27.2.10
Manhã
Têmporas das brisas de loiro damasco
As comissuras de manteiga marinadas
Olhos cerzidos de pijama
Amansa o murmurar de teu manto de garança
E verte as ânforas de etéreas lembranças
Oh manhãs rubiáceas dos ecos
De argentinos risos
Dos arrepios de descalço pé-travertino
Indolência infantil
Possibilidade possível infinito aspergido
Na relva viçosa do jardim
Tanto brilho num suspiro
O vapor do duche perlado
Nas corolas vergadas do tomilho
Lúcia
Natureza Morta
Espreguiça-te manhã
Nas poças do alpendre
A cozinha ragada de porta a porta
Esvoaçam os pássaros
A colecção de canecas atrás da rede
Polenizadas pelo tempo
Sete cabos de facas desenham
A mão da sombra no fulgor matutino
Apaixonadas abelhas
Pelas dobradiças incandescentes
O zumbido cai com torpor
Sobre os olhos do cão
Se restolha o brando lume no fogão
Jovens mãos mirando-se no reflexo
Álgido dos pratos
Feno em que se agastam os dias onde se perdem as chuvas
Alimento-me da tua vista
Ao longe amparado numa amaldiçoada figueira
Uma torre ameada pomposa como o Verão
As brisas que roubam as laranjeiras
Roubam-me a atenção para aqui mais perto
Madalena Nova
23.2.10
(Se) Despertares
A segunda voz é um coro esganiçado A primeira é cantada por quatro raparigas polifónicas
Enleantes forças sedentas da noite Serpentes negras
Estrafegam os brandos corpos Lassidão sepultada inerme
Tu Brilha dá luz Pisa com força a terra
Tu grita às turbas As veias lavradas de brasas
Enlameadas no fundo dos poços Lama lama lama
O turbilhão serpentino de ferinos Rachando as almas
Dentes rasura os colmilhos à realidade Violação das fontes
E é vê-la desdentada incapaz de se alimentar Vagos horizontes
Míriades de archotes marchetando a escuridão Negros Montes
Galvanizam os cegos com a Nova Luz O isco rebenta o Céu da boca
Ergamos ao final do dia os bastiões da fome Rebelião Garbosa
Dessedentados na Luz destrinçaremos a realeza das coisas O brilho da Rosa
Enquanto uma criança mija na fornalha da mentira Lamurienta partida Lira
André Istmo
Enleantes forças sedentas da noite Serpentes negras
Estrafegam os brandos corpos Lassidão sepultada inerme
Tu Brilha dá luz Pisa com força a terra
Tu grita às turbas As veias lavradas de brasas
Enlameadas no fundo dos poços Lama lama lama
O turbilhão serpentino de ferinos Rachando as almas
Dentes rasura os colmilhos à realidade Violação das fontes
E é vê-la desdentada incapaz de se alimentar Vagos horizontes
Míriades de archotes marchetando a escuridão Negros Montes
Galvanizam os cegos com a Nova Luz O isco rebenta o Céu da boca
Ergamos ao final do dia os bastiões da fome Rebelião Garbosa
Dessedentados na Luz destrinçaremos a realeza das coisas O brilho da Rosa
Enquanto uma criança mija na fornalha da mentira Lamurienta partida Lira
André Istmo
22.2.10
Sancta Sanctorum
O beco sagrado da alma
Inundado pela luz do lampião
Sob o reflexo noturno das janelas
Quebradas dos prédios devolutos
Reverente avanço de pescoço vergado
Profundamente devoto
Vinte pisos ao alto a abóbada da catedral
Tingida de vermelho pelas luzes da cidade
Ecoa as minhas orações como um coro
De gatos esfomeados na libação do sangue
Morno no arame farpado
Suspiram beatas as ratazanas nos recantos
Das capelas laterais expiando as faltas
Em lágrimas vertidas em borbotões pelos boeiros
Defronte do retábulo de tristes nichos
Vãos negros como bocas lamentosas onde
O vento chora nas lassas cordas da roupa
Ergo o olhar sem fé ao santo dos santos
Onde esvoaça um lençol esfarrapado
E à luz de enfermiças velas
Se esfuma a tua silhueta.
