16.4.10
Impulsos
O ar tinge sulforosas manhãs de gelo nos sonhos gris:
Os acontecimentos e as imagens presentes são amalgamados e
Trefilados num fuso até que se produza uma só nota, um tom primitivo ancestral que
Ondeia como um mantra até ao infinito, produzindo uma certeza indelével.
Essas certezas que impulsionam a alma. Se sonharmos muito multiplicam-se as certezas e
O corpo densifica-se de inércia e dissipa-se a vontade, a alma passa a vaguear junto
Dos precipícios e falésias sobre o mar com ânsias de infinito, mas
Sem se mexer: a loucura do mergulho
__________________ eternamente
_________ansiado e
adiado
Nicolau Divan
Cabras
Engrossa a destreza de esgravatar o mal o cómico e o desagradável
Filtros ocres que tingem a volumetria do teu quarto
Expandem os valores da tarde escaldante das cabras arfantes
Junto aos muros e se os seus sôfregos galhos se engancham nos da azinheira brava
Ai a malvadez dum olhar satânico transpirado
O nagalho, a faca, o sangue, o corte, o espasmo
Orlando Tango
14.4.10
A Glória é o Peso do Ser
Secreta utilidade
Olhos teus alqueires da glória
Aliviai-me do lastro da imundície
Com vossas mãos peneirai o joio
Com mão branda não
Com a mão firme calibrai a essência Oh
Argêntios dedos bisturis da aparência
E se da podridão inerte
Fluir infrene quiser a paixão...não
O permitas
Se ao menos nos ameaçassem
Os cactos ou as fauces da cascavel não
Tomai-lhe o peso
Mas no vosso Coração
André Istmo
M&M
Memórias amordaçam-me até
À mansão do sono mel morno
Embota-se o murmúrio mudo
Do moldar oleiro do mundo
Lepurino Cornudo
A Importância do Toque
Aparência da aparente suculência do fruto
Esfuma-se ao toque polvorento
Fruto esboroa-se a imagem da grossa maçã
Encarquilha-se em crosta velha
Filipe Elites
12.4.10
Escarpa Catedral do Mar
Escarpa catedral do mar
Flechas de quedas abissais
Faces escarpadas cegas de sal
Vergastadas de glória
Expostas fauces de dor
Rumor gutural-grutural
Escadas de pedra em queda
Do céu ao mar em flecha
Falésia debruçada sobre o mar
Reflexo malabar
Opalinas gaivotas
Gravadas nas covas ancestrais
Em voltas em voltas envoltas e voltas
Zé Chove
Asfixiantes Horas
Asfixiantes horas – teias de eteridade
Bolorenta em que me enleio
Horas-teias que me tendes traiçoeiras
Horas-teias que me tentas
Envolvência nebulosa de enfado
Covas suevas no cavername do peito
Em que me refastelo
Sois meu castelo de deleito
Largo preito
Muros densos de acobreado granito
Bolorento tenso bafio
Desconcentro da realidade alheamento
Lúcia
4.3.10
Sagas
O grão de poeira original
Morreu no mar indiano profundo
Na calmaria dum outono sem ondas
Não chegou o oxigénio vital
Secas como carapaus espinhudos
As suas palavras ferem
Espiralantes redes de alguém
Em busca das sagas cegas nos oceanos mudos
Ivo Lascivo
Morreu no mar indiano profundo
Na calmaria dum outono sem ondas
Não chegou o oxigénio vital
Secas como carapaus espinhudos
As suas palavras ferem
Espiralantes redes de alguém
Em busca das sagas cegas nos oceanos mudos
Ivo Lascivo
3.3.10
Vinhas de Sangue
Afastando a manta da manhã
Os confins pariram-nos de rubi
Espinhaços, serras, plainos e rechãs
E o tinto vertido infinito rio
Cedo se cresta o vale de tanto rasgo
Desenho nas costelas do meu peito
Conduzindo as paralelas escarpas
Nas vergastadas do inverno a eito
Esteado às escadas de xisto
O estoirado vinhedo vermelho
Que sangro! Em vertentes ébrias do rosto
Rácimos-chagas dádivas de Cristo
Cálice da Agonia de joelhos
Vinhas de sangue lágrimas de mosto
Zé Chove
Os confins pariram-nos de rubi
Espinhaços, serras, plainos e rechãs
E o tinto vertido infinito rio
Cedo se cresta o vale de tanto rasgo
Desenho nas costelas do meu peito
Conduzindo as paralelas escarpas
Nas vergastadas do inverno a eito
Esteado às escadas de xisto
O estoirado vinhedo vermelho
Que sangro! Em vertentes ébrias do rosto
Rácimos-chagas dádivas de Cristo
Cálice da Agonia de joelhos
Vinhas de sangue lágrimas de mosto
Zé Chove
1.3.10
somewhere I have never travelled - e. e. cummings
somewhere i have never travelled, gladly beyond
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near
your slightest look will easily unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully,mysteriously)her first rose
or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully ,suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;
nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility:whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing
(i do not know what it is about you that closes
and opens;only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody,not even the rain,has such small hands
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near
your slightest look will easily unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully,mysteriously)her first rose
