mundo de linha rectas
o meu amor é um cubo
tornado quadrado com o tempo
vai outra vez mais rápido
sugado até um ponto.
Lúcia
14.9.07
Dissertação
Podíamos dissertar acerca das maravilhas,
dessa cria singular da gastronomia portuguesa,
umas mais entre o género das fêmeas,
a grandiosa, a doce, a grossa,
essa mártir frita no óleo – donde tira a sua força -
aquela fofa, alegria de manhãs domingueiras,
tentação mais forte das crianças,
a cheia e loira, levemente encarquilhada
querida fartura
faz-me chupar os dedos
e reclama sempre uma companheira
mal me roça o colo do estômago
Vasco Vides
dessa cria singular da gastronomia portuguesa,
umas mais entre o género das fêmeas,
a grandiosa, a doce, a grossa,
essa mártir frita no óleo – donde tira a sua força -
aquela fofa, alegria de manhãs domingueiras,
tentação mais forte das crianças,
a cheia e loira, levemente encarquilhada
querida fartura
faz-me chupar os dedos
e reclama sempre uma companheira
mal me roça o colo do estômago
Vasco Vides
Old Vic
Perdido num beco escuro
onde fumam grelhas de esgoto
os miasmas matutinos
escondendo sombras vultos furtivos
ao longe catenárias choram gemidos
quando te aproximas da porta refundida
tocas à porta noite alta
és aceite no covil
antro de perdição aquecido
sofás de veludo
tecto escuro
sibilam conspirações
entredentes máfias de bairro
luzes ténues de confidências
molhadas em álcool escocês
o breu sussurra indecências
espírito de art noveau
espelho de decadências
(PS: não deixe de visitar os lavabos)
Lúcio Ferro
onde fumam grelhas de esgoto
os miasmas matutinos
escondendo sombras vultos furtivos
ao longe catenárias choram gemidos
quando te aproximas da porta refundida
tocas à porta noite alta
és aceite no covil
antro de perdição aquecido
sofás de veludo
tecto escuro
sibilam conspirações
entredentes máfias de bairro
luzes ténues de confidências
molhadas em álcool escocês
o breu sussurra indecências
espírito de art noveau
espelho de decadências
(PS: não deixe de visitar os lavabos)
Lúcio Ferro
Loucos
Tinidos gélidos no metal,
vozes etéreas siderais,
halos azuis atravessando espaço,
infinitos brilhos em espirais.
Passam cegos aos milhares,
cruzam sem dimensões,
partículas sem vontade,
esbarram mortas de cansaço.
Grito “loucos”,
sem substância,
caio aniquilado...
Carlos Marques
vozes etéreas siderais,
halos azuis atravessando espaço,
infinitos brilhos em espirais.
Passam cegos aos milhares,
cruzam sem dimensões,
partículas sem vontade,
esbarram mortas de cansaço.
Grito “loucos”,
sem substância,
caio aniquilado...
Carlos Marques
Rosador
No palacete gótico à muito que as gárgulas ganharam vida
cânticos joviais rasgam as noites sem fim
os árvores ululam sem resistência
as sombras envolvem a triste criatura
poderosa e ingénua parte a pedra distraída
não foi criada, foi fabricada de dor
o seu criador não nascera ali mas por amor
subira o morro raivoso
corroído por dentro
e o fruto do seu pecado fora a espantosa
Rosador
mais bela que o seu modelo
concebida para matar
o traidor
Carlos Marques
cânticos joviais rasgam as noites sem fim
os árvores ululam sem resistência
as sombras envolvem a triste criatura
poderosa e ingénua parte a pedra distraída
não foi criada, foi fabricada de dor
o seu criador não nascera ali mas por amor
subira o morro raivoso
corroído por dentro
e o fruto do seu pecado fora a espantosa
Rosador
mais bela que o seu modelo
concebida para matar
o traidor
Carlos Marques
Crianças a Dormir
crianças a dormir quentinhas nas suas alcovas
a lua brilha lá fora
a mãe aconchegas com carinho
a neve acumula-se no parapeito
o Natal chegou
Nicolau Divan
a lua brilha lá fora
a mãe aconchegas com carinho
a neve acumula-se no parapeito
o Natal chegou
Nicolau Divan
Caiu no poço
caiu no poço a criança de dois anos
sua mãe destroçada
desfaz-se na berma
espancada pelo marido que a ama
começar de novo com lágrimas
Ivo Lascivo
sua mãe destroçada
desfaz-se na berma
espancada pelo marido que a ama
começar de novo com lágrimas
Ivo Lascivo
um rio preto
um rio preto
um vestido vermelho
a mesa com os candelabros
beijos quentes e doces