Tomás Manso
Inundado pela luz do lampião
Sob o reflexo noturno das janelas
Quebradas dos prédios devolutos
Reverente avanço de pescoço vergado
Profundamente devoto
Vinte pisos ao alto a abóbada da catedral
Tingida de vermelho pelas luzes da cidade
Ecoa as minhas orações como um coro
De gatos esfomeados na libação do sangue
Morno no arame farpado
Suspiram beatas as ratazanas nos recantos
Das capelas laterais expiando as faltas
Em lágrimas vertidas em borbotões pelos boeiros
Defronte do retábulo de tristes nichos
Vãos negros como bocas lamentosas onde
O vento chora nas lassas cordas da roupa
Ergo o olhar sem fé ao santo dos santos
Onde esvoaça um lençol esfarrapado
E à luz de enfermiças velas
Se esfuma a tua silhueta.
Tomás Manso
Streetview
Em dias de chuva intensa
Os camiões rasgam a nacional
Acordando as asas dos alvos anjos
Nas bermas infernizando as pernas
Das meninas que passam na rua
Escorrendo as pinturas
Pelas faces nos retrovisores
Lavados de lágrimas
Lúcio Ferro
Os camiões rasgam a nacional
Acordando as asas dos alvos anjos
Nas bermas infernizando as pernas
Das meninas que passam na rua
Escorrendo as pinturas
Pelas faces nos retrovisores
Lavados de lágrimas
Lúcio Ferro
19.2.10
Queda
O pânico que o gavião esqueceu
Com o hábito da queda alta
Sobre o sufoco do vazio
No corpo nele envolto
Suspenso no diafragma
Dispara o coração
Sem alvo à vista
Ou impossível de abater.
Se perigo metralha
A agonia de morte
Que alma embala
Na supressão contínua do espaço
É do ver se bala-destruída
E sem tê-la agarrar a dor
Como único sustento
Que o fim nunca mais chega.
Zé Chove
Com o hábito da queda alta
Sobre o sufoco do vazio
No corpo nele envolto
Suspenso no diafragma
Dispara o coração
Sem alvo à vista
Ou impossível de abater.
Se perigo metralha
A agonia de morte
Que alma embala
Na supressão contínua do espaço
É do ver se bala-destruída
E sem tê-la agarrar a dor
Como único sustento
Que o fim nunca mais chega.
Zé Chove
Quilha
Gancho cravado nas costas,
A dor liberta dos apetites o corpo
Exposto ao mar de ferinos dentes
A dor é quilha bem delineada
Ampara-nos das ondas da fantasia
Lúcio Ferro
A dor liberta dos apetites o corpo
Exposto ao mar de ferinos dentes
A dor é quilha bem delineada
Ampara-nos das ondas da fantasia
Lúcio Ferro
18.2.10
Funeral
Dez vezes sufragado o corpo
Cessou por fim a chuva
Uma última palavra
Trovoou fora da eremida
Libertando a mirra do peito
No chuvoso lagedo
Reflexo do céu em luto
André Istmo
Cessou por fim a chuva
Uma última palavra
Trovoou fora da eremida
Libertando a mirra do peito
No chuvoso lagedo
Reflexo do céu em luto
André Istmo
17.2.10
Torre
Viver no prédio das mil fachadas
Milhares de janelas
Os rostos prisioneiros no inverno
Carne encarcerada no ascensor
Da botoneira negra e sangue escarrado no espelho
O sórdido betão inumano
As primaveras floridas de sardinheiras
No parapeito e os lençóis lavados
Pandos de tanto branco
Acampamento cigano no verão
Assados no carvão na escada de incêndio
O sol arrastado lento pelo saguão
Mil fachadas de oiro mil sombras nas varandas
No outono procuro um rosto
Esquecido nas paredes dum apartamento
Mas entre as esquinas de mil paredes
Só passa o vento, só passa o vento.
Nicolau Divan
Milhares de janelas
Os rostos prisioneiros no inverno
Carne encarcerada no ascensor
Da botoneira negra e sangue escarrado no espelho
O sórdido betão inumano
As primaveras floridas de sardinheiras
No parapeito e os lençóis lavados
Pandos de tanto branco
Acampamento cigano no verão
Assados no carvão na escada de incêndio
O sol arrastado lento pelo saguão
Mil fachadas de oiro mil sombras nas varandas
No outono procuro um rosto
Esquecido nas paredes dum apartamento
Mas entre as esquinas de mil paredes
Só passa o vento, só passa o vento.
