogem ariscas as raposas
rebentam os pinhos
rolam as pedras pela terra queimada
as chamas lambem infernais
o granito do cruzeiro
ao centro da praça alto e pardo
estrelejam as estevas ofendidas
e lançam o cheiro da desolação
mas não há quem veja
ardem em silêncio
as coisas esquecidas
ardem envoltas em melancolia
as pedras que homem esqueceu

Lúcio Ferro

Faz Chorar

Faz chorar ver consumir-se assim uma história
uma tradição tão antiga tão fincada na terra
como uma aldeia perdida nas faldas duma serra
faz chorar ver partir em silêncio a memória

Faz chorar uma intensa alegria alheia
de alguém tão feliz que também chora
por ver um filho regressar inteiro
faz chorar quando enfim chega aquela hora

Faz chorar relembrar a juventude
e a saudade é um fogo impossível de apagar
faz chorar não ter sabido aproveitar
e viver as alegrias em toda a plenitude

Tomás Manso

28.5.11

Oh vós que pendeis desse lado da amurada

Oh vós que pendeis desse lado da amurada
do  oceano atentai na nossa pequenez
Oh vós postados nessoutra quina Atlântica
senti como o meu amor é extenso
e mareia nas margens do vosso quintal
em ondas sopradas do meu peito amazônico
e em lavrada poesia lusitana me expresso
a língua em que me melhor ecoa a saudade
a mercadoria que a vossas altezas envio
meu ouro, prata, canela e pimenta
feitos amor na imensa distância

Brás

Bless the System

Entre fotocópias enfrentas a vida
contribuis pró orgulho da empresa
e no pó te espera um terno e um sapato
é teu conforto do dia a dia
o trabalho que te absorve a energia
o corolário de uma vida de estudante
o construir duma reforma segura
e de apartamento em apartamento às de subir
talvez um dia um ecran plano
e vives um sonho de autocarro
bendizes o governo e segurança social segura
e se à noite tiveres fome
sempre tens a gravata ou o jornal distribuído
no metro
lisboa empresarial acolhe
de braços abertos do teu cristo
mais um seixalense aflito
lisboa dos ministérios frescos
acolhe mais um camponês afoito
vinde todos enrascados de vendas-novas ao magoito
vinde oh moçoilas casadoiras
conhecer empreendedoristas de barba azul
vinde oh bimbos de gel no cabelo
vinde conhecer a glória da empresa
e abençoai o sistema
no silêncio da vossa kitchnet
abençoai o sistema

Filipe Elites

Gado Velho

lá onde os homens nascem de badalo ao peito
e as mulheres de novas balem como cabras
entre os monturos brutos do granito preto
desceu um dia a torrente da lama danada

depois de séculos de sentimentos acerbos de glória
chegou enfim o momento da cegueira
em que loucura dá os passos derradeiros
e a ebriedade do coração, mata qualquer réstia de razão
e as mãos calejadas de sangue
afagam o rosto das crianças esfomeadas
e saem para a labuta numa outra madrugada

Maria Vouga

Esquinas Dobradas

Esqueci-me a cada esquina dobrada
das fachadas das ruas passadas
como às culpas da minha vida
absorto nos passos do dia-a-dia

mas ao chegar a casa
mas ao chegar a casa
a iluminação noturna
desenha de luz as avenidas
e um sentimento de falta
meus trajectos popula

mas ao chegar a casa
mas ao chegar a casa
desejo voltar a trás nos meus passos
e traçar novas fachadas nos prédios
mas desmorona-se o passado
mas desmorona-se o passado
a cada esquina dobrada

Madalena Nova

Pai Tejo

Tejo pai justo que distribuis tuas riquezas
pelas tuas filhas deitadas no teu regaço
A umas enches de luz e a outras desenhas rostos delicados
Tejo irmão fiel do sol a quem espelhas
Irmanam-se de ti as estrelas irmãs pequenas por ti se guiam
e és o céu das barcaças que por ti navegam oh Tejo
e as casas depositam em ti seus olhos abismadas
Tejo que recolhes as almas e as devolves ao oceano

