13.5.08

Arião e o Golfinho - Max Klinger, 1880s

Archivo de imagens #104

Resgatai-nos

E o resgate dos nossos reinos?
Afogados entre lajes
Passos ecoam em labirintos sombrios
Incontáveis escadarias e patamares
Torres de pedra esquecidas
Baldaquinos empoeirados
Dominamos alguma matéria
E ao final do dia
Ao som de sintetizadores épicos
Imortais depositamos nossos corações
Em redomas de cristal
Resgatai-nos!
Com a diferença de séculos ou horas
Chegam de longe através
De fundos rasgos na pedra da fortaleza
Sons infra-humanos

Zé Chove

Razão e

2 pássaros pendurados no mesmo ramo
1 de cabeça pra cima
outro de cabeça pra baixo
patas com patas vão-se debicando
vergando o ramo

Carla Corpete

4.5.08

Entre Arbustos

Entre arbustos de humidade frondosa
Escondidos pelo final da tarde
Estreitamos pétalas de rosa
Entre a língua e o palato
Como se cometêssemos pecado

Vogando halos gradientes
Entre o púrpura e o amarelo
Encontramos rostos salientes
Ora nos são carícia ou flagelo
Concatenam nossa vida elo a elo


Lúcia

Corpo e Alma

Parti do centro do livro e fui
escrevendo em espirais
cada vez mais longe fui
rabiscando nas esferas siderais

Situações em duplicado
envelopes lacados
vários utensílios de escrita
linguagem supersónica, transcendental, hieroglífica

desramar uma árvore
pela fresca
a árvore solitária
a única na terra

situação proto-estável prevalecendo
reminiscências de distúrbios
do foro psicossomático como
fogo que segue lavrando
nos interstícios das paredes
várias horas após a circunscrição
do incêndio.

Fumava em boquilha
bico de íbis glamourosa e perigosa
sentada entre lençóis secando
no estendal e eu desramava a árvore
Arnaldo educado nos círculos
mais oblíquos da sociedade partiu
o copo de cristal de Murano
com a dentadura
Síndrome de Koestler ou efeito de Kropler
- Atrapalhação. Chegou-nos o estampido
do copo a estalar através
da sombra do alpendre

Prosseguimos chanfrando e boleando
A matéria
Mas por mais que meditemos ou escrevamos
- Opá – Espetei de novo a cavilha na granada
Mas não deve resultar –
O espírito é um mau barro
Por mais voltas que dê o oleiro
Jamais será moldado


Paulo Ovo

Joseph Conrad

Archivo de imagens #102


2.5.08

Bucólicas

Num plácido domingo o cavalo
Do meu primo comia no pátio
Uma mecha de loiro cabelo
E os fios abafavam-lha traqueia

Era tão opressivo o calor que só
Deitado na tijoleira da cozinha
Encontrava conforto hipnótico
O serrar das cigarras no jardim

No alguidar verde cheio de vinho
Boiavam calotes de laranjas
E metades de porco-da-índia
Marinando para a janta


Diniz Giz

Dos Beatles

Sucedâneos de beatles maravilha
Das maravilhas o psicadelismo
Pop elevado à enésima
Potência pensada
Para agradar melodias
Verdadeiramente melodiosas
E ritmos metronicamente
Estudados por favor
Não larguem perto
Das crianças que podem ficar
Perturbadas


Marco Íris

Statue in the Père-Lachaise Cemetery - Paris

Archivo de imagens #101

It's A Kind Of Magic

estas pedras da calçada estão coladas
com pastilhas elásticas
na infância bebi champô
e comi baton

toda a tarde debitando
patranhas e ridículos planos
tomando concentrados de estupidez
arrotando como alarves
debatendo temas cada vez
mais sinceros – travertino – uns com os outros
e no final do mês
o total da despesa
enviado foi um enviado
que dominasse as nações
cresceu a flacidez debaixo dos braços

escrevo esta carta final
antes dum banho relaxante
estou todo pegajoso
nas zonas onde dobra o corpo
todo o dia não me saiu da cabeça
que a justiça é a mais cabal
prova de existência de Deus

