17.8.11

Eu Queria Morrer em Sesimbra


Eu queria morrer em Sesimbra
Cair em todos os tons de azul
Do mar gelado ao sol
Cair da mais alta escarpa

Sentir em minha a queda
A leveza do ar que não me carrega
E me afunda sem folgo
Num mergulho num afogo

Será apenas um segundo
Com os olhos muito abertos
A toda a beleza do mundo
Nos tons vermelhos da falésia

Zé Chove

Mosteiro dos Capuchos


Bossa Senses


Chia a cuíca
zumbe o besouro
fervilha ramada do coqueiro
o céu côr de rosa
o mar verde
e o ipê vermelho
cheiro de engrenagem
cruzado em aroma de asfalto
e aqueloutra fragrância de nívea
o toque acetinado do caju
e rugoso morro granítico
e o toque líquido da cachoeira
a acidez do limão
e o sal do mar nalgum sobrolho
e jovialidade do guaraná

Sôr Flamengo

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Ressoou como um turbilhão mais longínquo que o eco
as ondas dum mar interior sem margens
revoaram em busca dum descanso eterno
numa praia que nunca viram numa morte que as receba

Radiografias + Silica


ossos nos ossos sobrepostos
na prata de radiografias velhas
cruzamos distraídos sintomas
num mar de cromossomas

silica
pó de quartzo
fino brônquio
ocupado
oco sólido
enquistado
bloco alvéolo
Éolo aspirado

Dr By Hard

Miomas +


Mio Màs...

Mio màs... non

Surgem-me negros no caminho
na sombra da ultrasonografia
como fantasmas benignos
que num mar esquecido
afogam alguns destinos
num silêncio de carne triste
por um filho que não existe

Sensibilidades vão se desgastando
Um calo enorme protege-nos da luz
O halo da consciência mais brando

descai sobre mim teu nevão
frio nem abrigo quero

Infernizas-mas hormonas
memorizo os teus miomas
engoles-mos problemas
envergo os teus emblemas

Dr By Hard

Sacolé


sacolé sacolé gelado
enche o saco
sacolé cheio de côco
dente, língua, raspa
chupa, soca, engole
sacolé de leite e côco
fibra e creme o doce
e o sublime um êmbolo
aspiro o teu fresco sopro
beijo de côco, maracujá,
limão, goiaba, côco, Côco
papilas agitadas de tanto molho
ácido, doce, amendoado
papilas aroma agitado
odor na língua mole
exótica natureza língua no saco
últimas gotas
melhores gotas
dentes que sulcam o resto do saco
delícia lábios de côco
hálito tropical
coalho nos recantos molhados
da boca fresca
gelado de fresa ou framboesa
sacolé que embrulhas a floresta
lábios vermelhos

Sôr Flamengo

Abraço Fraterno


pensava como sempre pensava
que fraterno é mais que fraternal
assim como tempo é mais que temporal
a diferença entre o ser e o modo
entre o que está na essência
e uma certa forma de agir
algo que permanece e faz parte.
sabendo que as nossas acções
podem esconder uma outra intenção
enviei-te um abraço fraterno
mais forte que fraternal,
ainda que só escrito já que
não cheguei a sentir o estreitar
dos teus ossos enormes,
na esperança de que sentisses
mais calor, pelo menos na minha intenção

André Istmo

Lágrimas



Pequena entre os cacos
pequena entre os cacos
de vidro no chão espalhados
os teus pés em sangue descalços
maldiz o teu querido pai
maldiz a família ai ai
quem te faz assim sofrer
as lágrimas que se quebram em vidro no chão
são lágrimas que se quebram em vidro no chão
lágrimas q'se quebram em vidro no chão

lágrima q'se quebra é vidro no chão
que fura o sangue ao pé descalço
que a tristeza atinge a pobreza
na parte de baixo
na parte de baixo

e dizem que lágrima de rico é arte
tão doce é mel falso que enjoa
quero daquele choro que magoa
de verdadeiro vidro que quando cai estoura

e se elevado ao céu o sol doura
é choro bom como um copo de cachaça
é choro de pobre que lua exalta
é choro de morro que povo gosta