Nicolau Divan
Cerração
Todo o mal radica em falsidade.
O mal pelo bem. Diluição. Cerração.
Perfuração. Queda. Satisfação Selvagem.
Aguentámos o discurso da ética até à exaustão?
Acordamos de noite com o relinchar
aflito dos cavalos no estábulo?
André Istmo
15.2.10
Estrada Romana
A estrada romana vai descendo com o rio. Uma parte da estrada foi enterrada quando se construiu a ponte da auto-estrada. Devia ser o troço mais interessante do percurso, porque aqui o vale é mais estreito e mais profundo. As águas invernais sentindo-se comprimidas redobram de força e o homem encavalitou entre as escarpas graníticas a sua azenha.
Os gigantes blocos de granito. Tudo sucumbe à fúria do rio: a terra, os animais que guincham em pânico, as árvores, o despenteado silvedo... Os rochedos permanecem fortes sustentando as águas impedindo que o seu vigor se dissolva na sequiosa terra.
A uns passos daqui fica um mosteiro medieval. É composto por vários corpos suportando-se mutuamente na comum degradação. Quem vem do rio depois duma vinha separada da terrosa estrada por um muro depara-se com o conjunto envolvido à esquerda por uns socalcos ensombrados por decrépitas latadas e à direita por um exército alinhado de salgueiros e plátanos frondosos. Daqui divisam-se três corpos bastante diferentes entre si mas bem proporcionados e unificados pelo tom maciço do granito amarelado.
Lúcia
Os gigantes blocos de granito. Tudo sucumbe à fúria do rio: a terra, os animais que guincham em pânico, as árvores, o despenteado silvedo... Os rochedos permanecem fortes sustentando as águas impedindo que o seu vigor se dissolva na sequiosa terra.
A uns passos daqui fica um mosteiro medieval. É composto por vários corpos suportando-se mutuamente na comum degradação. Quem vem do rio depois duma vinha separada da terrosa estrada por um muro depara-se com o conjunto envolvido à esquerda por uns socalcos ensombrados por decrépitas latadas e à direita por um exército alinhado de salgueiros e plátanos frondosos. Daqui divisam-se três corpos bastante diferentes entre si mas bem proporcionados e unificados pelo tom maciço do granito amarelado.
Lúcia
Duplos e Triplos
Adoro duplos e triplos albuns
É o prolongar da relação
Extende-se o tempo e engrossa-se
A história. White Album,
Melancollie and the infinite sadness,
Sketches for my sweetheart the drunk,
Unearthed, Live at Sinè,
Mashed Potatos, With the Lights Out,
Abbatoir Blues and the Lire of Orpheus,
Lost Dogs, Kid A and Amnesiac,
E a bem da sanidade despejo no mesmo saco
O que foi concebido separado
Morrisson Hotel e American Prayer,
Oh, Inverted World e Chutes to Narrow,
Blue Lines e Mezzanine,
Odelay e Mutations
Tardes e tardes e tardes e tardes...
Madalena Nova
É o prolongar da relação
Extende-se o tempo e engrossa-se
A história. White Album,
Melancollie and the infinite sadness,
Sketches for my sweetheart the drunk,
Unearthed, Live at Sinè,
Mashed Potatos, With the Lights Out,
Abbatoir Blues and the Lire of Orpheus,
Lost Dogs, Kid A and Amnesiac,
E a bem da sanidade despejo no mesmo saco
O que foi concebido separado
Morrisson Hotel e American Prayer,
Oh, Inverted World e Chutes to Narrow,
Blue Lines e Mezzanine,
Odelay e Mutations
Tardes e tardes e tardes e tardes...
Madalena Nova
A Invenção do Machado
Os processos, modos ou formas de actuar
Desenvolvem tal mecanicidade
Tal fluência... a técnica infere na força
Desenhando-lhe o entalhe certo
E a força aplica acutilância à técnica.
Não oferecem resistência as cabeças
Sob este pesado machado de lâmina silente.
