30.4.09

Ementa

3ª feira – Choco com a realidade
4ª feira – Francesinha e Passas
5ª feira – Polvo Radiante
6ªfeira – Caldeirada de Tudo S. Ânsias
Sábado – Bife da Vazia
Domingo – Açorda Apática
2ª feira – Ensopado de Vinho
3ª feira – Choco com a Realidade

29.4.09

Agarrado


Lamento

enquanto permaneci calado os meus ossos
secaram dentro do meu corpo e regurgitei sobre
as minhas chagas o fel da minha auto-compaixão
senti primeiro uma tepidez benévola até ao dia
em que acidez do verme me oxidou a pele
e os músculos assim expostos foram o ridículo
para os meus companheiros.
os meus olhos são poços
as minhas narinas fossas
e assim sirvo
àquela que me traz cativo

Tomás Manso

Vibrações

já farto das contabilidades escapo-me até à casa-de-banho do escritório
e esvaiu-me em frente ao espelho
enquanto faço caretas imitando um velho rezinga
a ser electrocutado, vibrando
até que o tremor do corpo assuma trejeitos de dança africana ou ritual epiléptico
e toda a tensão estática do computador acumulada
se esparrinhe nas gotas incertas do lavatório
e já amansado volte à labuta
a um teatro mais civilizado

Tomás Manso

26.4.09

Osgas

osgas com três palmos da cabeça à ponta da cauda
e a grossura de chouriços de sangue
escapam-se da nossa vista nestes tempos de penúria
e lançam-se pela vida cansadas da verticalidade das empenas e dos olhares enojados,
rebentam umas dezenas de metros lá em baixo
espalhando as suas mornas vísceras no exíguo saguão sob um céu ensanguentado

Tomás Manso

Redondilha

existe um certo grau de parentesco
entre nós e o Grotesco

Tomás Manso

11.4.09

Mediterrâneo

Não vi mas acredito na sombria sala
onde jazem homens mortos na fria tijoleira
cuidados por matronas silenciosas
vestidas de pano cru como a cortina que nos esconde
da omnipotência branca do sol mediterrâneo
são intermináveis os dias alimentados na flor da laranjeira

Zé Chove

Dezenas

já se roçam nas paredes as osgas rançosas
e já caem das telhas andorinhas centelhas
o sangue espumoso de cem cavalos

Lúcia

Co

Convulsões de líquidas noites
azul petróleo nuns ombros de Carrara
umbros olhos pesados de incerteza
ou melancolia

Henrique

7.4.09

O Enxurro

Traz enxurro
Arrastou-se gordo pelas folhas adormecidas e pela lama

Murmúrio através dos tabiques

Romperam endemoninhados
Sepulcros fora
De calva e ventre gorduroso

videira solo arenoso
cepa na areia
a parra, o sarmento, o cacho

Silêncio e humidade até à medula
A muralha exala-se em bafo

O esboroar secular das rochas
O cheiro a floresta apodrecida
Vida secreta e vida subterrânea
Tabiques escafiados
Pardacentas salas
Atrás de salas
Labirintos cúbicos de decadência.

“Cobrindo o céu uma só nuvem do mesmo cinza
Desta desolada praça de granito, uma só árvore
A humidade substitui as sombras
Um só dia, uma só badalada cai do sino”

É hoje que virão para me abater
Oiço já os seus passos e as suas conspirações
Suspiradas nas escadas do prédio
Alma de pélago
Não me vou mexer
Varra-me o temporal

Orlando Tango

IRS 2008 – ATRASADO

Shins – Wincing the night Away

Fleet Foxes – Fleet Foxes

Air France – No Way Down

Dan Auerbach - Keep It Hid

Department of Eagles - In Ear Park

The Last Shadow Puppets - The Age of the Understatement

Arcade Fire – Neon Bible

Portishead - Third

O Poço Infinito

O azul corcel esbaforido
Transvaza o seu leito
As mil poças os mil tesouros de brilho

Malárias litanias

O vinho nunca é pálido
Sempre grita o espírito
Que a batalha lhe corre nas veias

A voz perturbada
Dum velho sobreiro
Gritos ecoam na pétrea biblioteca.