Sôr Flamengo

Comércio Carioca


Compro ferro
compro metal
compro tralha
aluminio e louça
compro ferro
vendo arma
vendo droga
vendo mulhê
vendo goma
vendo bala
compro carne
compro carne
vendo alma
vendo a alma

Sôr Flamengo

Montada em Fuga


Tinha uma montada segura
mas uma noite perdi meu cavalo
fugiu minha sela segura
prós lados de São Gonçalo

Afrouxei na firmeza da rédea
perdi o controlo das decisões
rabiou minha confidente montada
agora sigo pelo caminho a pé

Era tão bom montá-la
o ritmo suave das nossas ancas
mas montadas velhas exigem firmeza
meu coração jovem só tem moleza

lá vai ela no alto da cordilheira
as aldrabas carregadas dos meus bens
desprezando orgulhosa o meu anseio
e eu aqui sem caminho e sem vintém

Sôr Flamengo

16.8.11

Arrábida


Carne de Cavalo


Vera faca no pescoço do meu cavalo
que o Verão ao início aprazível
trouxe com o tempo a seca de estio,
e meus 8 filhos tenho de alimentar

e ele que trabalha mais que todos
quando sol vai a pino alisando as planuras
espalha agora seu borbulhante sangue
e rondam negros os urubus nas alturas

encho de morte minhas terras
um sulco por onde um dia correu água
divide como a arado meu peito
e irriga meus olhos de mágoas

Nem o carinho da mulher adianta
nem os risos dos filhos esquecer
seu resfolgar cansado seu relincho
e a sua carne estrafega-me a garganta

Raimundo Nonato

Assim Seja


Assim seja
as chuvas e os ventos
assim seja
a carta de despedida sobre a mesa
assim seja
as lágrimas na torre da igreja
assim seja
o corpo levado na torrente
assim seja
a pena que pesa na alma
assim seja

Tomás Manso

Escadarias

escadarias às as em todas as cidades
de porto em porto que cruzei
mas não com a vossa graça
que tanta fama alcança
entre as devassadas fachadas pela chuva
os telhados espalhados pela encosta
donde se elevam os campanários
escadarias há as em todos os lugares
mas não com a vossa calçada de sol
não com as moças baixas
dos cabelos compridos e pretos
Já subi escadas em todos os países, Alfama
mas nenhum com vossos cheiros e barcos aos pés na água

e graça que dança na luz mais viva de todas
e o rio que vos abraça mais querida de todas

Orlando Tango

Divagações sob Torpor Pós-Prandial numa Tarde de Primavera


I

E o que se ouve
não é de somenos importância
um porto de abrigo
sussurrado aos ouvidos
que nos guarda do medo e do temor
um acalento um calor
que nos acompanha na jornada
e alimenta a faminta alma
um colírio para os olhos
se se adensa a escuridão

II

ao largo
afastai-vos da amurada
afastai-vos da fantasia
mar dentro
um novo dia
embarcai na realidade
acenai aos loucos
que se perdem
em leprosários sem horizonte

darcio


Darcio era um preto caudaloso de banhas, sorriso franco e humor efeminado. Terminara o curso de advocacia durante os primeiros passos da andropausa. Não se podia chamar bem uma pausa já que a função não chegara a ser despoletada. Era dono de uma barraca de apoio no posto 9 da praia de Ipanema. Cirandava de barraca em barraca comendo com os amigos bamboleando a sua sunga alvinegra com a estrela do Botafogo descaída sobre a nádega esquerda.