Revoltam-se as almas com tal frieza
Sobretudo as mais apaixonadas
Pela imperfeição perfeita da natureza.
Tomás Manso
Desenvolvem tal mecanicidade
Tal fluência... a técnica infere na força
Desenhando-lhe o entalhe certo
E a força aplica acutilância à técnica.
Não oferecem resistência as cabeças
Sob este pesado machado de lâmina silente.
Revoltam-se as almas com tal frieza
Sobretudo as mais apaixonadas
Pela imperfeição perfeita da natureza.
Tomás Manso
Rock XIV
Deliro na vertigem
Da guitarra em queda
Espiralada, quase
Verto lágrimas tal a
Velocidade e todo o
Corpo sente o embate
Da bateria seca
Esmagado no chão.
Feedback descola a
Pele dos músculos
O sangue furioso
Rasga a garganta
Mário Mosca
Da guitarra em queda
Espiralada, quase
Verto lágrimas tal a
Velocidade e todo o
Corpo sente o embate
Da bateria seca
Esmagado no chão.
Feedback descola a
Pele dos músculos
O sangue furioso
Rasga a garganta
Mário Mosca
Pedagogia
Virou-se para trás e esmurrou o puto. Pumba, pumba, pumba. Sangue no vidro e silêncio – sinais exteriores de mudança no semblante ranhoso. Por o dentro o consolo do enquadramento pessoal num papel social de encarregado de educação como justificante. E para sublinhar o papel formativo prenhe de razão volta-se, o braço direito agarra a cabeceira do banco, o rosto sereno e assesta-lhe um soco na testa. A paz interior sussurra-lhe “a vida não está para brincadeiras”.
Filipe Elites
Filipe Elites
4.2.10
Sede
As grossas raízes mergulharam sedentas nas águas do rio
Umas foram arrastadas pelas torrentes
Outras apodreceram
Algumas derrubaram represas
Cavalgaram os leitos
Construiram cidades nos meandros altaneiros dos rios
E embalaram amores com as suas visões fugazes
O coração perde-se sempre nos redemoinhos
das correntes provocados pelos ramos das árvores
que volteiam submersas
por sobre as copas desses gigantescos barcos
descansam crianças devolvidas aos braços de mães imperatrizes da terra
vultos fibrosos densos de troncos sequiosos de mais água
sede extinta pelos oceanos que incendeiam
com a fúria de viver
em mil frutos exóticos com polpa de lava.
Orlando Tango
Umas foram arrastadas pelas torrentes
Outras apodreceram
Algumas derrubaram represas
Cavalgaram os leitos
Construiram cidades nos meandros altaneiros dos rios
E embalaram amores com as suas visões fugazes
O coração perde-se sempre nos redemoinhos
das correntes provocados pelos ramos das árvores
que volteiam submersas
por sobre as copas desses gigantescos barcos
descansam crianças devolvidas aos braços de mães imperatrizes da terra
vultos fibrosos densos de troncos sequiosos de mais água
sede extinta pelos oceanos que incendeiam
com a fúria de viver
em mil frutos exóticos com polpa de lava.
Orlando Tango
3.2.10
Indefinidamente
O que é que nos preocupa?
Estamos preocupados com alguma coisa?
Talvez seja essa a primeira preocupação.
Saber o que nos ocupa o pensamento emergente.
Deverei fixar o objectivo do meu olhar? Ou deverei
Desfocar os olhos e distender o tempo de urgência
Indefinidamente?
André Istmo
Estamos preocupados com alguma coisa?
Talvez seja essa a primeira preocupação.
Saber o que nos ocupa o pensamento emergente.
Deverei fixar o objectivo do meu olhar? Ou deverei
Desfocar os olhos e distender o tempo de urgência
Indefinidamente?
André Istmo
Mecânica
Quando um electrodoméstico
Define metade da humanidade...
Não tem cheiro não exige força física
Que lhe dê movimento
Prefiro habitar entre correntes e engrenagens
Sentir o contacto ferrugento das rodas dentadas
Aspirar o aroma do óleo que tinge a pele
Sentir a continuidade da força animal
Desdobrada e multiplicada pelo mecanismo metálico
Tomás Manso
Define metade da humanidade...