O peixe
O monstro marinho
Cego e cruel

Estevas odres mosto

Chove em alaúde
Adensa a bruma
Nas clareiras do tumulto
Do húmus insepulto
Humano bafio húmido

Nichos de viva treva entre as trevas da abóbada celestial

Habituados a beber o fel que lhes vem à boca

Vitrais de luz funérea

Ogiva de cristais
Sinos longínquos e construções de madeira rangendo

Abandonámos nossos ossos insepultos
Impelidos por inominável latência que nos ebulia no sangue

Destinge sonho

É preciso abalar a terra (os túmulos)
E desenterrar os mortos

O Cavername roído pelo mar das trevas

A noite como uma camélia gelada
A abóbada da noite
Do tamanho do silêncio
“mensurada só pelo silêncio”
A gota de vermelho – açafrão que
Tinge toda a água

Orlando Tango

Gútura Soturna

“Só o que é selvático me interessa
E acorda em mim sonho, perfume e ferocidade…”

não seria um bispo gordo e perverso?
É tão difícil distinguir a vaidade do orgulho...

oh insone, enchuto, imuto tempo.

A lagarta coral e azul-turquesa
Contorcendo-se sobre a relva
É venenosa

Atravessou a estrada
Um tigre na t-shirt

Que bem me fica a ti nem tanto

Propalou-se o logro em laço revira-lhe o forro
Domingo de Ramos arrojados de rosto
por terra Santa Terra

a pequenez da criança ajuda
a termos por ela ternura

Absit Omen????

Destilámos tanto mal uns sobre os outros
Que os nossos fígados mirraram

filioli morituri nascituro
particípios - dicionario etimologico

Investiguei a parte de trás de todos os quadros, todas as pinturas

A escola é uma grande teia de aranha

Para mais fácil aferição do calibre do animal
Cabedal cabedal

Anjos: são cabelos de aço
Inquebrantáveis do céu até cá abaixo

“Dominando a paisagem dois ou três marcos geodésicos.
Lá no fundo uma pegada de vide empoçada e que reflecte o céu
Ali se miram e remiram na sua mocidade”

Orlando Tango

Jean-Pierre Velly - La Ciel et la Mer III

Archivo de imagens #192

27.3.09

Quarto Minguante

os factos na prateleira
oscilam no exíguo quarto
da febre e na incerteza
do candeeiro reflexo copo d'água

caracteres persas do tapete
marescíveis nas lágrimas
inseguras dum olhar desfocado
na leitura do julgamento

dos passos perdidos em pinturas
gritam nas paredes apodrecendo
os tabiques da consciência

a noite desceu infrene sobre as cortinas
junto ao soalho o maior medo
é que me a falhe o coração

Madalena Nova

Adoro Te Devote

Adoro-Te com amor, Divindade latente
Sob estas espécies de veras presente
Dou-te o meu coração inteiro
Em tua contemplação desfeito

Dou-te inteiro o meu coração
Desfeito em tua contemplação

André Istmo

Corcel de Fogo

Oh corcel de fogo oh corcel de fogo
abandonas as brasas do rosto
do puto envergonhado

as crianças acolhem com entusiasmo
a noção de simetria
grita-lhes dentro a verdade
alistam-se pela justiça
choram do sarcasmo
até verterem em lágrimas a liberdade

André Istmo

25.3.09

Revelação

reverbera nos milénios
atinge-nos a todos por igual
dispersos por filmes rezamos
que não se enrodilhe a fita

ecoam as vozes em salas
insonorizadas nunca sentiste
girarem-te as voltas
liberta solta não deixes que parta

sustém a dança abranda
se tensa - é só escuridão
é só escuridão - a agulha é
aguilhão amansa segura
nas pontas

cinemática teia de veludo
perdida nas cabines da vida
revela distorce corta e seca

Filipe Elites

Afogado num Sundae

fomos enxertados em salgueiro
temos raízes de bufarinheiro
proni ad pecatti...
Sangue de vinagre
odres em caves decrépitas
Skeleton Coast
Pero tú, que todo lo llenas, ¿lo llenas con la totalidad de ti?