Lúcia

Mangue Beat Me

As botas escorrendo mangue
nos pulsos lama e sangue
àguas mornas e barrentas
manhãs de bolor, tardes lentas

meu cheiro afasta o gringo
como se eu fora leproso
mas a mulher c’oa janta pronta
me agarra e beija gostoso

e a terra é tão mole
junto ao nosso rio
que se abrem as covas
e os mortos voltam à vida

e o siri branco de chuva
alimenta o povo como hóstia
e a gente que reza no mangue
apesar do cheiro tem alma pura

Sôr Flamengo

Endorfina Caseira

chicoteio o ar indiferente
e o vento imemorial e sem razão
atinge as melenas do cabelo
esbofeteia-me
e só me resta mais uma cerveja
na geleira
a chuva explode lá fora
e as dúvidas afogam-me no lava-loiças
as beatas bóiam amarelas na sanita
e os olhos amarelos de diabitas
arrebitas o coração no sofá
e excitas
minha vontade de fanecas fritas
as baratas escondidas nas esquinas
e cruzando livres o balcão as formigas
abres as pernas com calças de licras
e a libido desperta firme e hirta
deseja o lábio da ave triste
minha esposa aflita
e o cómodo todo em eco grita
e o caudal do ventilador agita
as saias da vizinha
e enfim liberta a endorfina
a vontade maligna sibila
os baby-grows espalhados nos espaldares improvisados da cozinha
os cinzeiros atafulhados de cinza
uma barba grisalha e fina
collans de fidro em fim de vida
um triciclo sem rodas
e um vaso com cactos ressequidos
as portas abertas que há muito se partiram os gonzos
e na rádio a chuva poluída sobre as ondas hertzianas
sobre a mesa fedem três tocadas bananas
e em toda a atmosfera os reis são os minúsculos mosquitos
todas as palavras proferidas são ordens e voujás entediados
os pneus do alonso acompanham o varejar das moscas orgulhosas
as plantas gritam de sede
e ainda temos de ir à Missa
e os pedaços ressequidos de frango sobre a mesa
entre chaves de casa, saleiros, óculos de sol, facturas por pagar
um cão em cima duma cadeira coçada pelo próprio
nos quartos as camas amassadas exalando os suores de morfeu
camadas de pó sobre os livros nunca lidos sulcados de pintelhos
junto às janelas pequenos insectos mortos
falhas na parede ajeitadas com bochechos de cimento
algures um papel de parede enfolado
ouvem-se a milhas uns sussurros de vizinho distorcido pelos corredores de mármore frio
cebola avinagrada pelas portas do frigorífico
tardes infindas ao ritmo seco duma bola de basket algures no pátio
tanto tédio que adormece as moscas sobre os reposteiros verde ácaro de veludo napolitano
depois duma sesta esmurrada nos olhos
e uma cagada merecida lendo uma revista sobre os lamas extintos
envergo de novo o pijama

Zé Chove

Realidade Abatida

quando se abate a tarde
a machadadas lentas sobre o horizonte magoado
dá-nos a vontade de comer
e refastelados pensativos sem rumo
rastejamos sem matéria de cuecas no sofá
e desejamos uma aura mística sobrevoando
a nossa vida de cães cronometrada
os olhos percorrem a perspectiva de candeeiros
da avenida e um arroto satisfeito
traz-nos de novo à realidade

Diniz Giz

26.5.11

Ring

Oh Vento Norte

vem além de toda a solidão
das brumas de todo esquecimento
entre as ondas tristes do entardecer
com o som da revoada oh vento norte
terei para ti a carne no fogo
e a cama vestida de lavado
as portas abertas ao teu corpo etéreo
e o teu espírito pela janela há de entrar
vem com as brisas entre os sobreiros
desce pelos vales da sombra de pinheiros
que te aplaudam as braçadas rio acima
e as copas dos salgueiros

Paulo Ovo

Chelas City

Chelas que te esfumas
entre baldios com teus prédios anónimos
toda cruzada de largas estradas
mesclada de tantas raças
tanta ignorância em tuas avenidas pardas
Oh cidade cinemática sem horizontes
onde estão tuas quintas
quem rebentou teus antigos muros
abandonaram-te os eremitas
secaram tuas árvores de fruta

Filipe Elites

Arrivals

Chegamos à vista do porto calmo
e na lonjura dos anos um som de guitarra faz nos chorar
desfaz-nos o peito a doçura da saudade.
Chegamos agora de avião
e uns meses que parecem sempre anos
fazem que os cheiros familiares
oh doce Lisboa
nos façam chorar
e esta luz que te envolve
e os vultos negros que cruzam a calçada...

