12.4.10

Ipecac - Emética - Vómito























ipecacuanha
(tupi 
ï'peka, pato + a'kwaña, pénis)

Escarpa Catedral do Mar

Escarpa catedral do mar
Flechas de quedas abissais
Faces escarpadas cegas de sal
Vergastadas de glória
Expostas fauces de dor
Rumor gutural-grutural
Escadas de pedra em queda
Do céu ao mar em flecha
Falésia debruçada sobre o mar
Reflexo malabar
Opalinas gaivotas
Gravadas nas covas ancestrais
Em voltas em voltas envoltas e voltas

Zé Chove

Asfixiantes Horas

Asfixiantes horas – teias de eteridade
Bolorenta em que me enleio
Horas-teias que me tendes traiçoeiras
Horas-teias que me tentas
Envolvência nebulosa de enfado
Covas suevas no cavername do peito
Em que me refastelo
Sois meu castelo de deleito
Largo preito
Muros densos de acobreado granito
Bolorento tenso bafio
Desconcentro da realidade alheamento

Lúcia

4.3.10

Jordi Savall

Sagas

O grão de poeira original
Morreu no mar indiano profundo
Na calmaria dum outono sem ondas
Não chegou o oxigénio vital

Secas como carapaus espinhudos
As suas palavras ferem
Espiralantes redes de alguém
Em busca das sagas cegas nos oceanos mudos

Ivo Lascivo

3.3.10

Vinhas de Sangue

Afastando a manta da manhã
Os confins pariram-nos de rubi
Espinhaços, serras, plainos e rechãs
E o tinto vertido infinito rio

Cedo se cresta o vale de tanto rasgo
Desenho nas costelas do meu peito
Conduzindo as paralelas escarpas
Nas vergastadas do inverno a eito

Esteado às escadas de xisto
O estoirado vinhedo vermelho
Que sangro! Em vertentes ébrias do rosto

Rácimos-chagas dádivas de Cristo
Cálice da Agonia de joelhos
Vinhas de sangue lágrimas de mosto

Zé Chove

1.3.10

Peitorais

somewhere I have never travelled - e. e. cummings

somewhere i have never travelled, gladly beyond
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near

your slightest look will easily unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully,mysteriously)her first rose

or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully ,suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;
nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility:whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(i do not know what it is about you that closes
and opens;only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody,not even the rain,has such small hands

Mashed Potatos I

Vocifera Agressão
Extorquido
Agrilhoado
Fantasma
Carcinoma
Roma
Espasma
Glória
Ser
Peso
Comunhão
Aparência
Senado
Cavalos
Império

 
 
Não serenei ainda os espíritos do meu espírito
 
 
 
Os olhos davam-lhe um ar inchado
e rebarbado
Assim semi-cerrados

 
Custou-te o sangue e um
Terço das amígdalas moldar esse
Lamento andrógino e
Agora dizes que é natural
Não tenho paciência para tal

27.2.10

Enxurro

Manhã

Têmporas das brisas de loiro damasco
As comissuras de manteiga marinadas
Olhos cerzidos de pijama
Amansa o murmurar de teu manto de garança
E verte as ânforas de etéreas lembranças
Oh manhãs rubiáceas dos ecos
De argentinos risos
Dos arrepios de descalço pé-travertino
Indolência infantil


Possibilidade possível infinito aspergido
Na relva viçosa do jardim
Tanto brilho num suspiro
O vapor do duche perlado
Nas corolas vergadas do tomilho

Lúcia

Natureza Morta

Espreguiça-te manhã
Nas poças do alpendre
A cozinha ragada de porta a porta
Esvoaçam os pássaros
A colecção de canecas atrás da rede
Polenizadas pelo tempo
Sete cabos de facas desenham
A mão da sombra no fulgor matutino
Apaixonadas abelhas
Pelas dobradiças incandescentes
O zumbido cai com torpor
Sobre os olhos do cão
Se restolha o brando lume no fogão
Jovens mãos mirando-se no reflexo
Álgido dos pratos
Feno em que se agastam os dias onde se perdem as chuvas
Alimento-me da tua vista
Ao longe amparado numa amaldiçoada figueira
Uma torre ameada pomposa como o Verão
As brisas que roubam as laranjeiras
Roubam-me a atenção para aqui mais perto

