18.5.10
Tritão
Abandonado pelo mar que me rodeia e esmaga, perante tamanho silêncio de que me adianta a resignação? Não será a mais subtil forma de orgulho? O mar é uma besta. Não quer saber só tem ouvidos para a sua mãe a lua.
A barba ensopada no fundo dum casco. As costas cravejadas de mexilhão e lapas. A voz deu lugar a um roar que galopa das infinidades da alma e só sabe pedir perdão. O peito curvado como uma vaga que se engole a si mesma escondendo do sol a sua interioridade. O abismo do espírito negrume do peito onde voam os monstros marítimos. Saciado no meu fim te agradeço oh pai oh mar!
Paulo Ovo
Forças
Os prédios e assassinos a soldo, torres
Persistentes nos túneis, passem-me o
Microfone, passos perdidos nos
Becos ecoam nos ocos
Oprimidos dos peitos tegúrios
Da raiva incontida. Máfias
Caseiras, refeições ligeiras
Roupas foleiras
Serviços secretos esqualidos
Movendo-se em silêncio
Nos prédios abandonados
Conspirações nos transportes públicos, agentes
Que pedem que me cale
Rui Barbo
Tudo São Paralelas
Tudo são paralelas embrulhadas em novelos
De relações de intrincadas palavras que sustêm seus sentidos
Em infinitos sentidos – fios tendidos
Agarrados a outras palavras
Emaranhando as coisas e a gadanha
Da Fala liberta e rasga e polvilha de sangue
As planícies e canta incendeia a alma
Que vagueia na garganta
Brás
12.5.10
Planícies
Ao terminar a tempestade o fim parecerá mais perto
O caminho assim aberto à vista
O meu coração é uma lua bêbada reflectida nas poças
E no mar. Ansiamos escorrer em todos os riachos
Em que se afunda a chuva
E desejamos ser o carvalho dono da vastidão da planície
Amante noturno que passeia em sombra o meu coração de lua
Madalena Nova
Na Minha Cabeça
Acordo-te para que saibas sou eu
Na minha cabeça
Abro-te os dedos em confirmação
Na minha cabeça
Quando invado as tuas
Vestes e desembainho o mar
Mergulhamos nos drapeados dos cabelos
Na minha cabeça
Onde a nobreza do linho esvoaça
E rasga o vento sem conserto
A fibra do espírito novo
André Istmo
Anastacia
Prussia-Anastacia que danças à roda
Num porão, estátua de paz,
Luz levítica abandona-nos nas mãos
Da Babilónia que ninguém há-de amparar
Tua imperial queda
Entre os pinheiros do Burgo de Catarina
Tomás Manso
8.5.10
Melra
Poiso o olhar em tuas penas de melra arisca
Mas escapa-me o teu olhar
Não que o não tivesse prescrutado
À sombra dos antigos roseirais por onde te resguardas
Esses olhos de menina incandescente demais
Para tão delicado rosto
Não que os não tivesse tentado
Ler na centelha da tua asa negra
Escondido atrás da arma de lágrimas
A mira fica cega
Manel Bisnaga
Semana-silêncio
Retro-iluminadas fábricas de escândalo-halogéneo
Da penumbra-vergonha da noite dominical- pecado
Com teu fumo-lento onde pedalas próxima semana-silêncio
Silêncio
André Istmo
Reclina
Reclina as costas sobre o firmamento da noite
E contempla-nos temeroso o temor
Que da tua noite temos
Alargámos ao máximo as cúpulas de pedra
Para te sonharmos de ouro presente
No sopro da tua luz
Que sobre nós cai do zimbório
Zé Chove
4.5.10
Concordata
Fui educado na concórdia. Concórdia vem de coração. O campo argumentativo foi desprezado pelo meu cavalo que sempre preferiu as pastagens tranquilas das verdades dogmáticas. É um prado imenso de comunhão com os seres que nos rodeiam. Se algum espírito mais picardio me procurava para uma disputa de fogos apresentava-me sempre manso. Partilhando o meu farnel e recusando educadamente o que me cheirasse a carnes imoladas. Se insistissem, com peçonha, engolia os seus vómitos e procurava esquecer tal agonia. Verdade. A verdade é una. Só pode ser una, caso contrário perde o sentido. Por vezes as crianças no recreio tentavam convencer-me a fazer o mal. Normalmente corava e tentava esquivar-me sem ter de argumentar.
Tomás Manso
Melra Arisca
Poiso o olhar em tuas penas de melra arisca
Mas escapa-me o teu olhar
Não que o não tivesse prescrutado
À sombra dos antigos roseirais por onde te resguardas
Esses olhos de menina incandescente demais
Para tão delicado rosto
Não que os não tivesse tentado
Ler na centelha da tua asa negra
Escondido atrás da arma de lágrimas
A mira fica cega
Manuel Bisnaga
Oh Mãe Fermosa
Oh mãe fermosa que do alto do monte
Nos sorris gloriosamente solicita
Amansa a fúria dos homens que a ignorância
Os olhos dos teus filhos tolda
E se a aparência do podre fruto é louçã
A alma estende a mão ao demo
E a criança dança e dança
Liberta-nos antes que nos afundemos
André Istmo
30.4.10
Tendões
Sonhei a tarde toda
Com um estilhaço de vidro duma montra
A cravar num joelho flectido
E ao esticar a perna com a dor
A lâmina a alavancar a rótula
Que fica ao pendurão amparada
Nos esfrangalhados tendões
Rui Barbo
29.4.10
Somos o Sol
Com toda a confiança nós somos o sol
Sobremaneira resplandecentes
Igualmente fogosos sobre todas as superfícies.
