15.4.08
HOMEM PARA DEUS
onde morrer um pouco toda a morte que o espera
Se é ele o portador do grande coração
e sabe abrir o seio como a terra
temei não partam dele as grandes negações
Que há de comum entre ele e quem na juventude foi
que mão estendem eles um ao outro
por sobre tanta morte que nos dias veio?
É no seu coração que todo o homem ri e sofre
é lá que as estações recolhem findo o fogo
onde aquecer as mãos durante a tentação
é lá que no seu tempo tudo nasce ou morre
Não leva mais de seu que esse pequeno orgulho
de saber que decerto qualquer coisa acabará
quando partir um dia para não voltar
e que então finalmente uma atitude sua há-de implicar
embora diminuta uma qualquer consequência
O que Deus terá visto nele para morrer por ele?
Oh que responsabilidade a sua
Que não dê como a árvore sobre a vida simples sombra
que faça mais do que crescer e ir perdendo as vestes
Oh que difícil não é criar um homem para Deus
Ruy Belo, TODOS OS POEMAS I
Nocturnos
Percorrendo as sebes e cercas
Destas ruas até a mão ficar dormente
Correm os cavalos no ginásio
Até de madrugada
Fizeram fogueiras junto ao mar
Barrotes de armar barracas
Borbulhando o aroma
Do petróleo queimado
Na cama penso sem interrupção
Num como pai o outro o mais velho irmão
Corre corre corre corre
Corre corre corre corre
Toda a noite num sufoco
Ansiando a madrugada
Corre corre em alvoroço
Mãos sapudas de noite
Percorrendo as sebes e cercas
Destas ruas até a mão ficar dormente
Passei com a minha avó
De visita ao apartamento duma sua
Amiga cubana
Num prédio pouco iluminado do Bairro Alto
Dona I. Cantora conceituada de Cabarets
Bem afamados
Jogam as duas crapot
perdido entre armários tapetes e vestidos
no escuro envolvo-me nos veludos
perdido sem ar toda a noite entre mantas e sobretudos
num muro iluminado a lampião
ressequido e ensopado
ressequido e ensopado
de mau cheiro
bem a vermelho com pontos
de exclamação
Vamos Ochupar Lisboa
Mãos sapudas de noite
Percorrendo as sebes e cercas
Destas ruas até a mão ficar dormente
No cadeirão de veludo
Gania o meu tio
Uma idade existe em que os meninos
Parecem meninas e as meninas
Parecem anjos
Desligado o candeeiro
Não conseguia dormir deitado
Verde-hirsutos de porte
Esbelto conformam as alamedas
Com eles chora
O vento sobre
A campa da minha ofélia
Mãos sapudas de noite
Percorrendo as campas
Destas ruas até a alma
ficar dormente
Zé Chove
Noite Profeta
de madeira velha
através da porta aberta
oiço a mata que clama
através da noite profeta
não se vêem as estrelas
as urzes transpiram secas
onde os mochos ululam
numa noite profeta
a cabana é sempre meu caixão
e lamenta toda a floresta
e através da porta aberta
amortalha-me em escuridão
nesta noite profeta
Desejos Matinais
Cão desejosos de em fato-de-treino
encontrar as cadelas das vizinhas
Manuel Bisnaga
Chorando na Missa
Quando absortos em orações
Ajoelhados na igreja
Antes da missa começar
Numa angústia atroz
Em deslavada carpideira
Implorando a Deus um milagre
Subiu ao presbitério
Chorando a intervenção do padre
Para adensar o mistério
Era constituída a assembleia
Duma amalgama de carantonhas suspeitas
Ameaçava atrasar-se a cerimónia
Pois perante tamanho imbróglio
Ficámos presos de impotência
E instalou-se o desconforto
Até que uma paroquiana
A arrastou em baba e ranho
Através da nave central
Durante a missa ecoaram até ao final
Abafados pelo carvalho do nártex
Gemidos arrítmicos guturais
Lúcio Ferro
Outras Vidas
almejamos a excelência
que reparem no nosso esforço
não queremos
transparecer naturalidade
e vida airosa
vivemos à tabela
sem desperdiçar um minuto
murchamos nossas potências
em favor da força do grupo
mas à noite libertamos
de novos as bestas
Filipe Elites
14.4.08
Spazzatura IV
Esta caminhada
É água no poço de remissão
Onde afogarás os teus pecados
Pai ao filho
Mioleiras infantes
De informação enmarmitada
Atendei
À porta a ferrugem assumiu uma vaga
Forma de carro
As heras, ervas daninhas, e tojos secos
São abafada neblina que tudo envolve
Tudo parece despenteado
A campainha rosnou ao longe
Como um tio catarroso num quarto
Escondido da casa
É água no poço de remissão
“The histories are the same
For centuries
We just change the scenarios
We’ve learned to transmute ourselves
Into other personae, and assume
Different masks as our teachers doce nobis
We can feel deeper in your feelings
Explain better why you’re suffering
And give you new and fresh meanings
For your life.”