Lúcia

Sala dos Brinquedos

Sala dos brinquedos na longinqua manhã
de madeira onde escorregam os raios de sol
nas latas, nas vidraças, nos piões e no carrossel
venezianas que despedem o pó dos anos
trespassai a minha infância de luz e sombras rectas
e que as andorinhas de Verão pintem negro
o meu céu de criança
de gatas no soalho da sala de brincar
o olhar vago pousando em tanto tempo
e os sons do campo através da janela
oh vizinhança oh vizinhança
Oh poço de roda em que brinquei
Oh doces figueiras aromas de menino
oh paredes brancas e telhados em brasa
nunca mais depois de voz tive férias
e aguarda-me agora uns passos à frente
o alcandorado branco entre os vultos dos ciprestes
dos Prazeres meu cemitério
Oh descanso eterno que eternidades nos levas a alcançar
vinde aqui mais pró de perto
avivai nossa vontade de chegar

Zé Chove

Paixão:Lisboa

Espuma branca da costa da caparica e azul claro da trafaria
uma garoupa pescada nas redes da minha barca vermelha
anseio paixão por ti Lisboa agarrar-te pelo cabelo
escarpas tuas curvas teus beiços de lusa telhas sardas de campanários
teus peitos arcos perfeitos angustiados de saudade triste azul pintados
nas águas do Tejo reflexos.

Orlando Tango

Garota da Urca

E de novo o vento, sopra não sei bem de onde, algures entre a Praia Vermelha, o morro da Urca e o morro da Babilônia. Grita a passarada Tucanos, Bem-te-vis, as mudas tortolias embalam as sestas dos peões que deitados nos bancos de concreto pesado fantasiam sobre as formas dos côcos lá no alto. Cruzam silenciosos os gaviões centelhas negras que sobem e descem com o bico escrevendo  nos maduros paredões graníticos dos morros. Eu deitado e ela passa. E a brisa que a envolve devia ser inscrita como pecado no Lexicon uma chama de Hades com cara de menina distraída. todas as poças a fotografam rendidas por terra. E o pó do chão levanta-se exaltado como no dia da criação do homem.

Sôr Flamengo

Retratos do Rio

A árvore cansada de transar com o vento suspirou fundo, o pátio estremeceu e o dia rolou na sua incessante fome de movimento.
O claustro da modernista da universidade com suas lajes, pilares e rasgos brutalistas adormecia comigo envolvido no letargo da melodia simples de alguém varrendo talvez no piso de cima ou lá em baixo no jardim interior. Enchi o peito do mundo e desfoquei a paisagem como um apaixonado que fixa demasiado perto o rosto da sua amante.
As garças imóveis retrasavam as ondas de calor exaladas do mangue.
Tanta água canta doirada enquanto esperamos. Um minuto gera uma hora e o sono pinta a tarde de eternidade.
A entrevista para selecção de investigadores foi curta como um relâmpago e de novo a realidade se tinge de pasmaceira e boas vibrações. Eu não fumei mas vim-me a babar na van do Fundão até à praia de Botafogo.
De olhos semicerrados vi as torres altas de igrejas semi-góticas despontando do caos cubista das favelas e penso na vida de entrega dos padres. Oh santa loucura como os invejo de tão forte paixão que os eleva, que os enleva.
Depois tacteio com os olhos toda a textura do acampamento dos sem casa. Uma fogueira, cartões, sacos atafulhados de incertezas, lama, destroços de betão, uma cerca arrombada na beira da auto-estrada, farrapos de roupa, corpos esmiuçados, olhares difusos, indícios de instintividade animal...
E abraço depois a tepidez da normalidade humana esboçada em milhares de criaturas, cruzando automaticamente as calçadas, com medo do amanhã e uma esperança infinita nas alegrias do fim-de-semana, eles pensam Senhor, mas nem tanto, porque é que os havias de vomitar boca fora?

Sôr Flamengo

Cartão de Amor

Invoco as constelações e todos os deuses
de religiões postergadas para que assolem
nossos beijos e que incendem nossos corpos
preencham de sentido nossos silêncios
e afoguem as negras comuns memórias

Nicolau Divan

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...