9.7.08
Merge
“A palavra começa a existir com carácter necessário pela ausência e transitoriedade das coisas, isto é, pelo tempo. A palavra, filha do tempo, nasce contra ele, para remediar a sua acção mortal”. José Maria Valverde
“Mas outros, Raça do Fim, limite espiritual da Hora Morta, nem tiveram a coragem da negação e do asilo em si próprios, viveram foi em negação, em descontentamento e em desconsolo.”FP
"Todo o estado de alma é uma paisagem. (…)Há em nós um espaço um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria umdia de sol no nosso espírito.
(…)Temos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens. Ora, essas paisagens fundem-se, interpenetram-se, de modo que o nosso estado de alma (…) sofre um pouco da paisagem exterior (e vice-versa).
De maneira que a arte que queira representar bem a realidade terá de a dar através duma representação simultânea das duas paisagens (…) terá de dar uma intersecção das duas paisagens".FP
Paisagem – tudo o que forma o mundo exterior ou interior num determinado momento da nossa percepção.
[música, leituras, estudos, calor, doença, barulho]
Nos sonetos podes definir 4 imagens ou passos e desbrochas cada uma à la Baudelaire.
Outros vão escrevendo semi-automaticamente sobre vários temas.
Vão recolhendo e misturando e adulterando textos de outros autores.
Começam a formar vários blocos sedimentares sobre temas de fundo.
Esculpe então uma forma que desde o início estava enterrada dentro dos vários textos iniciais. Como uma mãe nunca vê defeitos no seu filho, entrega-o nas mãos de um tutor amigo (Ezra Pound) para que este o ajude a crescer.
Lúcio Ferro
Sequência X
Só conheço a noite
E vejos os fogos
Na outra margem do pântano
Livres da multidão dos grãos
Os galhos veneram a lua
A água e a lama lambem-se
Uma à outra em polvorosos lamentos
Entumescendo as raízes
Ao crisol dos ventos gritam os fogos
Carpindo as árvores decompostas no atoleiro
Sem aquecer o funil da noite
de "Ética Manicómio"
Zé Chove
8.7.08
Sou Guiado
Forço para fuçar nas lamas e poças
Resvalo na calçada e como a erva
Furiosa besta de imensa força
Com a delicadeza de fêmea esbelta
Dirige-me mão firme com a destreza
Do indiano que guia o elefante
Porta-aviões nas unhas do comandante
Mas fui eu que me entreguei afinal
Farejei a eternidade numa gamela
Podengo abanei a cauda submisso
Ai se agora sou mais animal
E tento alargar o compromisso
“Meu anjo não te me largues a trela”
Lúcia
Está Longe
Como leões escondidos no matagal
Que a gazela cabisbaixa não divisa
Contentando-se com a erva seca à sua volta
Enchota as moscas com a cauda
Que lhe sugam o sangue nas feridas
E desdiz a vida entre os arbustos
Sem saber que espreita a alegria
Refundido entre a savana
Com esgares de predador
Respirando a tensão do ar
Só quando sentimos perto a garra
Saltamos graciosos com terror
Da alegria da morte santa
Lúcia
Corres
Não tens mais contas a pagar
Saltas em câmara lenta
De cabelo ao vento
Com a alegria da criança
O Verão está a arrebentar
Todas as flores com novos cheiros
Um amor intenso no coração
Todo o céu a brilhar
E ao fundo mar infinito
E a alma livre e límpida
E os sons matinais do mundo
Envolvem-te numa doce sinfonia
Tudo está em ordem
Tudo palpita em harmonia
Marco Íris
Vizinha
Nas ondas do sol és uma sereia
Mas se te bamboleias
És mais leão marinho
E se à mão tivesse o arpão
Sulcava o teu corpo
Faminto de teu óleo de baleia
Diniz Giz
Ratazanas e Lagartos
