25.10.10

Caudas e Caldas

...mudamos de pele como as serpentes e por vezes passamos de cão a urso, de koala a escorpião, de borrego a cabra ou de cavalo para burro.
Sempre nos acautelaram a que não andássemos sozinhos pelos corredores da mansão. Nem sequer para ir  à casa-de-banho. Alguns jovens distraidos separavam-se dos colegas enquanto conversavam no átrio e desapareciam por anos. Reapareciam esporadicamente com toda a naturalidade e tomavam cafés com ar divertido e pio. Voltavam com um olhar rejuvenescido como se a adolescência não os abandonasse e convidavam os amigos a entrar nos corredores frescos da velha casa.

Nicolau Divan

16.10.10

Home Is Where The Heart Is

Indigência

A decadência do construído ergue-se
Em poesia da ruína que é morte
Esculpida num cadáver indigente
O prédio ósseo que aceita a derrocada
Move na queda mais a compaixão
Que o deleite perante a fachada do palácio
Entre as ervas dispersa dum frondoso
Jardim abandonado

Sor Flamengo

Intervalo de Dor



Doem-me os tomates lá
Fora entre os regos enlameados
Do agro 


..

Poker de Caveiras

I
O entalhe da veia
O engrossar da pálpebra
O crâneo cheio de terra
A púrpura gananciosa
O incómodo exíguo
Do caixão de madeira

II
O que é que podemos demolir já?
Efectivemos as extremidades
Rasguemos já as trincheiras
Da nossa raiva em que o ódio
Flua

III
Masmorras de família em que entram de joelhos
Trilhos nas planícies
De agrura dia-a-dia
Perdidos pelo vento reflexos
De caveiras na sopa de grelos

IV
Bocejos sobre as mesinhas de cabeceira
Os teus gestos de coveira
Envolves-me na tua terra

Lúcia

A presença dos outros envolve-nos em labirintos. Sem descrição, Apenas, labirintos

Cemitério do Lumiar

sabes que azedam as memórias se expostas ao ar
guardadas em cave fresca constroem história
"e um povo talhado no profundo silhar"

Henrique

Engates

dá-me as chaves deixa que te aparte desse momento
dá-me as chaves do teu silêncio
impertinente almejo o teu segredo
dá-me as chaves do teu apartamento

Filipe Elites

Ária Foleira para Hugo

Sentes-te o último par da sapataria
todas te tocam mas permaces na prateleira
já foste caro e agora és um saldo de refugo

Explosão Demográfica ou a Queda dos Mercados

rompe-se o colar de pérolas as
esferas saltam no hall
do envidraçado prédio
símbolo da economia mundial
em câmara lenta

8.10.10

Fruta do Conde

Gramática Processual

A.1 - Corrige o sábio diz-lhe que está errado
E escuta o insensato
Desenvolve o percurso enganado

B.3 - Suporto o teu cheiro mas
Dão-me náuseas os teus desejos
Podes ocupar a cama mas não fales

C.3 - Vai apalpando as formas ao terreno
Cravado até ao cotovelo
Na terra a torre empina-se

D.3 - Espirra sempre
Sem pôr a mão à frente
Espalha as arrelias ao vento
Não ponhas a mão à frente

3. E - Corta a floresta impenetrável
Temos a liberdade de enveredar pelo destino cerrado

F.1 - Mija-lhe nos caracóis Paco
 Como se descreve um rosto belo
Ou uns olhos particulares
Ou o encontro das ondas no areal?

H. 3 - Não te esqueças dos mais intensos
Consolos da alma: o perdão, a complacência,
o esquecimento.

DGDGHRUD

Caga Tacos ou Tascos Cagados 1.5

Prá todas as garotas no Fórró!

O aZUL contém a LUZ reflectida
E o AMOR é ROMA invertida

Dançá Baiana!

Caga Tacos ou Tascos Cagados 1.4

Lá atrás na selva cortavamos as cabeças em quatro como se fossem meloas e jogávamos à bola com outras. Contava-mo com uma ironia tingida de ódio insanável para o orgulho.

Caga Tacos ou Tascos Cagados 1.3

Levei o meu filho 4 anos ao Rock in Rio no dia do Heavy Metal com os bilhetes ganhos na operadora telefónica. Num moche larguei a mão do miúdo e ele ficou desfeito debaixo das doc Martens. Só recuperei a sua t-shirt ensanguentada...