Não tem cheiro não exige força física
Que lhe dê movimento
Prefiro habitar entre correntes e engrenagens
Sentir o contacto ferrugento das rodas dentadas
Aspirar o aroma do óleo que tinge a pele
Sentir a continuidade da força animal
Desdobrada e multiplicada pelo mecanismo metálico
Tomás Manso
Fundamental
Como é que um olhar pode
Transparecer tanta esperteza
Concomitante com tanta lerdice
Pois lá vai ela abanando a cauda
autocarro fora mascando o resto
do seu cérebro. Uma coisa é verdadeira
o sorriso era falso.
Filipe Elites
Transparecer tanta esperteza
Concomitante com tanta lerdice
Pois lá vai ela abanando a cauda
autocarro fora mascando o resto
do seu cérebro. Uma coisa é verdadeira
o sorriso era falso.
Filipe Elites
Henry David Thoreau
“Corujas-das-torres...Oh sábias bruxas da meia-noite!...um solene canto funerário, as mútuas consolações de amantes suicídas lembrando os tormentos e deleites do amor celestial nas alamedas do inferno.”
“Enquanto os homens acreditarem no infinito, alguns lagos serão tidos como insondáveis.”
Walden
“Enquanto os homens acreditarem no infinito, alguns lagos serão tidos como insondáveis.”
Walden
Frank Black
E os gritos imprimiam um carácter
de adoração e temor implicito
aos predicados, não vos escandalizeis
infiro-o das palavras. E assim
se equivaliam deus e o bronze das
raparigas estrondosamente
expulsos da garganta com a mesma violência.
Mário Mosca
de adoração e temor implicito
aos predicados, não vos escandalizeis
infiro-o das palavras. E assim
se equivaliam deus e o bronze das
raparigas estrondosamente
expulsos da garganta com a mesma violência.
Mário Mosca
DNÇ
Um som estranho deve soar primeiro
Uma baforada de incerteza
Que desperte a curiosidade
Um ronco vindo de longe
Aveludado e ancestral
que hipnotize rasgando as planícies da memória
e desperte a vontade de “dançar”
dançar enquanto acto essencial
de expressão dum sentimento
que as palavras não saibam dizer
que o cérebro não saiba formular mas
que um frémito irreprimível da vontade
se derrame em calda de movimento interior.
Filipe Elites
Uma baforada de incerteza
Que desperte a curiosidade
Um ronco vindo de longe
Aveludado e ancestral
que hipnotize rasgando as planícies da memória
e desperte a vontade de “dançar”
dançar enquanto acto essencial
de expressão dum sentimento
que as palavras não saibam dizer
que o cérebro não saiba formular mas
que um frémito irreprimível da vontade
se derrame em calda de movimento interior.
Filipe Elites
Primavera
Revela-se o navio.
Libertas por fim da agonia
Dos cabos respirem
As velas com um silvo.
Do fogo opresso pela vergonha,
Toda a musculatura comprimida
Brota desperta por uma visão de primavera.
Os dedos tremem com um impulso
Irreprimível mas sem objecto.
O peito, profundamente matutino,
Grita como a águia esfomeada.
Os pessegueiros afloram às maçãs do rosto,
E em fonte inesgotável lança-se dos olhos
A alegria-delicadeza com um travo de sangue
Que pela saliva se expande.
Mário Mosca
Libertas por fim da agonia
Dos cabos respirem
As velas com um silvo.
Do fogo opresso pela vergonha,
Toda a musculatura comprimida
Brota desperta por uma visão de primavera.
Os dedos tremem com um impulso
Irreprimível mas sem objecto.
O peito, profundamente matutino,
Grita como a águia esfomeada.
Os pessegueiros afloram às maçãs do rosto,
E em fonte inesgotável lança-se dos olhos
A alegria-delicadeza com um travo de sangue
Que pela saliva se expande.