Rápido das pombas nos beirados
Marchava obcecado com o rastejar dos lagartos
E ratazanas nos arbustos secos no carreiro
Orlando Tango
7.7.08
IV
brilhante derme a lágrima
não aguenta o espelho
e funde-se em água
Orlando Tango
AlexanderPlatz
respiram máquina e árvore lado a lado
brisa balsâmica velada de divindade
da plenitude do aquário de mil sóis
é horizontal o crawl voraz da máquina
o barro cego funcional plasticidade
moldando ao labirinto do engenho as paredes
Corpo e alma carne e espírito geme a árvore
Esticada entre polos de verticalidade
Co-princípios que lhe garantem a unidade
navegar é preciso, viver não é preciso
Filipe Elites
Sequência I
à árvore o sangue prova a seiva
compadecida dos lenhos
sinal da casca e
percorre os leitos
desde as raízes
identifica os séculos
elevasse
e busca os ventos com os dedos
perdidos entre os ramos que
só a noite
conhece
Zé Chove
Sequência I
Do fruto fermentado
Só voga de noite o barco mítico
E assombra os peixes de dia
E as algas mortas escrevem a pureza
Das areias brancas
Crescem o relevo
Polpa dos frutos enjoa
A árvore enjoa
Onde chafurda
Toda a gamela
Presta culto ao nada
Transborda lama
Vulcânica
Ração de marrãs
A nobreza do bago temprano
Destila vileza
Ao sol de justiça exposto
E breve seca
Sequência I
Tremer as folhas
Novos corredores iluminados
Na antiga biblioteca
A densa noite aguça a
Verticalidade da multidão
Das árvores
E o silêncio desmentido
Em proverbialidade extracta
Acrescenta opacidade
Aos corredores da biblioteca
São pauta e sulco os sons do dia
E advogam ser dum universo espelho
Mas é a noite que mesmo sem querer
Perfumam
Ah o mistério
Suspiram os troncos
Por um vulto estranho
“O que abarca a vista é uma casa”
Árvores que a-
Prenderam a ver o musgo
Como benesse a perpetuação da lua
Caminho de ascese
Permanência de mistério
Durante o dia
Vibram à mutação
Quadrante dos recortes na luz
Mais e mais negros
Se mais e mais se ajuntam
Até serem noite
E a sombra deixar
De ser mistério
Zé Chove
Sequência I
Onde um trote se aproxima
Da alma desolada como um castelo
Urgência que desperta do húmus
Que deixámos passar entre os pés
Buscando a noite sob
Os seixos do rio
Através do telhado numa jangada
De pedra extasiado
Com os reflexos do sol
Abafa nossos ramos
Auxilia a leveza da nossa cepa
E afoga-nos em teus redemoinhos
Zé Chove
5.7.08
Raios Gama
Todos os vizinhos se queixam
Quando o sino te lambe os tímpanos
Pela matina ainda tens o olhar fixo
No sofá de veludo verde a teus pés
Semi-deitada lá se encontra tua mulher
Aspecto de cartoon a preto e branco
Mais um clarão de raios gama faz transparecer
Por milésimos de segundo as paredes do prédio
E contemplas o esqueleto dos teus filhos na cama
Mário Mosca
Engenheiro Civil
O bem estruturado engenheiro
Cínico olhar exprimia rigor
Sapato oleado de cangalheiro
E colarinho colado ao pescoço
No metro transparecia
Fórmulas de pose calculada
Fulminou-lhe desdenhosa o escapulário
E ele disparou sobre o peito decotado
Filipe Elites
Dreams #1
Meu sonho é morar à Miami
Num casarão branco ao sol
Com relva e piscina no jardim
Janelões e palmeiras em volta
Torres
2.7.08
Anthologia de Textículos #6 - Lautréamont, Saint-Exupéry, Echevarría
Cantos de Maldoror – Conde de Lautréamont
Cidadela - Saint-Exupéry
Da Epistemologia [1ª lição] - Fernando Echevarría
À sombra em que se oculta o repentino
Sem fim do nascimento, aonde estamos,
Embora a sombra esconda que o cumprimos.