Marta Maria


Comprei uma menina de porcelana
e beijei-a antes de ir dormir
a sua pele era negra e fria
e a peruca com pelo de marta
marta marta marta maria
assim se chamava a mulatinha
que me custou o os olhos da cara

Lúcia

Lampião


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queria arrastar-te para o meu jogo
ensinar-te as regras
e ver insegura apoiando-te nos meus braços
e com olhar suplicante procurando respostas
no meu olhar
E o manipular da relação na ponta dos dedos
eu ser teu carrasco e tu me agradecer

Manel Bisnaga

Galos


Galos inflados de vento dum só perfil brilhando ao sol nos deixam cegos.
cortam a verdade com seu bico empinado e não têm cheiro se não de metal.
Advogam que não conhecem ferrugem mas não tocam com as patas na terra.
E pisam todo o edifício independentes de toda organização.
Não cantam nas madrugadas e não comem nas capoeiras comem só dinheiro dos contribuintes adormecidos assaltando as casas das viúvas.

Henrique

twitter


Espirrei com tal força que ia ficando sem tiróide.

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Foi me informado que poderia ter acesso ao nimbo dos pesadelos se fosse dormir depois de ter comido como uma besta.
Quem mo sugeriu foi um negro com sardas pretas que costumava freqüentar as reuniões espiritas na Praia Vermelha. Passei por lá num dia incerto ensopado de cachaça até aos punhos da camisa. Divagava absorto na imensidão da areia que não tem limites quando a fixamos de perto. Era noite de lua cheia e confundi a reunião espírita com a vinda dos sete anjos do apocalipse. Todos de branco. Deitei-me de bruços e senti as ondas do álcool marearem me o corpo. Fui então consolado por esse negro que fez descer sobre mim não sei que espíritos que me pacificaram as moradas etéreas, os foros do meu interior.
Falou bastante e revelou-me verdades que eu esqueci. Fixei-me apenas na chave para entrar na torre dos sonhos negros do Vómito. Num dia talvez em Setembro comi um Oswaldo Aranha do volume do meu sapato soterrado em farofa de ovo e em seguida deitei-me na varanda de tijolo escacilhado do meu casebre no morro do bairro mexicano. Estava um bafo sufocante e as carnes das costas tentavam absorver qualquer réstia de frescura perdida nos poros da lage de betão. Não sei quando adormeci...
Chegava a uma mansão bem familiar de outros sonhos. A mansão tinha os quartos todos voltados para uma varanda central. No centro do mezanino brilhava uma luminária de cristal pesado. As portas eram duplas centradas nas plantas dos quartos e as paredes eram decoradas com frisos brancos e tapeçarias sobres as paredes de ocres e açafrão. Vinha eu de uma temporada adultera e culpável com a minha chinesinha. Esperava encontrar a babilónia do costume: os chilenos, brazucas, italianos e checos amigos de farra. Entrei tentando evitar o ranger do soalho que noite cantava já alto com o lamento do rouxinol. ouvi barulhos estranhos no quarto de karoglan e pensei em pôr a conversa em dia, partilhar as conquistas recentes. entrei de rosto sorridente e recebi um calor na cara. o fogo ardia na lareira de mármore branco com venustas. Uma criatura foliona e horrenda olhou-me como se me esperasse com tesão aquecendo-se demasiado perto do fogo.
ouvi risos atrás de mim troçando delicadamente do meu olhar enojado. Dois gémeos com o rosto desfigurado de Karo e trejeitos homossexuais tocavam nos mamilos um do outro reclinados sobre canapés. Com o olhar convidavam-me a entrar na demoníaca suruba. No fundo escuro do quarto vislumbrei entre ondas de calor corpos que se remexiam violentamente como criaturas possessas. Não foi com fúria que reagi mas com um jeito delicado de recusa, mas só consegui excitar as sua concupiscência e foram-me atazanando pelos corredores com obscenidades quase beijando os meus ouvidos, ensopando o meu colarinho com a sua saliva pestilenta. sacudi as suas garras dos meus ombros e escapuli-me para o meu quarto que se encontrava estranhamente silencioso. Não me sentia seguro e saí por uma porta secundária que dava para um corredor sombrio. fui andando a medo em direcção à luz mortiça da cozinha. O peito batia forte e as sombras adensavam os receios. Uma viúva perversa e vingativa morou na mansão e Marcela jurava a pés juntos que o seu corpo fora enterrado pela lama entre as duas mangueiras no jardim.
Sai pela porta dos fundos imaginando uma fuga disparatada. Escondi-me numa cabine no piso superior do celeiro-estufa.
controlava o escuro prescrutando qualquer fungadela ou estalido. Chegaram então dois personagens que argumentavam pausadamente como adultos. Como um acordo de mafiosos. Adivinhei a silhueta de Piotr alto e frio, cabelo negro e pele branca. E uma das pérfidas criaturas curvada como um urubu parecia prestar-lhe reverência.
Num acesso de loucura, como se o corpo desejasse partir de tal pesadelo cuspi nas suas costas e deitei a fugir. Mal me virei Piotr estava do meu lado com um sorriso bondoso e terrífico ao mesmo tempo. Deu-me a mão para que confiasse nele e partimos por um túnel cinzento escuro dom luzes frias intermitentes.
Ao fundo de várias curvas de clausura uma porta dava para uma área escura.