Ela escrevia como os esgotos
desaguam no mar

chorámos juntos pelos pobres
comunistas e socialistas que ainda esperam um salvador
passam as noites tentando salvar o mundo
enquanto caem à velocidade da luz num poço sem fundo
vêm tudo rapidamente e não agarram o tempo e não sentem dor

estou aqui nesta alcova
quase beijando estes novelos de lã
beija beija antes
que seja selado o féretro
beija sem desmaios não se sobressaltem
os demónios estás perto
de completar o mais perfeito ritual
as formigas soluçam de dor debaixo da terra
unge toda a horta com escarros pagãos
Religiosidade e bem parecer?
Saltitas com cara de santo
roubando no supermercado
tiras de bacalhau (seco)
irritas-te com os filhos dos outros
se não se calam...

Entrega cabal exige-to protocolo
Em cada minudência
Aplicas toda a tua sabedoria
Mas não fazes as coisas ao acaso
Abdica, abdica, abdica
Ecoa o poço sem fundo
Engole a pedra e não devolve o som
Talvez já não haja vida...


Orlando Tango

15.4.08

HOMEM PARA DEUS

Ele vai só ele não tem ninguém
onde morrer um pouco toda a morte que o espera
Se é ele o portador do grande coração
e sabe abrir o seio como a terra
temei não partam dele as grandes negações
Que há de comum entre ele e quem na juventude foi
que mão estendem eles um ao outro
por sobre tanta morte que nos dias veio?
É no seu coração que todo o homem ri e sofre
é lá que as estações recolhem findo o fogo
onde aquecer as mãos durante a tentação
é lá que no seu tempo tudo nasce ou morre
Não leva mais de seu que esse pequeno orgulho
de saber que decerto qualquer coisa acabará
quando partir um dia para não voltar
e que então finalmente uma atitude sua há-de implicar
embora diminuta uma qualquer consequência
O que Deus terá visto nele para morrer por ele?
Oh que responsabilidade a sua
Que não dê como a árvore sobre a vida simples sombra
que faça mais do que crescer e ir perdendo as vestes

Oh que difícil não é criar um homem para Deus



Ruy Belo, TODOS OS POEMAS I

Nocturnos

Mãos sapudas de noite
Percorrendo as sebes e cercas
Destas ruas até a mão ficar dormente

Correm os cavalos no ginásio
Até de madrugada

Fizeram fogueiras junto ao mar
Barrotes de armar barracas
Borbulhando o aroma
Do petróleo queimado

Na cama penso sem interrupção
Num como pai o outro o mais velho irmão

Corre corre corre corre
Corre corre corre corre
Toda a noite num sufoco
Ansiando a madrugada
Corre corre em alvoroço

Mãos sapudas de noite
Percorrendo as sebes e cercas
Destas ruas até a mão ficar dormente

Passei com a minha avó
De visita ao apartamento duma sua
Amiga cubana
Num prédio pouco iluminado do Bairro Alto
Dona I. Cantora conceituada de Cabarets
Bem afamados
Jogam as duas crapot
perdido entre armários tapetes e vestidos
no escuro envolvo-me nos veludos
perdido sem ar toda a noite entre mantas e sobretudos

num muro iluminado a lampião
ressequido e ensopado
ressequido e ensopado
de mau cheiro
bem a vermelho com pontos
de exclamação
Vamos Ochupar Lisboa

Mãos sapudas de noite
Percorrendo as sebes e cercas
Destas ruas até a mão ficar dormente

No cadeirão de veludo
Gania o meu tio
Uma idade existe em que os meninos
Parecem meninas e as meninas
Parecem anjos
Desligado o candeeiro
Não conseguia dormir deitado

Verde-hirsutos de porte
Esbelto conformam as alamedas
Com eles chora
O vento sobre
A campa da minha ofélia