Os vales escarpados de árvores velhas,
As cidades com as suas tampas de esgoto
Equilibradamente horizontais,
Os olhos das mocetonas casadoiras e os do pedinte
Sem pernas perto da ponte por onde passa, em
Tudo o sol resplande e para todos
É excelentemente igual
Tomás Manso
Corredores
Compartimentos vazios
Tinta branca de areia
Chão de tacos húmidos
Halogéneo nas lâmpadas
Corredores mais corredores
Sons fechados:
Os meus passos,
As traças excitadas
E um estranho rumor de gerador emparedado
O tecto é baixo
E sufoca a solidão
Asma respiração
Sinto-me demasiado perto
Porquê continuar?
Não têm fim os meus passos
Neste oco labirinto
O meu corpo cresce
Torna-se desmesurado de tudo é medida
Detesto o meu vulto
A sua omnipresença desconfiada
E tento humilhá-lo
Vergo-o e cuspo
A redenção não virá
E mordo-me em confirmação
Da verdade
Lúcio Ferro
28.4.10
Massa
Uma e outra vez se corta a branda
Massa e de novo amassa o tenro
Bolo. Incha. Um sopro
Um beijo em movimento
Incessantemente solto.
Abraça, estica o pão leveda
E exala o coração azedo
Da semente lacrimosa
Profundamente macerada,
Esmagado sufocado
Pelas mãos famintas
Eternamente famintas
Zé Chove
Átrios Teus
Átrios teus configurações da pureza, ares de pedra
Colunatas que suportam a tua sombra que sobre tudo desce
Onde os passos ecoam solitários por entre o buxo e as fontes jovens
Colunatas que suportam a tua sombra que sobre tudo desce
Onde os passos ecoam solitários por entre o buxo e as fontes jovens
Lúcia
21.4.10
Folks
Eu vi o que vi
As lanternas só iluminam os nossos passos
E neste rio perdidos na noite
Cegam-nos os galhos dos salgueiros nos olhos
Eu vi o que vi
E as nossas vozes já só se encontram ecoantes
Separadas por montes e vales de escuridão
Eu vi o que vi
Nos reflexos da água escura refluem as memórias
Lúcia
Coração-sicário
Amordacei meu lebre-cão
Vermelho em cilício de adamântio
E atazanei-o sangue enebulizado
Nos interstícios do focinho-arame
E vê-lo assim submisso
Fez coalhar na língua o louro
Do Império sobre o Coração-sicário
Diniz Giz
Vermelho em cilício de adamântio
E atazanei-o sangue enebulizado
Nos interstícios do focinho-arame
E vê-lo assim submisso
Fez coalhar na língua o louro
Do Império sobre o Coração-sicário
Diniz Giz
Focar
Abrenúncio
Clavicórdios de paixão
Abrogo absolto absalão
Rémora engalfinhado golfinho
Núbil ignóbil grácil
Gravoso bálsamo gangreno baleno
Lanudo lineu lontano
Sublimação estampido
Sardoalhos escalpados no pescoço
Clemonceau lamermont
Bulício lamuriento lábio lévre
Lastro trambolho escaravelho
Escalfado esclerótico
O tumulto loiro incontido
Desperta da felpuda boina
Havemos de assistir às agressões
E aos choramingos em pleno metropolitano
Em Havana aos Domingos
As mulheres agarrando as têmporas
Não se esvaia o decoro e o pudor
Resguardai os vossos sentimentos.
Ceifai o viço do vosso coração estiolado
Clavicórdios de paixão
Abrogo absolto absalão
Rémora engalfinhado golfinho
Núbil ignóbil grácil
Gravoso bálsamo gangreno baleno
Lanudo lineu lontano
Sublimação estampido
Sardoalhos escalpados no pescoço
Clemonceau lamermont
Bulício lamuriento lábio lévre
Lastro trambolho escaravelho
Escalfado esclerótico
O tumulto loiro incontido
Desperta da felpuda boina
Havemos de assistir às agressões
E aos choramingos em pleno metropolitano
Em Havana aos Domingos
As mulheres agarrando as têmporas
Não se esvaia o decoro e o pudor
Resguardai os vossos sentimentos.
Ceifai o viço do vosso coração estiolado
Manel Bisnaga
19.4.10
Amor meu amor
Querida acordei em agonia de febre eram 3 e 33 de encharcado suor
Dei por mim sem ti sem teu robe de cetim acetinado e tua pele pelos 50 soprada
E caía caía dum balão sem ti caía de roupão vexado pela população
Que gozava com meu brasonado roupão de turquesa e pelas ligas das meias
E caía e caía e na queda envolvido pela espiral das nossas vidas
Quanto interesse mútuo quanto conforto o aroma do meu cachimbo
Tingia a paisagem de câncro amortalhado no teu cabelo negro recém pintado
Filipe Elites
18.4.10
Sem Fim o Fundo
Catatónicos face ao esfácelo
O mar interior da alma
Sem fim o fundo do Abismo
Vorazmente sôfrego num ronco
A escancarada goela atrai-nos
Mergulhamos e embatemos no espelho
Dum outro pélago o das estrelas
E entre os dois infinitos nos rasgamos
Orlando Tango
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