Mário Mosca
O Rio
Uma parede de xisto ressequido
Descansando até ao rio
Tingido de ferro uma calda de óxido milenar
Beijando infinitamente a superfície calma da água
A erva brava dava-nos pelos joelhos. Os nossos
Corpos desenhavam-se angulosos mais escuros que a sombra
Dos salgueiros que húmida nos envolvia
“Oh margens de penumbra perpétua” já cantava o poeta
Dificultam o acesso às águas do lago
Resguardam-se nos espinhos, amuralham-se em raízes,
Encavalitam-se os rochedos, abruptos como dentes arreganhados
E apodrecidos de negros limos, espantam os estranhos com detritos esvoaçantes
Trazidos pelas tumultuosas águas de janeiro,
Troncos esfiampados de longas barbas, silvedo e vestuário gasto das crianças
Afogadas no rio...
Assim que os nossos pés tocam as águas superficiais exaltam-se os girinos e pequenas rãs castanhas. As lamas intactas quebram-se em nuvens polvorosas, turvam-se os pés.
Removemos os galhos em decomposição com os dedos dos pés com se fosse um ossário submerso.
A excitação é para alcançar o sol que nos cega a três braçadas da margem. Perto de Alcafache o rio diverge em múltiplos canais formando negras e impenetráveis ilhas de lama negra e malária mosquiteira.
Rapidamente os fundos se tornam de areia. A brutalidade das torrentes invernais esculpe anualmente o leito do riocom novas fossas e cristas arenosas, é como se lhe fizesse a cama. Cada obstáculo do percurso das águas é sorvado com violência em esteiras divergentes gerando um turbilhão de redemoinhos.
No rio Poio a selvajaria das águas esculpio maravilhosas cisternas perfeitamente cilíndricas na rocha granítica.
Nas imediações das represas os rios alargam e amansam como lagos.
No centro da albufeira em que nos banhanhos emergem três blocos de granito grandes como quartos, moldados pelas águas como o sabão azul das lavadeiras, ao meio-dia escaldam sob o Ângelus impiedoso. Deitados sobre os rochedos tornamo-nos cúmplices da tertúlia dos salgueiros e urzes que se espelham na água cristalina. Na Serra da Estrela existe uma lagoa com as águas rosadas devido às algas que lá se reproduzem. Os corpos debaixo de água tingem-se de cores psicadélicas e venenosas. Na base dum dos blocos de granito está encalhado um tronco monstruoso como um mastro de caravela está recoberto com uma poalha esverdeada onde debicam dezenas de peixes negros. Nas covas dos calhaus onde o vento não toca amontoam-se os alfaiates.
Nicolau Divan
Descansando até ao rio
Tingido de ferro uma calda de óxido milenar
Beijando infinitamente a superfície calma da água
A erva brava dava-nos pelos joelhos. Os nossos
Corpos desenhavam-se angulosos mais escuros que a sombra
Dos salgueiros que húmida nos envolvia
“Oh margens de penumbra perpétua” já cantava o poeta
Dificultam o acesso às águas do lago
Resguardam-se nos espinhos, amuralham-se em raízes,
Encavalitam-se os rochedos, abruptos como dentes arreganhados
E apodrecidos de negros limos, espantam os estranhos com detritos esvoaçantes
Trazidos pelas tumultuosas águas de janeiro,
Troncos esfiampados de longas barbas, silvedo e vestuário gasto das crianças
Afogadas no rio...
Assim que os nossos pés tocam as águas superficiais exaltam-se os girinos e pequenas rãs castanhas. As lamas intactas quebram-se em nuvens polvorosas, turvam-se os pés.
Removemos os galhos em decomposição com os dedos dos pés com se fosse um ossário submerso.
A excitação é para alcançar o sol que nos cega a três braçadas da margem. Perto de Alcafache o rio diverge em múltiplos canais formando negras e impenetráveis ilhas de lama negra e malária mosquiteira.
Rapidamente os fundos se tornam de areia. A brutalidade das torrentes invernais esculpe anualmente o leito do riocom novas fossas e cristas arenosas, é como se lhe fizesse a cama. Cada obstáculo do percurso das águas é sorvado com violência em esteiras divergentes gerando um turbilhão de redemoinhos.
No rio Poio a selvajaria das águas esculpio maravilhosas cisternas perfeitamente cilíndricas na rocha granítica.
Nas imediações das represas os rios alargam e amansam como lagos.