Caga Tacos ou Tascos Cagados 1.2

Festos, talvegues, galerias ripícolas,
estradas romanas, gentrificação e Hoyt,
Círculos e economia da concentração.
Não esbanjes toda a concentração.
Desfocam-se os olhos… longe do coração
Ãh? Ah! Sim, sim, sim. Não pode ser. Claro!

Caga Tacos ou Tascos Cagados 1.1

Perdemos as oportunidades, libertamo-nos
dos momentos de escolha. Escolhemos não escolher, não optar.
Demasiado óbvio. Reprovado. Aceite. Azeite na Repartição.
Do dinheiro em três partes. Três partes para cada Um. Hallelujah!

Chumbada

As puxadas devem ser de fio fino e que não enrodilhe. Três anzóis em cada madre e na extremidade a chumbada. 160 ou 200 gramas eram as minhas perferidas. Uma bela chumbada em forma de pera de aço frio como o sal e o sol de inverno juntos. Atirava-a contra a areia com brutalidade e contemplava encantado o seu olho de sol reprovador incandescente.

Henrique

Oração da Manhã

Arrastas um terço das estrelas
Do céu com o teu cabelo
E lanças os meteoritos sobre as nossas costas
Entravamos no oratório ainda
Sonhava o melro gemendo entre a geada do jardim

André Istmo

7.10.10

Extermínio Tropical

As 4 baratas viviam assim num compartimento circular por onde se poderia limpar as canalizações do duche em caso de entupimento. Viviam num rebordo da câmara em betão. Um lugar fresco, húmido e lodoso. Viviam aí e tinham um plano. O primeiro casal sairia de casa em busca da prosperidade e os seus filhos viriam chamar o casal recluso depois da instalação e da bonança que os primeiros assentamentos são sempre tormentosos. 
Assim saíram e entraram no meu quarto que é ao lado do banheiro. Um chão de pranchas tropicais e bolor nas paredes. Peguei a primeira com uma chinelada quando se maravilhava atrás dum vidro gigante com o qual eu viria a fazer uma mesa.
Seu noivo foi chorar angustiado e medroso para trás da sanita. Peguei ele e trespassei-o com o piaçá. E as duas foram descarregadas sob um lençol de papel higiénico para as imensas águas da Baía de Guanabara.
O macho do casal recluso sentindo que o plano borregara partiu em busca duma explicação não sem antes ter aliviado a carga deixando descendência no seio da sua amada. Eu peguei ele atónito com a imensidão do meu quarto passeando como um turista e dei-lhe a provar da farofa nacional com uma chinelada na quitina. Ficou estrebuchando no laguinho da retrete.
Parece que oiço os gritos abafados duma prenha enquanto chocalho uma garrafinha de lixívia e me preparo para visitá-la. No íntimo eu sei que as gerações vindouras vingarão mas agora o extermínio satisfaz a minha sede.



Sor Flamengo

21.9.10

Descida ao Vale

Passeios a meio da tarde de Verão
O choque era tão forte entre o alpendre e o vácuo
Que saltavam as lágrimas
Caminho pelo alcatrão ao longo do muro de tijolo antigo
Os  rabos de garrafas agarradas ao betão
Imagino os braços esfacelados todas as veias cortadas
O sangue secando ao sol sem alguém que me ampare
Aguardo mais à frente à sombra da pesada figueira
Que apoia os seus braços carregados de figos no muro
Vou reparando nos tijolos carcomidos em pó e nos podres ocos que abrem
Imagino a derrocada lenta como as ondas de calor
E entretanto intrigo-me com os papéis de rebuçados
À beira duma Ford Transit branca e numas cuecas
De miúdas rendas ressequidas pela abrasão violenta
Do Verão.