Bana dixit.
Ophelia, Dying Elaine, Lady of Shalott
Caldeirada de escargot
Hei-de escrever sobre as virtudes
Como a ordem
(hands in the dark)(Flores na valeta)
Sabe tão bem ser cego
Para não olhar para a vossa tromba, F.’sD.P.
Pensando ou não pensando?
Como é que serás mais louca?
Forçar o pensamento não é natural
E forçar o não pensar, não é artificial?
E viver na perplexidade?
Forma de vida animal?
Onde afogarás os teus pecados?
Destroi-me a dentadura
E renova o stock com favas douradas
Destroze mi mano
Con el quita grapas
Alguma roupa só convém usar em casa
Só não tens dó de mim
De mim só não tens dó
Dó sim não tens
Mas quem és tu sem mim?
Só sem mim
É água no poço de remissão
Onde afogarás os teus pecados
Zé Chove
11.4.08
Carnificina Canibal
Da janela____fazia ondas no terraço
Da cozinha em que peguei____sob um telheiro iniciei
Numa terrina cheia____atiçando as brasas
De azeite____e esfreguei
Derramei____sem lavar as mãos
sobre a mesa e limpei____do carvão
a pele das mãos, o tampo____a carne mole e fresca
de mármore tudo envolto____com um preparado de ervas
em óleo____e óleo
depois peguei num lençol____e vinho morno
branco____e fogueei as grelhas
e estendi-o____que pingou borbulhas
sobre o tampo____borrifei as chamas
polvilhei farinha____dispus os nacos
displicente e com carinho____de forma aleatória
sorri com o cenário____e envolvi-me de fumo
e derreti margarina num tacho____e passei as mãos
derramei uma lata____pelo cabelo
de leite____e verti sangue e alhos
condensado____e acalmei as labaredas
e em cada passo____acompanhado de cerveja
fui lambendo com deleite____fui mordiscando ávido
os excessos____os bifinhos
dos dedos____esturricados
Orlando Tango
Urbanismo
A estrutura há muito já ruiu
Não cai por estar apoiada
Nas restantes casas do bairro
Madalena Nova
Dúvida Original
Que me amarga as entranhas
Enche de escrúpulos
Tinge as memórias
Tira-me o sono
Em vão busco consolo
Em vão tento esquecê-la
Assentou arraiais
Pesado grilhão basiloma
Se pudesse sacudir a alma
Atirá-la como uma pedra
Mas está num recanto
Onde ninguém chega
Só quem empreende
Uma jornada negra
Através de espirais
Num sulco original
Lúcia
8.4.08
Oração
totalmente consciente
e com total adesão da vontade
que me concedas Senhor
um cataclismo
Dispusestes as coisas
de forma a que nos doa alcançar
a perfeição
(e nunca a alcançamos)
Um maior tormento
Um maior grau
de destruição
devolvem-nos uma maior pureza
permitindo uma mais plena
renovação
e choro de alegria por saber
de antemão
que tudo nos concedes
e choro ainda de receio
não alcançar o que peço
pois sempre contas
com a minha liberdade
Oh Deus não oiças
a confusão
de espíritos suplicantes
que meu pobre corpo alberga
faz prevalecer antes
a tua Graça sobre esta cega
Carla Corpete
4.4.08
Lamento Judeu
Pasto bêbado pelas ruelas apoiando
As mãos nas padieiras e ombreiras das portas
A lua cheia fere-me os olhos
Não vejo mas sinto agora
Um vento gélido como um banho
Gelado e sinto
Uma multidão de olhos
Fixos em mim
E com ébria lucidez
caio em mim
e como um barco no mar alto
sou assolado
revolta-se o estômago com acidez
e vomita e vomita
uma poça de pecado
entram agora
no meu quarto com violência
cingem-me os rins
esbofeteiam-me
e amargam-me a boca
com pedaços de carne
ooohhuu que fiz eu para merecer tal suplício