a tua mão branca no tapete de pelo denso
abracei-te com paixão
entornaste o vinho no meu cabelo
Nicolau Divan
um vestido vermelho
a mesa com os candelabros
beijos quentes e doces
a tua mão branca no tapete de pelo denso
abracei-te com paixão
entornaste o vinho no meu cabelo
Nicolau Divan
Ela falava
ela falava e falava
diligência desenfreada
ribombando na plana pradaria
silêncio do meu sótão
Vasco Vides
diligência desenfreada
ribombando na plana pradaria
silêncio do meu sótão
Vasco Vides
oh doces luzes do terror
oh doces luzes do terror
morte dura de um jovem
um boi esventrado
fachada decadente
de laranja afagada
rio de sorte inclemente
não sei se faço bem em revolver esta sutura
o corpo dorido queixa-se ao mínimo movimento
Diniz Giz
morte dura de um jovem
um boi esventrado
fachada decadente
de laranja afagada
rio de sorte inclemente
não sei se faço bem em revolver esta sutura
o corpo dorido queixa-se ao mínimo movimento
Diniz Giz
Um Burro
Um burro sarnento e esquecido
deitado no pó da terra
pele de manta castanho férreo
arfando todo já vencido
Paulo Ovo
deitado no pó da terra
pele de manta castanho férreo
arfando todo já vencido
Paulo Ovo
13.9.07
doutor distinto e cavalheiro
doutor distinto e cavalheiro
deixava as mulheres a suspirar
o charme francês de fraque e cigarreira
dançou pelo baile de chá
ninguém sabia o seu apeadeiro
Lúcio Ferro
deixava as mulheres a suspirar
o charme francês de fraque e cigarreira
dançou pelo baile de chá
ninguém sabia o seu apeadeiro
Lúcio Ferro
uma árvore ao vento #3
será um mês de trabalho árduo.
somos três.
fiquei encarregado de carregar as ferramentas.
seguíamos em silêncio.
o bafo opressivo que emanava do chão
e o sol que nos chapava na cara
fazia-nos curvar o pescoço.
os passos do primeiro faziam
gorgolejar a água nas tinas.
os lagartos escondiam-se nas pedras à nossa passagem.
o percurso da água agora poeirento
seguia sinuoso e rápido por entre o matagal.
por vezes tínhamos de trepar algum rochedo
ou resvalavam algumas pedras sob os nossos pés.
agora a aldeia brilhava encaixada lá em baixo.
os pulmões arfavam
levemente na ânsia de chegar.
os meus olhos encheram-se de lágrimas
com o brilho fulgurante do mar que ficava para trás.
quase no topo a serra ficou nua
e sem vida neste troço em que mais pedras rolam
nem os cardos se agarram.
mais acima um grande paredão de rochas puras brilham
intocáveis aconchegadas entre si por escuros sombrios arbustos
que tentam esconder-se da força do sol.
cruzámos a cordilheira por baixo de uma rocha
imponente qual dólmen ancestral.
a paisagem agora já não se estendia até ao
infinito como no oceano.
deste lado mais verde e fresco.
uma aragem vinda do
norte atravessou-nos lânguida o corpo.
A vista para o vale era doce e sorridente
alguém disse a primeira palavra.
Já entardecia o vento tornava-se fresco.
O silêncio da natureza fazia o pensamento
borbotar em todas as direcções.
Zé Chove
somos três.
fiquei encarregado de carregar as ferramentas.
seguíamos em silêncio.
o bafo opressivo que emanava do chão
e o sol que nos chapava na cara
fazia-nos curvar o pescoço.
os passos do primeiro faziam
gorgolejar a água nas tinas.
os lagartos escondiam-se nas pedras à nossa passagem.
o percurso da água agora poeirento
seguia sinuoso e rápido por entre o matagal.
por vezes tínhamos de trepar algum rochedo
ou resvalavam algumas pedras sob os nossos pés.
agora a aldeia brilhava encaixada lá em baixo.
os pulmões arfavam
levemente na ânsia de chegar.
os meus olhos encheram-se de lágrimas
com o brilho fulgurante do mar que ficava para trás.
quase no topo a serra ficou nua
e sem vida neste troço em que mais pedras rolam
nem os cardos se agarram.
mais acima um grande paredão de rochas puras brilham
intocáveis aconchegadas entre si por escuros sombrios arbustos
que tentam esconder-se da força do sol.
cruzámos a cordilheira por baixo de uma rocha
imponente qual dólmen ancestral.
a paisagem agora já não se estendia até ao
infinito como no oceano.
deste lado mais verde e fresco.
uma aragem vinda do
norte atravessou-nos lânguida o corpo.