Atravesso uma estrada a escaldar
Meto-me pelo baldio de terra seca e palha seca
Sinto a garganta seca e as narinas têm dificuldade
Em ventilar o cérebro. Sinto o pó colar-se ao suor
Dos tornozelos sem meias. As cigarras serram o horizonte
Numa berraria infernal o sol pesa nas sobrancelhas e nos ombros
Apalpo os ossos dos braços, parece que fui chupadinho pelo demónio
Começo a descer uma encosta plantada cientificamente de pinheiros
À esquerda e à direita abrem-se alas
De pinheiros em que a terra é mais fofa e alta
Trepo para um desses desvios, o calor é ainda mais intenso
Apesar de não passar aqui ninguém escondo-me para mijar
Oiço os borbotões do meu mijo na terra poeirenta
E oiço uma cobra arrastar-se no limite da galeria

Continuo a descida
Cansa andar sempre a travar o peso que se nos quer cair
O caminho pedregoso resvala a cada passo
A vegetação adensa-se agora mais perto do rio
Existem aqui placas para um acampamento de holandeses
Sempre imaginei o local como um refúgio de depravação

Vejo me sempre tão belo
Como um vulto em que ninguém repara mas que devia
Deviam reparar mais em mim, nos meus gestos, nas minhas palavras
Consolo-me por ao menos alguém notar nos meus passos: eu próprio
 As silvas agarram-me o corpo como fãs sedentas de sangue

Zé Chove

PAUSA

Paraíso National

A ignomínia gatinhou em volta do teu berço
E insinuou-se nos teus lençóis
Azedou-te o frente e fez-se tua filha na adolescência
E hoje a
Rua Augusta teu vale dos mortos
Onde desces de fones nos ouvidos
Buscas
Perspicaz os regos das mães que ajeitam os bébés nas cadeirinhas
Infiltras-te nos arraiais das paróquias do Castelo e
Roubas a internet dos vizinhos
Lá vai
Lisboa desgravatada
E a margem sul de saia arregaçada
E as ondas do Tejo em cavalgada
Como os desejos da bandeira desfraldada

Nicolau Divan

Escultural

Folhear o ouro do conhecimento     verdade
Pelas volutas da memória     das ancas
Dourar o passado dar volume      a glória
Ao presente e tactear o amanhã      o mantra
Com o olhar difuso do artista     do artolas
Que esculpa a sua vontade     maldade

Diamantes

Falava com pausa e sensualidade como se tivesse a boca cheia de rebuçados, “diamante” ácidos que se vendiam nas casas cafeeiras. Costumava entrar numa dessas casas na Av. De Roma. Sentia-se aconchegado pelo aroma do café. As altas portas de vidros cristalinos e molduras de madeira escuras separavam-nos dum mundo de prazeres coloridos e aromáticos, eram como as portas dum santuário e cada prateleira como uma minúscula capela absidial repleta dos seus santos e mártires. O tecto era alto. O palavreado ronronante e insinuante do Sr. António funcionava como um lenitivo, uma compressa balsâmica sobre os sentidos.

Corpus

As ruas alçam as fachadas escondendo a sua frescura do bravo sol andaluz
Os pavimentos imundos qual rio de pecados de cera vermelha, funcho e cipreste
O Corpus passa cadenciando a devoção cegando-nos com os reflexos da sua coroa solar
O argênteo ouro ateando o fogo às ruas de Sevilha

Avon

Sempre sonhei ser revendedor da Avon. Acordar tarde, demorar na toilette e sair para o Verão envolto numa aura de aloé vera a impingir cremes e perfumes com extrema delicadeza e o melhor de tudo seria aplicar loções na parte visível das costas das meninas.

Conselho

Se andares de autocarro, não andes com a lapiseira no bolso das calças pois se tiveres de te agachar para apanhar o passe do chão ela pode cravar-se na barriga e perfurar-te o estômago.

Sermão aos Peixes

Em todos os seus gestos adivinho recados divinos. Sussurros. A tendência do seu corpo é resistir. Toco-lhe com respeito ainda agarrada ao anzol abocanhando o ar que lhe falta. Todos têm uma leitura diferente das mesmas realidades. Apesar da naturalidade com que procedemos existe sempre um conjunto de verdades de que não abdicamos. Perante o estertor final uns riem, outros choram, uns emudecem e outros dão urros de júbilo. É preciso força e um certo jeito de pulsos para puxá-las para dentro do barco. Falo não só dos peixes como dessas iluminações que nos queimam a pele do pescoço e nos fazem reflectir: usa um chapéu se não queres sofrer ou não o uses e entrega-te docilmente ao delírio de fogo do Verão. Quando parecia que finalmente recuperava a razão…

Orlando Tango

Ladytron - Cracked LCD

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...