Madalena Nova

23.2.10

(Se) Despertares

A segunda voz é um coro esganiçado   A primeira é cantada por quatro raparigas polifónicas

Enleantes forças sedentas da noite Serpentes negras

Estrafegam os brandos corpos Lassidão sepultada inerme
Tu Brilha dá luz Pisa com força a terra
Tu grita às turbas As veias lavradas de brasas
Enlameadas no fundo dos poços Lama lama lama
O turbilhão serpentino de ferinos Rachando as almas
Dentes rasura os colmilhos à realidade Violação das fontes
E é vê-la desdentada incapaz de se alimentar Vagos horizontes
Míriades de archotes marchetando a escuridão Negros Montes
Galvanizam os cegos com a Nova Luz O isco rebenta o Céu da boca
Ergamos ao final do dia os bastiões da fome Rebelião Garbosa
Dessedentados na Luz destrinçaremos a realeza das coisas O brilho da Rosa
Enquanto uma criança mija na fornalha da mentira Lamurienta partida Lira

André Istmo

22.2.10

Em Summa - Paul Scofield e Robert Shaw

Sancta Sanctorum

O beco sagrado da alma
Inundado pela luz do lampião
Sob o reflexo noturno das janelas
Quebradas dos prédios devolutos
Reverente avanço de pescoço vergado
Profundamente devoto
Vinte pisos ao alto a abóbada da catedral
Tingida de vermelho pelas luzes da cidade
Ecoa as minhas orações como um coro
De gatos esfomeados na libação do sangue
Morno no arame farpado
Suspiram beatas as ratazanas nos recantos
Das capelas laterais expiando as faltas
Em lágrimas vertidas em borbotões pelos boeiros
Defronte do retábulo de tristes nichos
Vãos negros como bocas lamentosas onde
O vento chora nas lassas cordas da roupa
Ergo o olhar sem fé ao santo dos santos
Onde esvoaça um lençol esfarrapado
E à luz de enfermiças velas
Se esfuma a tua silhueta.

Tomás Manso



Streetview

Em dias de chuva intensa
Os camiões rasgam a nacional
Acordando as asas dos alvos anjos
Nas bermas infernizando as pernas
Das meninas que passam na rua
Escorrendo as pinturas
Pelas faces nos retrovisores
Lavados de lágrimas

Lúcio Ferro

19.2.10

Joanna Newsom

Have One On Us

Queda

O pânico que o gavião esqueceu
Com o hábito da queda alta
Sobre o sufoco do vazio
No corpo nele envolto
Suspenso no diafragma
Dispara o coração
Sem alvo à vista
Ou impossível de abater.
Se perigo metralha
A agonia de morte
Que alma embala
Na supressão contínua do espaço
É do ver se bala-destruída
E sem tê-la agarrar a dor
Como único sustento
Que o fim nunca mais chega.

Zé Chove

Quilha

Gancho cravado nas costas,
A dor liberta dos apetites o corpo
Exposto ao mar de ferinos dentes
A dor é quilha bem delineada
Ampara-nos das ondas da fantasia

Lúcio Ferro

18.2.10

Funeral

Dez vezes sufragado o corpo

Cessou por fim a chuva
Uma última palavra
Trovoou fora da eremida
Libertando a mirra do peito
No chuvoso lagedo
Reflexo do céu em luto

André Istmo

17.2.10

La Strada

Torre

Viver no prédio das mil fachadas
Milhares de janelas
Os rostos prisioneiros no inverno
Carne encarcerada no ascensor
Da botoneira negra e sangue escarrado no espelho
O sórdido betão inumano
As primaveras floridas de sardinheiras
No parapeito e os lençóis lavados
Pandos de tanto branco
Acampamento cigano no verão
Assados no carvão na escada de incêndio
O sol arrastado lento pelo saguão
Mil fachadas de oiro mil sombras nas varandas
No outono procuro um rosto
Esquecido nas paredes dum apartamento
Mas entre as esquinas de mil paredes
Só passa o vento, só passa o vento.