Mãos sapudas de noite
Percorrendo as campas
Destas ruas até a alma
ficar dormente

Zé Chove

Deckard

Archivo de imagens #32

Noite Profeta

Da minha cabana
de madeira velha
através da porta aberta
oiço a mata que clama
através da noite profeta

está fria e escura
não se vêem as estrelas
as urzes transpiram secas
onde os mochos ululam
numa noite profeta

a cabana é sempre meu caixão
e lamenta toda a floresta
e através da porta aberta
amortalha-me em escuridão
nesta noite profeta

Zé Chove

Desejos Matinais

Saímos de casa atrelados ao
Cão desejosos de em fato-de-treino
encontrar as cadelas das vizinhas

Manuel Bisnaga

The Brown Lady

Archivo de imagens #31

Chorando na Missa

Furtaram-lhe a carteira
Quando absortos em orações
Ajoelhados na igreja
Antes da missa começar

Numa angústia atroz
Em deslavada carpideira
Implorando a Deus um milagre
Subiu ao presbitério
Chorando a intervenção do padre

Para adensar o mistério
Era constituída a assembleia
Duma amalgama de carantonhas suspeitas

Ameaçava atrasar-se a cerimónia
Pois perante tamanho imbróglio
Ficámos presos de impotência
E instalou-se o desconforto

Até que uma paroquiana
A arrastou em baba e ranho
Através da nave central
Durante a missa ecoaram até ao final
Abafados pelo carvalho do nártex
Gemidos arrítmicos guturais

Lúcio Ferro

Outras Vidas

queremos ser bons
almejamos a excelência
que reparem no nosso esforço
não queremos
transparecer naturalidade
e vida airosa
vivemos à tabela
sem desperdiçar um minuto
murchamos nossas potências
em favor da força do grupo
mas à noite libertamos
de novos as bestas


Filipe Elites

14.4.08

The Nightmare - Henry Fuseli - 1781

Archivo de imagens #31

Spazzatura IV

Arreliado?
Esta caminhada
É água no poço de remissão
Onde afogarás os teus pecados
Pai ao filho

Mioleiras infantes
De informação enmarmitada
Atendei

À porta a ferrugem assumiu uma vaga
Forma de carro
As heras, ervas daninhas, e tojos secos
São abafada neblina que tudo envolve
Tudo parece despenteado

A campainha rosnou ao longe
Como um tio catarroso num quarto
Escondido da casa
É água no poço de remissão

“The histories are the same
For centuries
We just change the scenarios

We’ve learned to transmute ourselves
Into other personae, and assume
Different masks as our teachers doce nobis
We can feel deeper in your feelings
Explain better why you’re suffering
And give you new and fresh meanings
For your life.”

Bana dixit.

Ophelia, Dying Elaine, Lady of Shalott
Caldeirada de escargot

Hei-de escrever sobre as virtudes
Como a ordem
(hands in the dark)(Flores na valeta)

Sabe tão bem ser cego
Para não olhar para a vossa tromba, F.’sD.P.
Pensando ou não pensando?
Como é que serás mais louca?
Forçar o pensamento não é natural
E forçar o não pensar, não é artificial?
E viver na perplexidade?
Forma de vida animal?
Onde afogarás os teus pecados?

Destroi-me a dentadura
E renova o stock com favas douradas
Destroze mi mano
Con el quita grapas

Alguma roupa só convém usar em casa

Só não tens dó de mim
De mim só não tens dó
Dó sim não tens
Mas quem és tu sem mim?
Só sem mim
É água no poço de remissão
Onde afogarás os teus pecados