or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully ,suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;
nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility:whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing
(i do not know what it is about you that closes
and opens;only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody,not even the rain,has such small hands
Mashed Potatos I
Vocifera Agressão
Extorquido
Agrilhoado
Fantasma
Carcinoma
Roma
Espasma
Glória
Ser
Peso
Comunhão
Aparência
Senado
Cavalos
Império
Não serenei ainda os espíritos do meu espírito
Os olhos davam-lhe um ar inchado
e rebarbado
Assim semi-cerrados
Custou-te o sangue e um
Terço das amígdalas moldar esse
Lamento andrógino e
Agora dizes que é natural
Não tenho paciência para tal
Extorquido
Agrilhoado
Fantasma
Carcinoma
Roma
Espasma
Glória
Ser
Peso
Comunhão
Aparência
Senado
Cavalos
Império
Não serenei ainda os espíritos do meu espírito
Os olhos davam-lhe um ar inchado
e rebarbado
Assim semi-cerrados
Custou-te o sangue e um
Terço das amígdalas moldar esse
Lamento andrógino e
Agora dizes que é natural
Não tenho paciência para tal
27.2.10
Manhã
Têmporas das brisas de loiro damasco
As comissuras de manteiga marinadas
Olhos cerzidos de pijama
Amansa o murmurar de teu manto de garança
E verte as ânforas de etéreas lembranças
Oh manhãs rubiáceas dos ecos
De argentinos risos
Dos arrepios de descalço pé-travertino
Indolência infantil
Possibilidade possível infinito aspergido
Na relva viçosa do jardim
Tanto brilho num suspiro
O vapor do duche perlado
Nas corolas vergadas do tomilho
Lúcia
Natureza Morta
Espreguiça-te manhã
Nas poças do alpendre
A cozinha ragada de porta a porta
Esvoaçam os pássaros
A colecção de canecas atrás da rede
Polenizadas pelo tempo
Sete cabos de facas desenham
A mão da sombra no fulgor matutino
Apaixonadas abelhas
Pelas dobradiças incandescentes
O zumbido cai com torpor
Sobre os olhos do cão
Se restolha o brando lume no fogão
Jovens mãos mirando-se no reflexo
Álgido dos pratos
Feno em que se agastam os dias onde se perdem as chuvas
Alimento-me da tua vista
Ao longe amparado numa amaldiçoada figueira
Uma torre ameada pomposa como o Verão
As brisas que roubam as laranjeiras
Roubam-me a atenção para aqui mais perto
Madalena Nova
23.2.10
(Se) Despertares
A segunda voz é um coro esganiçado A primeira é cantada por quatro raparigas polifónicas
Enleantes forças sedentas da noite Serpentes negras
Estrafegam os brandos corpos Lassidão sepultada inerme
Tu Brilha dá luz Pisa com força a terra
Tu grita às turbas As veias lavradas de brasas
Enlameadas no fundo dos poços Lama lama lama
O turbilhão serpentino de ferinos Rachando as almas
Dentes rasura os colmilhos à realidade Violação das fontes
E é vê-la desdentada incapaz de se alimentar Vagos horizontes
Míriades de archotes marchetando a escuridão Negros Montes
Galvanizam os cegos com a Nova Luz O isco rebenta o Céu da boca
Ergamos ao final do dia os bastiões da fome Rebelião Garbosa
Dessedentados na Luz destrinçaremos a realeza das coisas O brilho da Rosa
Enquanto uma criança mija na fornalha da mentira Lamurienta partida Lira
André Istmo
Enleantes forças sedentas da noite Serpentes negras
Estrafegam os brandos corpos Lassidão sepultada inerme
Tu Brilha dá luz Pisa com força a terra
Tu grita às turbas As veias lavradas de brasas
Enlameadas no fundo dos poços Lama lama lama
O turbilhão serpentino de ferinos Rachando as almas
Dentes rasura os colmilhos à realidade Violação das fontes
E é vê-la desdentada incapaz de se alimentar Vagos horizontes
Míriades de archotes marchetando a escuridão Negros Montes
Galvanizam os cegos com a Nova Luz O isco rebenta o Céu da boca
Ergamos ao final do dia os bastiões da fome Rebelião Garbosa
Dessedentados na Luz destrinçaremos a realeza das coisas O brilho da Rosa
Enquanto uma criança mija na fornalha da mentira Lamurienta partida Lira
André Istmo
22.2.10
Sancta Sanctorum
O beco sagrado da alma
Inundado pela luz do lampião
Sob o reflexo noturno das janelas
Quebradas dos prédios devolutos
Reverente avanço de pescoço vergado
Profundamente devoto
Vinte pisos ao alto a abóbada da catedral
Tingida de vermelho pelas luzes da cidade
Ecoa as minhas orações como um coro
De gatos esfomeados na libação do sangue
Morno no arame farpado
Suspiram beatas as ratazanas nos recantos
Das capelas laterais expiando as faltas
Em lágrimas vertidas em borbotões pelos boeiros
Defronte do retábulo de tristes nichos
Vãos negros como bocas lamentosas onde
O vento chora nas lassas cordas da roupa
Ergo o olhar sem fé ao santo dos santos
Onde esvoaça um lençol esfarrapado
E à luz de enfermiças velas
Se esfuma a tua silhueta.
