Já em criança sustinha
A respiração com medo
Das doenças ao passar
Pelo talho entre as carnes
Onde cospem as varejeiras
Filipe Elites
Já em criança sustinha
A respiração com medo
Das doenças ao passar
Pelo talho entre as carnes
Onde cospem as varejeiras
Uns palmos a mais e tinha vista do mar
Ando com uma defloração no cotovelo
Como escamas talvez da veia marítima
Bebedeiras em bares mal-afamados
Venho curá-las a casa
com lamentações
uns palmos a mais
maldito cotovelo
Sentado de perna aberta
Na retrete
Mando grandes arrotos para acordar
A vizinhança
A bezana, o reflexo do azulejo
A intermitência
Do néon no espelho
E o balançar do badalo do autoclismo
Sacodem memórias
Senão todo, pelo menos parte do filme
Da minha vida
E ainda algum recheio.
O álcool benfazejo
anestésico
De queixo caído quase babado
Abre as comportas ao grande rio de ideias
luminescências, relâmpagos,
Conceitos morais, projectos de vida
Agoniado com o cheiro na roupa do tabaco
Apoio a cabeça ao toalheiro
Bem poupo no uso do papel
Higiénico
-Dobra e volta a usar-
Afago o grácil
Onde estão os pátios
À noite sob o céu de Verão
Onde está tocador do alaúde
Ainda não cheirei a ambrósia
Onde se esconderam as garotas das saias
Compridas e os decotes enfunados
Onde estão as palmas
Espeto a cara toda na almofada
O pijama e a barriga para baixo
A neblina sai do corpo e evapora
A cabeça
Anestesia geral e sonhos
Pelos becos fora
Toda nua
Na manhã chuvosa
Deitada no viveiro das trutas
Olha o céu desfocado
Bebeu dum trago o leite
Estragado o coração amargo
Chora pelos cabelos
Água e lama
Alma poroso esqueleto
Sem paráclito
Lambe no gelo
Os reflexos perdidos
Lúcia
Deixó fuçar um pouco mais
No seu vómito
Não vês como se diverte?
Mas se vires que se afoga
Estrafega-o pelo cachaço
E esbofeteia-o até acordar
Olhará para ti como o seu salvador
Lúcio Ferro
Estuporadas meias têm um elástico
Tão forte que no final
Do dia parece que andei de grilhões
Dos sulcos na barriga das pernas
E com os pés inchados
Filipe Elites
Entre arbustos de humidade frondosa
Escondidos pelo final da tarde
Estreitamos pétalas de rosa
Entre a língua e o palato
Como se cometêssemos pecado
Entre o púrpura e o amarelo
Encontramos rostos salientes
Ora nos são carícia ou flagelo
Concatenam nossa vida elo a elo
Parti do centro do livro e fui
escrevendo em espirais
cada vez mais longe fui
rabiscando nas esferas siderais
envelopes lacados
vários utensílios de escrita
linguagem supersónica, transcendental, hieroglífica
pela fresca
a árvore solitária
a única na terra
reminiscências de distúrbios
do foro psicossomático como
fogo que segue lavrando
nos interstícios das paredes
várias horas após a circunscrição
do incêndio.
bico de íbis glamourosa e perigosa
sentada entre lençóis secando
no estendal e eu desramava a árvore
Arnaldo educado nos círculos
mais oblíquos da sociedade partiu
o copo de cristal de Murano
com a dentadura
Síndrome de Koestler ou efeito de Kropler
- Atrapalhação. Chegou-nos o estampido
do copo a estalar através
da sombra do alpendre
A matéria
Mas por mais que meditemos ou escrevamos
- Opá – Espetei de novo a cavilha na granada
Mas não deve resultar –
O espírito é um mau barro
Por mais voltas que dê o oleiro
Jamais será moldado
Num plácido domingo o cavalo
Do meu primo comia no pátio
Uma mecha de loiro cabelo
E os fios abafavam-lha traqueia
Deitado na tijoleira da cozinha
Encontrava conforto hipnótico
O serrar das cigarras no jardim
Boiavam calotes de laranjas
E metades de porco-da-índia
Marinando para a janta
Sucedâneos de beatles maravilha
Das maravilhas o psicadelismo
Pop elevado à enésima
Potência pensada
Para agradar melodias
Verdadeiramente melodiosas
E ritmos metronicamente
Estudados por favor
Não larguem perto
Das crianças que podem ficar
Perturbadas
estas pedras da calçada estão coladas
com pastilhas elásticas
na infância bebi champô
e comi baton
toda a tarde debitando
patranhas e ridículos planos
tomando concentrados de estupidez
arrotando como alarves
debatendo temas cada vez
mais sinceros – travertino – uns com os outros
e no final do mês
o total da despesa
enviado foi um enviado
que dominasse as nações
cresceu a flacidez debaixo dos braços
escrevo esta carta final
antes dum banho relaxante
estou todo pegajoso
nas zonas onde dobra o corpo
todo o dia não me saiu da cabeça
que a justiça é a mais cabal
prova de existência de Deus
Ela escrevia como os esgotos
desaguam no mar
chorámos juntos pelos pobres
comunistas e socialistas que ainda esperam um salvador
passam as noites tentando salvar o mundo
enquanto caem à velocidade da luz num poço sem fundo
vêm tudo rapidamente e não agarram o tempo e não sentem dor
estou aqui nesta alcova
quase beijando estes novelos de lã
beija beija antes
que seja selado o féretro
beija sem desmaios não se sobressaltem
os demónios estás perto
de completar o mais perfeito ritual
as formigas soluçam de dor debaixo da terra
unge toda a horta com escarros pagãos
Religiosidade e bem parecer?
Saltitas com cara de santo
roubando no supermercado
tiras de bacalhau (seco)
irritas-te com os filhos dos outros
se não se calam...
Entrega cabal exige-to protocolo
Em cada minudência
Aplicas toda a tua sabedoria
Mas não fazes as coisas ao acaso
Abdica, abdica, abdica
Ecoa o poço sem fundo
Engole a pedra e não devolve o som
Talvez já não haja vida...
de madeira velha
através da porta aberta
oiço a mata que clama
através da noite profeta
não se vêem as estrelas
as urzes transpiram secas
onde os mochos ululam
numa noite profeta
a cabana é sempre meu caixão
e lamenta toda a floresta
e através da porta aberta
amortalha-me em escuridão
nesta noite profeta
palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...