No centro da albufeira em que nos banhanhos emergem três blocos de granito grandes como quartos, moldados pelas águas como o sabão azul das lavadeiras, ao meio-dia escaldam sob o Ângelus impiedoso. Deitados sobre os rochedos tornamo-nos cúmplices da tertúlia dos salgueiros e urzes que se espelham na água cristalina. Na Serra da Estrela existe uma lagoa com as águas rosadas devido às algas que lá se reproduzem. Os corpos debaixo de água tingem-se de cores psicadélicas e venenosas. Na base dum dos blocos de granito está encalhado um tronco monstruoso como um mastro de caravela está recoberto com uma poalha esverdeada onde debicam dezenas de peixes negros. Nas covas dos calhaus onde o vento não toca amontoam-se os alfaiates.
Nicolau Divan
Desert Rose Yelei Yelei
Adagas, sangue, templos esquecidos,
animais assassinos
rastejando as praças abandonadas à
selvajaria do vento frio,
paixão dilacerante quimérica,
por toda uma vida que será eternamente jovem
congelada numa lápide a prata,
masmorras, ecos, alucinação, gemidos lancinantes,
olhos demasiado pintados como chagas negras,
lágrimas quartesmais, jejum, correntes,
velas vertidas sobre a carne indefesa como símbolo de pureza
perdida com a brandura do cera dormente,
escorpiões, noites geladas ou o inferno impiedoso do sol,
impiedade, o zénite e o ocaso num segundo,
caravanas, areias desérticas, possessão,
algemas, escravidão, chave da caveira, trotes fulgurantes,
superfícies cromadas e enferrujadas, antagonismo,
donzelas vagamente latinas e dorsos acobreados,
índia sacerdotiza do ritual esquecido como a brasa
sob a cinza, fogo-sopro-fogo, cactos imponentes, penhascos, agressividade,
desfiladeiros, grutas, os céus como centos de cascaveis revoltos,
o assobio solitário, a fogueira tribal, o banjo, o coiote, o abutre,
impetuosidade, abnegação, paixão exacerbada, sacrifício,
culpa, voltar as costas ao mundo.
Madalena Nova
animais assassinos
rastejando as praças abandonadas à
selvajaria do vento frio,
paixão dilacerante quimérica,
por toda uma vida que será eternamente jovem
congelada numa lápide a prata,
masmorras, ecos, alucinação, gemidos lancinantes,
olhos demasiado pintados como chagas negras,
lágrimas quartesmais, jejum, correntes,
velas vertidas sobre a carne indefesa como símbolo de pureza
perdida com a brandura do cera dormente,
escorpiões, noites geladas ou o inferno impiedoso do sol,
impiedade, o zénite e o ocaso num segundo,
caravanas, areias desérticas, possessão,
algemas, escravidão, chave da caveira, trotes fulgurantes,
superfícies cromadas e enferrujadas, antagonismo,
donzelas vagamente latinas e dorsos acobreados,
índia sacerdotiza do ritual esquecido como a brasa
sob a cinza, fogo-sopro-fogo, cactos imponentes, penhascos, agressividade,
desfiladeiros, grutas, os céus como centos de cascaveis revoltos,
o assobio solitário, a fogueira tribal, o banjo, o coiote, o abutre,
impetuosidade, abnegação, paixão exacerbada, sacrifício,
culpa, voltar as costas ao mundo.
Madalena Nova
Se o Coração
Se o coração estremece ao vento sul
A vitalidade do deserto faz vibrar as pálpebras
No ar estrelejam os fogos e os estoiros no ar
Ribombam no coração
E embargam-nos a fala
Tudo se passa no ar
Resplandece a calda de nuvens imemoriais
Descende nas nossas nucas
Desnudas o arrepio sideral
E trota no espaço o trovão
Num segundo o dia rasga a noite
No paladar um travo a azul petróleo
Impressões digitais indeléveis na súbita
memória sequiosa de mudanças arrebatadoras
uohoooooohaaa
enche me de paixão
André Istmo
A vitalidade do deserto faz vibrar as pálpebras
No ar estrelejam os fogos e os estoiros no ar
Ribombam no coração
E embargam-nos a fala
Tudo se passa no ar
Resplandece a calda de nuvens imemoriais
Descende nas nossas nucas
Desnudas o arrepio sideral
E trota no espaço o trovão
Num segundo o dia rasga a noite
No paladar um travo a azul petróleo
Impressões digitais indeléveis na súbita
memória sequiosa de mudanças arrebatadoras
uohoooooohaaa
enche me de paixão
André Istmo
1.2.10
Nem Tudo o que Vem à Rede é Peixe
Sonhámos com a ressonância das palavras
O mesmo eco libertado do sino nos vales
Paulo Ovo
Gostei mais do dia da marmota do que do dia do marmoto...