A vista para o vale era doce e sorridente
alguém disse a primeira palavra.
Já entardecia o vento tornava-se fresco.
O silêncio da natureza fazia o pensamento
borbotar em todas as direcções.
Zé Chove
11.9.07
Homo-Socialis
Chamem-me o prevaricador,
o mãos largas, o estranho,
afastem as vossas filhas
trocem do meu jeito
tranquem vossas casas
façam figas
deem-me essa glória
da consideração social
quero deixar memória
ter entidade judicial
ao passar por mim na rua
desconfie, reaja, estremeça
por favor não passe
com indiferença
Vasco Vides
o mãos largas, o estranho,
afastem as vossas filhas
trocem do meu jeito
tranquem vossas casas
façam figas
deem-me essa glória
da consideração social
quero deixar memória
ter entidade judicial
ao passar por mim na rua
desconfie, reaja, estremeça
por favor não passe
com indiferença
Vasco Vides
Aditamento #2
Nick Cave - And the Ass Saw the Angel
Joanna Newsom - Y's
Jim Morrisson - An American Prayer
Joanna Newsom - Y's
Jim Morrisson - An American Prayer
Já a luz definhava
Já a luz definhava, entrámos no rio,
Mergulhámos no negro profundo,
O líquido envolveu-nos de frio,
Quem me aquecerá agora?
Os movimentos lentos,
Com medo da escuridão,
Senti o teu corpo de cetim,
Fiquei com falta de ar.
Lúcia
Mergulhámos no negro profundo,
O líquido envolveu-nos de frio,
Quem me aquecerá agora?
Os movimentos lentos,
Com medo da escuridão,
Senti o teu corpo de cetim,
Fiquei com falta de ar.
Lúcia
Cervunal
Fui à Serra da Estrela
pastei num lindo cervunal
com as cabras e as ovelhas
não comi nada mal
Maria Vouga
Deixava o álcool
Deixava o álcool assentar em pensamentos imorais,
Vagueando sem sentido junto ao velho cais.
O corpo quente e a cara refrescada pelo rio,
A carne dormente mole,
O espírito desperto malvado queria mais.
O rio corria negro sem matéria sem fundo,
A malícia da alma chicoteava,
O corpo exausto.
Os olhos fixavam tudo,
Ancorados às coisas do mundo,
Para não se afogarem no remorso bruto,
Que o arrasta pró mar profundo (abismo do mar),
Nas noites tristes sem luar.
Zé Chove
Vagueando sem sentido junto ao velho cais.
O corpo quente e a cara refrescada pelo rio,
A carne dormente mole,
O espírito desperto malvado queria mais.
O rio corria negro sem matéria sem fundo,
A malícia da alma chicoteava,
O corpo exausto.
Os olhos fixavam tudo,
Ancorados às coisas do mundo,
Para não se afogarem no remorso bruto,
Que o arrasta pró mar profundo (abismo do mar),
Nas noites tristes sem luar.
Zé Chove
Melga
Deixei uma melga no meu quarto entrar,
Fechei-a cá dentro, irritado,
Chupou-me o sangue queria acasalar,
Morreu sozinha de cheio papo.
Vasco Vides
Fechei-a cá dentro, irritado,
Chupou-me o sangue queria acasalar,
Morreu sozinha de cheio papo.
Vasco Vides
10.9.07
Soneto Industrial
A frieza da modernidade de outrora,
na antiga fábrica abandonada,
foi acamada por tufos de viçosa flora.
A estrutura permanece intacta,
em vez de vidros tem pombas,
pintura de verdete e ferrugem.
Interior arrumado por bombas,
almas rangem, estalam, plangem.
no escuro suspiram cadavéricas,
as máquinas em silêncio,
por mais oleadas décadas.
A fachada mantem vetusta imponência,
a nave sem carnes é esquelética.
Sinto conforto nesta digna decadência.
