25.5.20

Piropo

És uma conquilha minha tarde de verão
Brilhas nacarina do azul aluvião 

Sala

Soalho engastado a xixi de gato
Sofá pardo lume baço um século de arrendados
Cozstas arquejantes como o velho armário 
Tão asmático grossas memórias que expectora

As frestas só expandem a largura do frio
E conservam tudo na 

Espera


 De línguas e delongas
Se cruzam as pernas
Mordiscam as pontas
Dançam os rabos 
Rabiscam-se os cantos
Dum outro formulário 

Tomates

Tomates de laranja
Emplacar o cu 
Foguetes é tiro na cara 
Topete de rasta com olhos 
Recitar com cabeça entre as pernas 

Tomates

Tomates de laranja
Emplacar o cu 
Foguetes é tiro na cara 
Topete de rasta com olhos 
Recitar com cabeça entre as pernas 

Casquear

Embrulha-te na obra não sintas frio
Entronquece, ganha casca
Na tua eternidade não percas o pio

mel coado

E aquele ajoelhou perante um papiro
E desfilou um ditado
Um outro mais à frente dormiu sobre uma biblia
Até nós chegaram uma pandilha de sermões 
Aquele viajou numa arca de tomos traçados
E espirrou gulosas aos bocados
Um outro mais adiante
Mergulhou numa biblioteca de classicos
E cagou epitomes e hemorróidas de mel coado
Um outro embebedou-se e invadiu um alfarrábio
E a nós o que nos foi dado


Junto ao mar

argumentamos por meio de sonhos e clarões
ilusões no meio de amena
conversa timbrada Somos os homens que as pastoreiam
deleite nos reguardamos nas calcárias
cavas junto ao mar
falamos às ondas do mar
até ao dia de esquecermos nossas
ossadas no húmido destes calhaus

viramos folha a folha em busca da lagarta
ingrata que nos destrói as plantações

sentados crostados na seca lhanêsa de pedra
vagueamos num bafo de sol e salitre
num reflexo dos chapadões que ardem as plantações

flutuamos nas ondas de calor
descendo a escarpas na ponta do bastão

Mansos

Impressiona mais a vida dos que estagnam
Que a dos que andam
Amansam-se no reconcavo duma coluna
Em contemplação 
Param o movimento da retina num opaco
Que mais ninguém alcança 
Dançam-se de pedra em valsa eterna
 E o pão é o seu alimento 
Tamborilam o ancho tempo
E o ocre das tardes distendem nos pátios 
Sua alegria perene
O ronco grave da vaca lavra-lhes de orgulho o peito
 E as suas carcaças de terra são o estrume crestado do campo
Pisam-nos! 
Mais firme se faz o terreno
Não os vimos partir
Arrastados no sorvedouro
Descansam no Rio subterrâneo 

7.5.20

em terra ou no mar

Sinto aqui nestas pedras de musgo
teu fôlego não abandona este claustro
nos ecos da nave me desce teu sopro
teu clarão no lago deixa-me cego

teu corpo eremitério por matas desterrado
velado por pios de corujas e sussurros
de animais rasteiros és tu também
na verdade tudo

foi santificado este berço
por todos os passos que os monges aqui rezaram
e por esta cruz de ferro que marca o tempo no pátio

e agora que tudo está abandonado
um grande silêncio que tudo varre

e agora que as carnes cairam
essa ossatura alva
aguarda uma vez mais
o teu divino sopro

_  _  _  _  _  _  _

Sentimos-te mais perto
se somos esmagados
e damos-te tempo para tactear
a tua cruz ao nosso lado

a angústia de saber que só Tu
não nos deixas sós nos mais profundos transes
se de desespero não estamos ainda tomados

A cada ameaça
de que o furioso mar
nos vá virar o barco

tentamos com brados rasgar
as neblinas e vislumbrar
tua túnica branca na margem
e gritamos
cada vez mais Alto

4.5.20

relação

Um estoiro rumalhado um silêncio
E depois um arrastado silvo
Que é a onda que retorna a roubar dos grãos 
Um último suspiro 
Tudo fica liso e rijo
Retesado
Aguardando nova investida

praia

Eram só praias
Simples praias 
Com seus mares brilhantes 
Tons azuis e reflexos 
Nas costas uma duna 
Com seus cactos rentes
E vento
A praia é esse corredor entre
O mar e a duna
Às vezes ao longe Vislumbre de escarpas 
Ou falésias que dão sensação de fim
Ou de continuação 
Que nos impele a andar
Está sempre a entardecer nesta praia
As ondas empurram um cheiro de mar
E as areias são tão pobres e fracas
Não sabem guardar segredos
Todas as noites são espancadas
São tão fracas
E essa moleza entorpece os nossos passos
Pedaços de rede, conchas partidas
Sargaços
Cheiro a mar
O entardecer é sempre ligeiramente frio
Sussurra mistérios e os nossos olhos
Principiam a preocupar-se que se esvaiem os horizontes
E o areal agiganta-se na sombra e o mar
Vai ficando negro
As casas de placa amadeirada dos pescadores
São os dentes que restam na duna que é uma gengiva mole
É sempre entardecer e as casas ficam mudas
O mar sova a areia com som de estralho
Ao longe o horizonte 
Caminhamos nesta areia que nunca esquece de quem nela pisou
Depois da duna há caruma e pinheiros
Todos mansos

Cortadas

Convivemos com a violência subtil
Dos vizinhos sem nos deixarmos explodir
Arrastamos os punhos pelas paredes de areão
Até que se esboroasse a carne 
E sangue escorresse pelas caixas do correio
Túneis que cruzam este prédio 
Condutas, escadas de incêndio e tédio 

As beatas esmagadas no monta cargas
As nódoas negras escorrem nas empenas
O osso engana também quebra 

Se não tem nome não me interessa 


A destruição grampeada numas ventas esfaceladas
São só drogas carne e uma faca

Visões que só alcança um bombeiro 
Naquele ápice permitido da desgraça 
Que se abre num vórtice momentâneo 
Dum telefonema desesperado

A intervenção age como agulha antiviral
Um clarão dramático que abocanha
E entra à bruta invertendo um destino

Agarra o corpo e sacode como se fora amada
A drogada que jaz trapo na escada mijada
Rebenta o corpo inerte busca uma explosão
Que a volte a sangrar 


2.5.20

sortes

Tudo são questões de sortes
Direções para onde se dispara
Primeiro
Só depois vem os labores
As graças para alcançar, o trabalho

Mas antes de tudo vem o sonho

Bordas da Tina

Palavras ecoam no silêncio
Que é eternal
Arde na seara sideral
Em ondas
Que retornam ao embate
Nas bordas da tina

Galopam de veludo em bola 
Com fôlegos de murmúrios 
Num banho que ganha energia 
A cada embate
Na poeira cinza e fria
Duma estante escondida
Perto da cozinha

E depois de demolidas as galáxias 
Há de crepitar ainda  um sentido 
Um significado de pedra
Na paisagem preenchida

E rasgada do seu contexto
Apartada de suas irmãs palavras
Enriquece de especulação e mistério 
Torna se grito solto eremiterio


Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...