Oswald the Spider

Like Sand


Ma Cherie Amour


não me conheço
mas desconfio do monstro
que sob a aparência da pele se esconde
na minha alma,
nem desconfio da magnitude do teu amor
que ainda que me faça sofrer
mais ainda me deveria fazer sangrar.
E fez de facto sangrar, quando perante
a ignomínia da minha traição bruta,
te vi chorar e cada lágrima se converteu
em látego do meu remorso
em flagelo da minha culpa
em despertador da minha consciência embrutecida,
em mensura do teu amor por mim.
Peço-te perdão sabendo que o não mereço
Peço-te perdão sabendo que o não mereço
Peço-te perdão sabendo que o não mereço
mas de joelhos espero,
enfim espero, que o teu amor seja maior que o meu desespero
de não voltar a sentir nos meus lábios
a doçura do teu beijo

Zé Chove

7


Fui mijar no prédio modernista e entre labirintos
de portas e janelas emparedadas perdi-me. Só consegui encontrar passagem
para a cobertura. Lá de cima via os meus pais e meus dois irmãos afastando-se
como se já me tivessem esquecido.
Nunca fui de pedir ajuda para nada ainda para mais tendo-me embrulhado eu próprio nesta cilada.
Via as pessoas lá em baixo a 4 pisos de distância e não me passava pela cabeça pedir ajuda.
sempre fui orgulhoso e se puder resolver as coisas sozinho melhor. não gosto que me vejam preocupado, não quero que pensem que me encontro atrapalhado ou perdido.

6


Os prédios são a fachada da manhã leitosa e parda
A escuridão é noite que sobre nós se abate
Uma cortada na outra com estilete de luz
os olhos abismados imersos em sonhos de alcaçuz

Perseverança, preserverança, preseveransa, preceveranza


Não desisto de escrever embora agora ande mais vigiado e tenha de ser mais vigilante.
Vou anotando as minhas raivas num bloco de notas do windows durante o expediente.
Acho que já podia ser um escritor consagrado se não fosse a porra da exigência de um trabalho que me sustente na dormida e na bebida.
Domínio das palavras não me falta. Originalidade e até um certo psicadelismo perturbam-me amiúde. E experiências chocantes estão guardadas na minha coleção de vhs.
custa-me concentrar o discurso numa só história, mas nos dias que correm o zapping é quase tão certo como pôr o pijama ao chegar a casa.
as pessoas andam baralhadas e não têm concentração suficiente para. alto chega de teorias. O amanhã apresenta-se granitoso. impenetrável e frio.
não tenho medo, apenas indiferença. Não tenho forças para me preocupar.
Como o escrevo se torna imune ao estalar do chicote, assim prossigo de cabeça erguida perante as burocracias que me assaltam como pássaros assassinos sem medo de preencher mal os dados relativos ao agregado familiar.

Manel Bisnaga

5


Amola-me o olhar minha rua
assola-me o caminhar de orvalho
em ordem geométrica dispersa
no vento bravo sul em buenos aires

Canaletto - Capriccio


Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...