Nicolau Divan

Cerração


Todo o mal radica em falsidade.
O mal pelo bem. Diluição. Cerração.
Perfuração. Queda. Satisfação Selvagem.
Aguentámos o discurso da ética até à exaustão?
Acordamos de noite com o relinchar
aflito dos cavalos no estábulo?

André Istmo

15.2.10

Bjartur's Reverendgudmundur Sheeps

Adormeço com estas

Estrada Romana

A estrada romana vai descendo com o rio. Uma parte da estrada foi enterrada quando se construiu a ponte da auto-estrada. Devia ser o troço mais interessante do percurso, porque aqui o vale é mais estreito e mais profundo. As águas invernais sentindo-se comprimidas redobram de força e o homem encavalitou entre as escarpas graníticas a sua azenha.

Os gigantes blocos de granito. Tudo sucumbe à fúria do rio: a terra, os animais que guincham em pânico, as árvores, o despenteado silvedo... Os rochedos permanecem fortes sustentando as águas impedindo que o seu vigor se dissolva na sequiosa terra.

A uns passos daqui fica um mosteiro medieval. É composto por vários corpos suportando-se mutuamente na comum degradação. Quem vem do rio depois duma vinha separada da terrosa estrada por um muro depara-se com o conjunto envolvido à esquerda por uns socalcos ensombrados por decrépitas latadas e à direita por um exército alinhado de salgueiros e plátanos frondosos. Daqui divisam-se três corpos bastante diferentes entre si mas bem proporcionados e unificados pelo tom maciço do granito amarelado.

Lúcia

Duplos e Triplos

Adoro duplos e triplos albuns
É o prolongar da relação
Extende-se o tempo e engrossa-se
A história. White Album,
Melancollie and the infinite sadness,
Sketches for my sweetheart the drunk,
Unearthed, Live at Sinè,
Mashed Potatos, With the Lights Out,
Abbatoir Blues and the Lire of Orpheus,
Lost Dogs, Kid A and Amnesiac,
E a bem da sanidade despejo no mesmo saco
O que foi concebido separado
Morrisson Hotel e American Prayer,
Oh, Inverted World e Chutes to Narrow,
Blue Lines e Mezzanine,
Odelay e Mutations
Tardes e tardes e tardes e tardes...

Madalena Nova

Nan Elliot

A Invenção do Machado

Os processos, modos ou formas de actuar
Desenvolvem tal mecanicidade
Tal fluência... a técnica infere na força
Desenhando-lhe o entalhe certo
E a força aplica acutilância à técnica.
Não oferecem resistência as cabeças
Sob este pesado machado de lâmina silente.
Revoltam-se as almas com tal frieza
Sobretudo as mais apaixonadas
Pela imperfeição perfeita da natureza.

Tomás Manso

Rock XIV

Deliro na vertigem
Da guitarra em queda
Espiralada, quase
Verto lágrimas tal a
Velocidade e todo o
Corpo sente o embate
Da bateria seca
Esmagado no chão.
Feedback descola a
Pele dos músculos
O sangue furioso
Rasga a garganta

Mário Mosca

Pedagogia

Virou-se para trás e esmurrou o puto. Pumba, pumba, pumba. Sangue no vidro e silêncio – sinais exteriores de mudança no semblante ranhoso. Por o dentro o consolo do enquadramento pessoal num papel social de encarregado de educação como justificante. E para sublinhar o papel formativo prenhe de razão volta-se, o braço direito agarra a cabeceira do banco, o rosto sereno e assesta-lhe um soco na testa. A paz interior sussurra-lhe “a vida não está para brincadeiras”.

Filipe Elites

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...