Zé Chove

11.4.08

Carnificina Canibal

Dia de nevoeiro através_____Lá fora o sol
Da janela____fazia ondas no terraço
Da cozinha em que peguei____sob um telheiro iniciei
Numa terrina cheia____atiçando as brasas
De azeite____e esfreguei
Derramei____sem lavar as mãos
sobre a mesa e limpei____do carvão
a pele das mãos, o tampo____a carne mole e fresca
de mármore tudo envolto____com um preparado de ervas
em óleo____e óleo
depois peguei num lençol____e vinho morno
branco____e fogueei as grelhas
e estendi-o____que pingou borbulhas
sobre o tampo____borrifei as chamas
polvilhei farinha____dispus os nacos
displicente e com carinho____de forma aleatória
sorri com o cenário____e envolvi-me de fumo
e derreti margarina num tacho____e passei as mãos
derramei uma lata____pelo cabelo
de leite____e verti sangue e alhos
condensado____e acalmei as labaredas
e em cada passo____acompanhado de cerveja
fui lambendo com deleite____fui mordiscando ávido
os excessos____os bifinhos
dos dedos____esturricados

Orlando Tango

Nemo 33

Archivo de imagens #30

Urbanismo

Sou uma casa inundada
A estrutura há muito já ruiu
Não cai por estar apoiada
Nas restantes casas do bairro

Madalena Nova

Dúvida Original

Maldita dúvida
Que me amarga as entranhas
Enche de escrúpulos
Tinge as memórias
Tira-me o sono

Em vão busco consolo
Em vão tento esquecê-la
Assentou arraiais
Pesado grilhão basiloma

Se pudesse sacudir a alma
Atirá-la como uma pedra
Mas está num recanto
Onde ninguém chega

Só quem empreende
Uma jornada negra
Através de espirais
Num sulco original

Lúcia

8.4.08

Oração

De joelhos Te peço
totalmente consciente
e com total adesão da vontade
que me concedas Senhor
um cataclismo
Dispusestes as coisas
de forma a que nos doa alcançar
a perfeição
(e nunca a alcançamos)

Um maior tormento
Um maior grau
de destruição
devolvem-nos uma maior pureza
permitindo uma mais plena
renovação

e choro de alegria por saber
de antemão
que tudo nos concedes
e choro ainda de receio
não alcançar o que peço
pois sempre contas
com a minha liberdade
Oh Deus não oiças
a confusão
de espíritos suplicantes
que meu pobre corpo alberga
faz prevalecer antes
a tua Graça sobre esta cega

Carla Corpete

4.4.08

Lamento Judeu

Huuunf inspiro o cheiro pútrido a morte enquanto
Pasto bêbado pelas ruelas apoiando
As mãos nas padieiras e ombreiras das portas

A lua cheia fere-me os olhos
Não vejo mas sinto agora
Um vento gélido como um banho
Gelado e sinto
Uma multidão de olhos
Fixos em mim
E com ébria lucidez
caio em mim
e como um barco no mar alto
sou assolado
revolta-se o estômago com acidez
e vomita e vomita
uma poça de pecado

entram agora
no meu quarto com violência
cingem-me os rins
esbofeteiam-me
e amargam-me a boca
com pedaços de carne
ooohhuu que fiz eu para merecer tal suplício

mas a dor desperta-me
a lua ainda brilha
é agora conforto
uuuuuhhhhhuuuu
Lamento aterrorizado
mãos e punhos
sangualhados

sou arrastado
mudamente
através da turbamulta
num salto
a um estado de salvação
que não pedi
não compreendi
e morrerei cego
e bêbado

Lúcio Ferro

Titanic





















Durante a noite, o Capitão Smith e o Quarto Oficial Boxhall conseguiam ver luzes de um barco que estava apenas a 16 quilómetros – 6 a 10 milhas do barco. Então, à 00:45, foram mandados foguetes de cinco em cinco minutos. A princípio, o barco parecia aproximar-se. Mas depois as luzes desapareceram. As esperanças de ajuda desapareceram com as luzes.
Por que estaria o navio tão perto? Por que é que não ajudou?
Algumas pessoas pensam que seria o Californian. De fato, a tripulação do Californian viu luzes no céu e luzes de um navio. Mas o navio parecia pequeno para eles. Quando tentaram mandar-lhe uma mensagem, não houve resposta.

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...