mas a dor desperta-me
a lua ainda brilha
é agora conforto
uuuuuhhhhhuuuu
Lamento aterrorizado
mãos e punhos
sangualhados
sou arrastado
mudamente
através da turbamulta
num salto
a um estado de salvação
que não pedi
não compreendi
e morrerei cego
e bêbado
Lúcio Ferro
Titanic
Durante a noite, o Capitão Smith e o Quarto Oficial Boxhall conseguiam ver luzes de um barco que estava apenas a 16 quilómetros – 6 a 10 milhas do barco. Então, à 00:45, foram mandados foguetes de cinco em cinco minutos. A princípio, o barco parecia aproximar-se. Mas depois as luzes desapareceram. As esperanças de ajuda desapareceram com as luzes.
Por que estaria o navio tão perto? Por que é que não ajudou?
Algumas pessoas pensam que seria o Californian. De fato, a tripulação do Californian viu luzes no céu e luzes de um navio. Mas o navio parecia pequeno para eles. Quando tentaram mandar-lhe uma mensagem, não houve resposta.
Lamentos Cegos
“É mais fácil encontrar uma beata
No chão que alguém me dê um cigarro”
Nem quem o grão semeou
Do grão há-de comer
Não tem dó
A vida sob uma mó
Não quero aprender
Só quero certificações
Diplomas, certificados de habilitações
Muito devia ser muinto
E 13 treuze
Todos deviam dizer molhos
Da mesma forma
E não fôrma
Molhos e molhos
De ideias marejadas
Nos meus olhos
Como argueiros empilhados
Ao longo dos séculos
Dêem me um cigarro
Tum pe te pumpumtchim
Tum pe te pumpumtchim
António arribou ao escritório
Com estrépito e atónito
Esvaíra-se o lago de calma
Espelhado nos olhos da sua alma
Como me sinto só
Tentei restabelecer o diálogo
Com todos os meus empregados
O que é o Ultramar?
(envie-me pdf’s e ebooks sobre o tema)
Brilimpimpimtipipimtrim
Gaita-de-beiços na vara
- Oh meu Deus quem virá salvar
os nossos cegos? –
Todos os povos têm seus milagres
O milagre do pensamento
O milagre da guerra
O milagre do comércio
Das artes, do desporto, do silêncio
Foi da dinâmica dos astros?
Multiplicidade de impulsos interiores?
Fortes amizades ou um forte estado?
Brócópótrópóp´popótróc pim
Caixa das moedas e varão central
Cada vez que te dobras
E perdes raio de visão
O estado investe e explora
O teu bem amado quinhão
Filipe Elites
Mau Dormir
me incitam a pagar a rodada
olho desconsolado na cerveja
uma mosca morta a boiar
só se está bem na cama
Acordo mole no escritório
com medo que o patrão
veja esta bagunça e lhe
chegue ao nariz o cheiro
a ropa e carne estufada
de olhos embotados como
batatas, vagueio secretárias
durmo sempre em agonia
com ideia de ser apanhado
de pijama por um funcionário
De novo o acne do adolescente
De novo mau génio e raiva impudente
De novo os sonhos grandiosos
De novo os serões ociosos
De novo na cama deitado
A música é foleira – não contesto
Mas atiça-mo sentimento
Não faço grandes considerações
Já estou deitado na cama
Alguns poemas ficam espinhados
Quando vagueio na cama já deitado
Dos riscos de contar as sílabas
Parece que brilham, parecem cactos
Secando nas dunas do deserto
Marco Íris
30.3.08
Tinha Tinha
A falha
Que tinha
Na cara
Não era
De Sarna
Era tinha
Mas já não
Há falha
Na minha
Carne
Foi extinta
E a falha
Sem barba
Na minha
Cara
Que não
Era Sarna
Mas Tinha
Já pica
De barba
Cheiinha
Paulo Ovo
27.3.08
Romance Grotesco
Associo à palavra grotesco
A sua cara de cavalo.