Decrépitas aves no mezanino
O piso superior do Mac os adultos falando
dois indianos na mesma mesa
que uma russa quase cinquentona
e a sua bela filha comendo
um sundae de morango
a fluidez do molho vermelho
como as bochechas do bêbado indiano
como os meus pensamentos de púrpura e brocado

no verão passeio por praias esquecidas
pelas administrações com lava até aos joelhos
bebo margaritas como margaritas
até o céu da boca refluir nacarado
aos 22 comecei a usar sapatos bicudos
aos 22 senti vergonha de entrar no teu templo
aos 22 degluti as garanças e pintei o horizonte
de encarnado

lábios de púrpura exaustos
de púrpura
não mais uma saraivada de metais pesados
mas um enjoativo melotron
a morte duma consciência

Mário Mosca

Mirolho

Archivo de imagens #666

23.3.09

Cátedras

passo a passo uma multidão de árvores insinua
ruas curvas de húmus e caruma
e estrelas entre densas tramas de ramos
da escuridão mais escura desagua
em enlutadas clareiras ao meio rubras
catedrais de pedra cátedras da lua

Lúcia

Cão de Caça

Fiquei triste e melancólico
Convencido
De não ter correspondido
Aos sentimentos
Que provavelmente pensaste que eu teria.
E ainda agora choro
Se me ponho a recordar
Todas as vezes que não soube corresponder
Com o calibre certo de alegria ou
Entusiasmo que esperavam de mim.
Mas isto não é escrever que o bom
Cão de caça não corre movido pela fome.
Oh! Que vontade de te abraçar
Com mais força.
Lembra-me da próxima vez
Que nos virmos.

André Istmo

Definições

Quando misturo
Sentimentos de culpa
Com o pouco sono
Traço com mais tristeza
O desenho do desalento
E de estupidez inocente
Dos rostos do outro lado
Da estrada junto ao semáforo

Contemplo em contra-picado
Os tectos estucados
Dos palacetes vagamente moçárabes
Das avenidas quando volto dalgum trabalho
Acendem-se candeeiros aos centos
Acolhedores de memórias
De vidas quase sempre
Com vias pouco
Definidas

Filipe Elites

Debaixo da Cartola

Não gostava que me prestassem a mesma atenção
Que a uma professora picuinhas e moralista
Que pensa que tem amigas

*

Custa-me dizer que me custa dizer aquilo que imagino
Que seja a verdade

*

Construímos uma casa debaixo da cartola
Uma sala com quadros de família
Uma mesa desarrumada
Onde recebemos os amigos
E a cada um servimos
A bagunça adequada
Mas temos vergonha que vejam
E toquem nossos naprons de moralidade
Tingido dum bafo de naftalina
Também não deixamos que se sentem na poltrona
Que jaz na sombra
O sol queima aos antepassados a réstia
Da alma sépia
Podes usar o cinzeiro de vidro grosso
Está rachado, é de família

*

Como cão bem sabes que como cão me contento
Com qualquer fogoso afago no cachaço


Lúcio Ferro

Rebolo

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

As moscas congelam no espaço
Infinitamente quadrado da tasca
E caem letárgicas sob os pontos do dominó

A noite côncava
O pio triste dos sapos
O latir desesperado dos cães
A monotonia dos pneus sobre o asfalto
Um muro escorre dor à sombra
dum lampião

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

“Só dou pelas coisas belas da vida, depois
que passaram por mim e
não as posso ressuscitar”

Poeira da pedreira
Fino pó poalha
Excedente finíssimo
Fervilhante de secura
Que abafa e sufoca
Depositada nos brônquios

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

Orlando Tango

Rubor Desflora

Agora que podemos escrever em Março

nas auroras
se o rubor desflora
deixo as gélidas matutinas
dançarem na cela
enquanto o coração dança lá fora
o corpo aquece
o parapeito de granito
se o coração estremece
abro a janela

Madalena Nova

tusto

teste

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...