Zé Chove
na antiga fábrica abandonada,
foi acamada por tufos de viçosa flora.
A estrutura permanece intacta,
em vez de vidros tem pombas,
pintura de verdete e ferrugem.
Interior arrumado por bombas,
almas rangem, estalam, plangem.
no escuro suspiram cadavéricas,
as máquinas em silêncio,
por mais oleadas décadas.
A fachada mantem vetusta imponência,
a nave sem carnes é esquelética.
Sinto conforto nesta digna decadência.
Zé Chove
Tu não querias mas tiveste de engolir
Tu não querias mas tiveste de engolir
o prémio do bolo rei.
Marco Íris
o prémio do bolo rei.
Marco Íris
6.9.07
Montanhas de cinza
montanhas de cinza fulva
ainda mornas sob a chuva.
uvas secas sobre o leito
do rio que atravessa o meu peito.
fornalha de pensamento em brasa,
movimento diligente sem asa.
fogo que aspira a novidade,
em corpo morto, frio e sem vontade.
uma rocha bruta pingando,
sob a chuva em suave pranto.
olha o vale abrupto de rochedos,
e chora a fonte da sua tristeza.
Nicolau Divan
ainda mornas sob a chuva.
uvas secas sobre o leito
do rio que atravessa o meu peito.
fornalha de pensamento em brasa,
movimento diligente sem asa.
fogo que aspira a novidade,
em corpo morto, frio e sem vontade.
uma rocha bruta pingando,
sob a chuva em suave pranto.
olha o vale abrupto de rochedos,
e chora a fonte da sua tristeza.
Nicolau Divan
Ouro e Prata
Ouro e prata, ouro e prata,
Fios dos teus cabelos,
Mais brilhantes que as estrelas,
Ouro e prata, choro ao vê-los.
Leite e mel, leite mel,
Sobre a pele do teu pescoço,
Doce e puro como o trevo,
Leite e mel, eu te peço.
Metal e fogo, metal e fogo,
Brilho fulgente do teu olhar,
Tão profundo abismo em que me afogo,
Sem desejo ou forças de voltar.
Rocha e silêncio, rocha e silêncio,
Refúgio sagrado no teu peito,
Câmara de luz e lealdade,
Em que me escondo do mundo inteiro.
De mar e vento, de mar e vento,
Força de alma entregue num beijo,
Impeto de paixão que enfrento,
De mar e vento, é o meu desejo.
Lúcia
Fios dos teus cabelos,
Mais brilhantes que as estrelas,
Ouro e prata, choro ao vê-los.
Leite e mel, leite mel,
Sobre a pele do teu pescoço,
Doce e puro como o trevo,
Leite e mel, eu te peço.
Metal e fogo, metal e fogo,
Brilho fulgente do teu olhar,
Tão profundo abismo em que me afogo,
Sem desejo ou forças de voltar.
Rocha e silêncio, rocha e silêncio,
Refúgio sagrado no teu peito,
Câmara de luz e lealdade,
Em que me escondo do mundo inteiro.
De mar e vento, de mar e vento,
Força de alma entregue num beijo,
Impeto de paixão que enfrento,
De mar e vento, é o meu desejo.
Lúcia
Fagotes e trompas
Fagotes e trompas soaram fúnebres,
Grilhões pesados arrastados lúgubres.
As mulas carregavam o ataúde,
Resvalaram na ladeira de lama escura.
Caiu o corpo morto desamparado,
Rasgando as suturas débeis da viúva.
Zé Chove
Grilhões pesados arrastados lúgubres.
As mulas carregavam o ataúde,
Resvalaram na ladeira de lama escura.
Caiu o corpo morto desamparado,
Rasgando as suturas débeis da viúva.
Zé Chove
Fados
depois da cansativa noite
ela trina e grita o fado
o sono embate no meu estrado
e sonho louco desfraldado contigo,
meio fresco mas atinado
Diniz Giz
ela trina e grita o fado
o sono embate no meu estrado
e sonho louco desfraldado contigo,
meio fresco mas atinado
Diniz Giz
5.9.07
um lençol fino de sangue
um lençol fino de sangue
delambeu a quente pedra de xisto.
e verteu docemente em cortina
sobre a alva testa da minha amada.
Paulo Ovo
delambeu a quente pedra de xisto.
e verteu docemente em cortina
sobre a alva testa da minha amada.
Paulo Ovo
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