De olhos fechados vagueio
Através da matina de ar fresco
Tremendo pela rua com anseio.
Transpor tão desgraçada cancela
Foi impulso quixotesco
Em busca de tão feia donzela.
Aterrorizada a grande mula zurrou
Mal vislumbrou meu jeito simiesco
De pernas tortas e capote de grou.
De damas é que eu não pesco
Terminou mal começou
Meu romance pitoresco.
Diniz Giz
Curses, Invocations
Caudinha de Marmota
Bigode Chinês
Bola de Naftalina Húmida
Catotas Despenteadas
Barca Rota
Hálito de Burra
Mija de Osga
Casaca do Cigano
Ceroula de Velha
Tíbia de Macaco Idoso
Céu da Boca Inquinado
Bafo de Ostra
POPULAR
Oferta de Emprego
Os loucos já sentados nos seus postos,
Algum trabalhadores nocturnos voltavam a casa,
E os alegres a vagabundearem bêbados.
Eu não queria, mas ia trabalhar,
Preferia ser louco e coçar as costas no Adamastor,
Pedir bolos grátis nos cafés,
Ou ficar sentado na boca do metro a ver as inglesas.
Andava contrafeito pró trabalho,
Preferia ir já cansado da faina nocturna,
Curtindo a madrugada fresca,
Embalado no cacilheiro para um sono diurno.
Olhei com rancor a porta do escritório,
E desejei a leveza do ébrio,
Quis gritar sem consciência dos meus actos,
Flutuar de bar em bar sem memória dos dias.
Cumprimentei com vivacidade o porteiro,
Sentei-me na secretária concentrado,
Liguei o computador com cara alegre,
E trabalhei com o afinco habitual.
Zé Chove
22.3.08
Quadras Açoreanas
de culpa
à noite
nas grutas.
Eu te asseguro
filho meu
não é bom auguro
se chora o breu.
O mar ruge
é monstro imenso
imensidão sem luz
cemitério imenso
se por feitiço
ou encantação
se por enguiço
ou tentação
teu corpo flutuar
quiser perdido
entre as ondas do mar.
não lhe dês ouvidos.
Faz-te mouco
e desentendido
que só um louco
não vê o perigo
O choro que escutas
não é humano
lá entre as grutas
do mar insano
é o sono profundo
do Leviatã
Respira fundo
Aguarda pla manhã
Mário Mosca
TS Eliot
exista separada do seu significado.
É claro que poesia alguma corresponde
exactamente à linguagem que o poeta fala e ouve;
mas ela deve manter uma relação com
a maneira de falar da sua época.
A música da poesia deve, portanto,
ser uma música latente na fala quotidiana
do seu tempo.
No Totem
sentados já sem assuntos
quando as horas são mais lentas
enregelando sob o avançado de alumínio
meditávamos no bando de carniceiros
escondidos entre os pinheiros
que envolvem a região
que atacam e matam
por meia dúzia de presuntos
esfaqueiam e esquartejam
sem lógica aparente.
Temos medo de ir dormir
pelo menos aqui
morreremos todos juntos.
Orlando Tango
A Morte do Reino
entre almofadas de carne
envolto em solidão
bebendo o silêncio
estabeleço a ordem neste mundo
só dependo deste cordão
do universo eu sou o centro
mas quem me afogou neste lago profundo?
Ai sinto agora puxarem-me os ossos
Adeus oh Reino Amniótico!
Lúcio Ferro
Convento dos Capuchos
palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...
-
Entre 1241-42 os mongóis invadiram a Hungria. Lamento pela Destruição do Reino da Hungria pelos Tártaros Escrito por um clérigo da época. Tu...
-
palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...