E vermos na demora advém destino
De perdermo-nos de onde ainda estamos,
Pensando a sombra como um outro sítio.
É sombra ainda a invenção da hora
Em que se cumpre o sonho da passagem.
De lentamente ver, se erija aragem
O repente sem fim que ver demora.
Afogo
Afogo os dias
em abundância
de bem e de mal
sou cisterna ávida
sem rachas ou gretas
albergo o marasmo
de marés nojentas
e remansos de puras águas
vêm a mim beber iludidos
toda a casta de animais
pois também brilham os rios
onde bóiam cadáveres
1.7.08
Não penetra
Não penetra o pássaro a copa do pinheiro?
Foi Deus quem no-los concedeu
Para que não pecássemos mais
São mel do nosso favo
E fibra da nossa cepa
Perpetuação duma raça
Onde vagueiam vultos
Definem uma sugestão
De paisagem habitada
Cada palavra que constitui o
Texto liberta vultos nessas moradas
Sinónimo de corda de fios…
As pétalas dos meus olhos
Não impeço o seu calor
De dissecar os meus olhos
Esvoaçou desmaiada à volta do teu corpo
Do sol de fim de tarde
E serpentinam de luz a cidade
Mkristu miye niko salama
Shetani we, si nyie
Arrrgh o ar não tem ar.
Reflectido nas poças?
O poço de Babel
Logradouro alegre de ritmos
Em espiral torvelinhos de suspiros
E aromas de roupa lavada
Assados, qualquer coisa podre
E qualquer coisa longínqua
Maresia
Orlando Tango
26.6.08
24 Rosas
eu, um louco por te dar meu coração
Hoje, te mando estas vinte e quatro flores,
recebe-as mulher não digas não
Põe-lhes água fresca numa jarra,
dentro do teu quarto e junto à cama
E se sentires só teu coração,
recorda-te amor que alguém te chama
Põe-lhes água fresca numa jarra,
dentro do teu quarto e junto à cama
Se alguém te perguntar de quem são,
tu respondes são de quem me ama
José Malhoa (o pintor)
23.6.08
Salamina
Entre mim e o homem velho
E ele derrubou outras tantas
Não passa de um fedelho
Puxei-o à razão
Ao gasto e velho
E verguei-lha a vontade
Ainda é verde o fedelho
Orlando Tango
Primos
Já ia todo orgulhoso com as mãos cheias. Os rapazes mais velhos deram conta.
Depois do jantar quando nos reuniamos para conversar gozaram até ao sangue. O meu primo fez-se forte e sorriu como um parvo. Dum canto da sala como um rato eu assistia a tudo com um misto de compaixão e raiva, sem coragem para abrir a boca.
Eu e o meu primo conversávamos até tarde já deitados só uma mesa de cabeceira nos separava e o escuro do quarto. Falávamos de tudo o que as nossas pequenas cabeças albergavam. Confidenciou-me que vivia angustiado com o relacionamento pouco cordial entre o seu pai e a nossa avó. Viviam uma espécie de guerra fria. Não se mordiam ou enxovalhavam, não. Era pior que isso. Os dois juntos geravam um mau clima.
Charles Bukowski
Vesga de Amor
Que os olhos embicavam para o meio
E quem olhasse no momento do beijo
Pareceria meio vesga sim senhor
Beijavam-se furiosamente
Mas sobre o ombro do rapaz
Fixava meus olhos melosamente
Porque nada a satisfaz
Beijavam-se não havia mais ninguém
Saía eu do metro prá cidade
Toquei-lhes os ombros com cumplicidade
E sussurrei esta é a vossa paragem
Mário Mosca
Convento dos Capuchos
palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...
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Entre 1241-42 os mongóis invadiram a Hungria. Lamento pela Destruição do Reino da Hungria pelos Tártaros Escrito por um clérigo da época. Tu...
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palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...