19.3.14

Rebenta Lábio

Mina de amor depredada
Depleted mine
Apascentemos as sombras do espírito
No pulsar das gotas ecoantes
Rasgando a luz do silêncio
Sepulcral das cavernas
Depois do exercício de arrombamento
Aguarda que os rios de sangue se tornem
De novo veias
Que o som dos olhos fechados
Calibre de novo a paz dos teus pátios interiores

Sempre que o murmúrio ameace
Rebentar-te os lábios

Derrocada

Os poemas deviam nascer de coisas herdadas dos nossos pais
Mas se só herdamos asfalto e apartamentos
Mas se só nos dão sociedade e bugigangas dos mercados
Refugiemo-nos em parques e monturos que nunca pisamos
Entremos nas noites sombrias de nossos quartos
Desenhemos uma nova lua com nossos braços
E mergulhemos em rios nunca dantes navegados
Apascentemos rebanhos de bestas incriadas
Deliciemo-nos com banquetes nem por romanos regurgitados
Nunca enterramos os dedos na terra
Nem nos ferimos ou estivemos da morte a um passo

Mais belas são as coisas em movimento
Mais bela é a contemplação da derrocada
Ou da construção do vitral da roseira na ala da catedral
A semente é a mesma, mas diferente o chumbo

Sei Cantar

Sei cantar melhor as matas e montes
do meu pais que não vejo agora
que estas selvas em que me embrenho
louvo melhor aquela que na mocidade amei
que a esta com que agora me deito
e quem sabe disto é o coração que a verdadeira
paixão está no passado e na saudade

Cabras

Cruza a soleira trazendo os caminhos de terra na barba
os olhos cegos da violência do sol esquecidos do que é sombra
é do sertão pó e corpo de vaca magra
cornadura larga
teus cactus sugam já o petróleo da terra seca
quebra se o osso caem as estrelas

Bate outra vez
volto ao meu fim
simplesmente as casas se calam
quando ela passa sem graça
depois de uma noite sem fim
e a calçada se cala
silencia a cidade
numa paz combinada
para que ela chore por fim
é que remorso trabalha
só quando mundo se cala
e ela vai ver enfim que eu sempre estive aqui
e por cima do ombro
ela há-de ver ao virar da esquina
o meu sorriso magoado

Amor Batido

Foi por paixao uiuiui
soco
se sentiu engessar oioi
estalo
o seu calmo amor oioioi
pontapé na barriga
e foi no altar
faca na cara
largar a dançar pôr do sol ao mar
afogar num balde
a noite nos seus cabelos
puxão de cabelos
o mistério no olhar
dedos enfiados nos olhos
Viver é melhor que sonhar
Hematomas 

Nabucodonosor

Aparvalhado exclamou
Não atiramos três ao fogo?
No meio das chamas vejo
Quatro homens dançando
Shadraque, Mesaque e Abede-nego
E o turbilhão de chamas enxergo
Mas a sombra do quarto, olhos meus
É a forma do Filho de Deus

Lamento de Blind

Tenho a bíblia em mim
A culpa é só minha
De ninguém é a culpa mas minha
Senhor senhor não me aparte de si

Não me deixe do desespero
Nesta poça esquecida de chuva
Nesta poça de lágrimas e chuva
Quero de novo o teu sossego

Não sejas tão cáustico senhor
Tu és a minha única visão
Não sejas tão cáustico deus meu
Porque levaste meu primeiro olhar?

Cardápio de Heróis ou Cavalgaduras Sobre a Mesa

Pula pirata
Palmeirim de inglaterra e D. Belianis
Arroz de tamboril
Amadis de gaula
florismarte de hircania
casco gratinado
ludovico ariosto orlando furioso
O jardim de flores curiosas antonio torquemada
Rabada à coentrada
o que lia shane macgowan?
cannibalism on clash concert
arroz de cabidela enfarta
Blás de Lezo
Olho de camelo no espeto de loureiro
Language Deprivation experiments
Feral kids
Big Mac, muthafukin’ barbecue ribs
A proteína, designada GFP
lagosta
Tenho uma grande admiração por si
Profiteroles, jamais doce da casa talvez um dame blanche