Tomás Manso
Inundado pela luz do lampião
Sob o reflexo noturno das janelas
Quebradas dos prédios devolutos
Reverente avanço de pescoço vergado
Profundamente devoto
Vinte pisos ao alto a abóbada da catedral
Tingida de vermelho pelas luzes da cidade
Ecoa as minhas orações como um coro
De gatos esfomeados na libação do sangue
Morno no arame farpado
Suspiram beatas as ratazanas nos recantos
Das capelas laterais expiando as faltas
Em lágrimas vertidas em borbotões pelos boeiros
Defronte do retábulo de tristes nichos
Vãos negros como bocas lamentosas onde
O vento chora nas lassas cordas da roupa
Ergo o olhar sem fé ao santo dos santos
Onde esvoaça um lençol esfarrapado
E à luz de enfermiças velas
Se esfuma a tua silhueta.
Tomás Manso
Streetview
Em dias de chuva intensa
Os camiões rasgam a nacional
Acordando as asas dos alvos anjos
Nas bermas infernizando as pernas
Das meninas que passam na rua
Escorrendo as pinturas
Pelas faces nos retrovisores
Lavados de lágrimas
Lúcio Ferro
Os camiões rasgam a nacional
Acordando as asas dos alvos anjos
Nas bermas infernizando as pernas
Das meninas que passam na rua
Escorrendo as pinturas
Pelas faces nos retrovisores
Lavados de lágrimas
Lúcio Ferro
19.2.10
Queda
O pânico que o gavião esqueceu
Com o hábito da queda alta
Sobre o sufoco do vazio
No corpo nele envolto
Suspenso no diafragma
Dispara o coração
Sem alvo à vista
Ou impossível de abater.
Se perigo metralha
A agonia de morte
Que alma embala
Na supressão contínua do espaço
É do ver se bala-destruída
E sem tê-la agarrar a dor
Como único sustento
Que o fim nunca mais chega.
Zé Chove
Com o hábito da queda alta
Sobre o sufoco do vazio
No corpo nele envolto
Suspenso no diafragma
Dispara o coração
Sem alvo à vista
Ou impossível de abater.
Se perigo metralha
A agonia de morte
Que alma embala
Na supressão contínua do espaço
É do ver se bala-destruída
E sem tê-la agarrar a dor
Como único sustento
Que o fim nunca mais chega.
Zé Chove
Quilha
Gancho cravado nas costas,
A dor liberta dos apetites o corpo
Exposto ao mar de ferinos dentes
A dor é quilha bem delineada
Ampara-nos das ondas da fantasia
Lúcio Ferro
A dor liberta dos apetites o corpo
Exposto ao mar de ferinos dentes
A dor é quilha bem delineada
Ampara-nos das ondas da fantasia
Lúcio Ferro
18.2.10
Funeral
Dez vezes sufragado o corpo
Cessou por fim a chuva
Uma última palavra
Trovoou fora da eremida
Libertando a mirra do peito
No chuvoso lagedo
Reflexo do céu em luto
André Istmo
Cessou por fim a chuva
Uma última palavra
Trovoou fora da eremida
Libertando a mirra do peito
No chuvoso lagedo
Reflexo do céu em luto
André Istmo
17.2.10
Torre
Viver no prédio das mil fachadas
Milhares de janelas
Os rostos prisioneiros no inverno
Carne encarcerada no ascensor
Da botoneira negra e sangue escarrado no espelho
O sórdido betão inumano
As primaveras floridas de sardinheiras
No parapeito e os lençóis lavados
Pandos de tanto branco
Acampamento cigano no verão
Assados no carvão na escada de incêndio
O sol arrastado lento pelo saguão
Mil fachadas de oiro mil sombras nas varandas
No outono procuro um rosto
Esquecido nas paredes dum apartamento
Mas entre as esquinas de mil paredes
Só passa o vento, só passa o vento.
Nicolau Divan
Milhares de janelas
Os rostos prisioneiros no inverno
Carne encarcerada no ascensor
Da botoneira negra e sangue escarrado no espelho
O sórdido betão inumano
As primaveras floridas de sardinheiras
No parapeito e os lençóis lavados
Pandos de tanto branco
Acampamento cigano no verão
Assados no carvão na escada de incêndio
O sol arrastado lento pelo saguão
Mil fachadas de oiro mil sombras nas varandas
No outono procuro um rosto
Esquecido nas paredes dum apartamento
Mas entre as esquinas de mil paredes
Só passa o vento, só passa o vento.
Nicolau Divan
Cerração
Todo o mal radica em falsidade.
O mal pelo bem. Diluição. Cerração.
Perfuração. Queda. Satisfação Selvagem.
Aguentámos o discurso da ética até à exaustão?
Acordamos de noite com o relinchar
aflito dos cavalos no estábulo?
André Istmo
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