Sobre-coxas

Gosto de ver quando a bunda das mulheres
quaisquer que andem na rua assumem
tais proporções que o volume das mesmas impeça
que fímbria das suas mini saias de ganga
hirta toquem a subtil celulite das suas sobre-coxas

Escrava do Tempo

Mais que pelos dedos com anéis quero
trazer-te algemada no metal deste relógio
como escrava do meu amor livre
para governares no meu coração!
Decidi dar-te este relógio para que ampoles
os segundos da nossa eternidade juntos

Crava Crava Lacrau

Ocres medíocres
só que é um pó no ar
troque escroque
toca toca sem para
torquemada forquilha achaques
e remoques lorca bric-a-brac
aproveita e toca quem passa
caldos de carne felonias sex-a-pack
aloque emborque
abusa de quem passa nestas festas públicas
abendou lacre lacrau craulio
malhas quio piçotece
lacrau crava crava crava lacrau
viola

Diamantes e Vidros

Acorda no peito dum cantor
onde entrou perfumada e distraída
ao som da flauta caribenha
 e dedilhados de guitarra
Venha sobre mim essa alegria
falsa que o governo enlata
é de sinteko
chão de boteco
em que me deito
e já viajo
parte-se o vidro
espalha-se a cachaça
que enchi a bilha e agora exala
meu coração de alegria
diamante rosa
futuca no baalcão
diamantes de esperança
Diamantes vermelhos
Brilhos na veludez da noite
Imagens de homens de vários locais
Argelino, marroquino, ganês
Figuras encapuzadas
Ladrões e penitentes
Sacas de diamentes
Aos rios dos céus lançados
De que nos adianta plantar se o teu solo é de baldios
maninhos de que adianta por ti puxar se nos recebes com patadas
às de viver dentro da casca das árvores de madrugada
sufocado na neblina dos lagos de remorso
um diamante em escorço
Vou sair à rua mascarado
não quero que me filem manifestando
o meu desgosto por você
porque você faltou com sua promessa
bato na testa bato na lata
sambo na rua sambo na escada
Põem te a jeito
deixa o meu coração entrar
nessa cama já fria
Sones e huapangos huastecas
Montes sobem e descem fazem a terra arfar
Amo quando alguém joga fora aquelas embalagens de cigarro
Piso a pastilha elástica e um fio rosa descreve a parábola desenhada pelo calcanhar da minha sandália
E a resiliência estampa-se perfumada e viscosa como a prostituição na calçada
Shadrach, Meshach and Abednego
Arrenego
Raspo os restos e nada levo para casa

Dark was the night, cold was the ground

18.3.14

Ouvir Vozes

Ouvir aquelas vozes todas
The worms pogues
dr tirrel do blade
o power in the darkness do tom
we set up for nothing later dos rage
kanye interlúdio sobre as tairocas Jimmy choo
zeca Afonso quando fala das peças de artesanato
que aliás se partiram pelo caminho em pleno coliseu
o mix da karin dreijer anderson
leonard a thousand kisses deep declamado
madvillain tem toneladas de falas
aeroplain smashing
Arvind kang possesso pelo latim no atlantis
time iesum transeuntum et non riverentum do nick
mike patton também palra aqui e ali
muslim latin
And the ass saw the angel lido
The flesh made word nick cave
paul scofield wasteland declamado até à exaustão
jim morrison american prayer
john cleese screwtape letters
joao villaret
os monólogos do taveira
a cabeça roxa enorme entumescida
leonard cohen democracy
Churchill incitando à guerra
interviews ao thom yorke
a bjork a palrar com o Arvo Pärt
speeches comoventes do charlie chaplin
henry V martin luther thomas more paulo futre chesterton samuel l jackson Paquete de oliveira e rede soleri
a ameaça nuclear é um fatasma terrífico dos nossos dias
sermons batistas eua
johnny cash readings
the last castrato
e porque não vitor espadinha
morte e vida severina chico Buarque e Barbosa sobretudo barbosa
tippa erie, fadomorses,
glossolalias e bizarrices faladas, bruxedos, crowleys, transes, possessões...

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...