Rui Barbo
Graças a Deus fui abençoado com uma certa dose de estupidez que me impede de ver..
Diniz Giz
Contarei uma história baseada no Do little dos Pixies – jovens numa praia ondas que aparentemente não nos deixam surfar – faz te pequeno...
Carla Corpete
Como deveria ser feito um album
Henrique
Como reages perante o amor/paixão
Manuel Bisnaga
Os copos tilintam
Os corações declinam
Maria Vouga
Janeiro
Diário dum péroco de Aldeia e Walden
Zé Chove
Vaguear no escuro
Na antiga eremida o pó
De escuros braços das árvores
Presos no interior das minas
Nós Sombras
Lúcia
Cromo-dorsos de motociclos que irrompem
do peito de cada homem
o asfalto quente que inebria as nervosas têmporas
Mário Mosca
O mesmo eco libertado do sino nos vales
Paulo Ovo
Gostei mais do dia da marmota do que do dia do marmoto...
Rui Barbo
Graças a Deus fui abençoado com uma certa dose de estupidez que me impede de ver..
Diniz Giz
Contarei uma história baseada no Do little dos Pixies – jovens numa praia ondas que aparentemente não nos deixam surfar – faz te pequeno...
Carla Corpete
Como deveria ser feito um album
Henrique
Como reages perante o amor/paixão
Manuel Bisnaga
Os copos tilintam
Os corações declinam
Maria Vouga
Janeiro
Diário dum péroco de Aldeia e Walden
Zé Chove
Vaguear no escuro
Na antiga eremida o pó
De escuros braços das árvores
Presos no interior das minas
Nós Sombras
Lúcia
Cromo-dorsos de motociclos que irrompem
do peito de cada homem
o asfalto quente que inebria as nervosas têmporas
Mário Mosca
In the City
Através da cidade esférica
na sedosa limousine
és o fulgor na bracelete metálica
no cetim indiferente nos lábios da lepra
és o balançar da city desperta
és o balançar da desgraça
sem sexo sem cheiro sem identidade
glamour inebriado um miasma
uma convulsão a morte sem dignidade
um perfume despedido pelas ruas da cidade
Filipe Elites
na sedosa limousine
és o fulgor na bracelete metálica
no cetim indiferente nos lábios da lepra
és o balançar da city desperta
és o balançar da desgraça
sem sexo sem cheiro sem identidade
glamour inebriado um miasma
uma convulsão a morte sem dignidade
um perfume despedido pelas ruas da cidade
Filipe Elites
Cuidados
Carinhosamente ou meticulosamente compões o alinhamento e a côr perfeita a dar às frases de forma a não magoar ninguém e a todos convencer. Poderemos viver com menos depois de nos embrenharmos na fartura? E uma vez sentidas todas as costelas do torso terás empenho suficiente para suportar a engorda?
Filipe Elites
Filipe Elites
As Montanhas
As montanhas vão galgando todo o espaço que a vista alcança. Tingidos de uma neblina que resplandece com os raios solares do final tarde. De memória não sei precisarse o seu tom era cinzento, rosado ou talvez violeta e perto do céu esverdeado azulado. Os montes são docemente arredondados como hematomas roxos na cabeça duma criança. No caminho as aflorações xistosas surgem como os despojos de tesouros abandonados à pressa, com os seus laivos doirados de óxidos ferrosos e a riqueza das formas. Os tojos envolvem estes retábulos como aconchegos de penas verdes frondosos. Não saberia precisar o que mais entusiasma se a segurança das formas laminadas pelas intempéries milenares se a loucura das cores vermelho sangue de boi, laranja, verdes, pretos profundos matizados os tons pelo vinagre ácido e corrosivo do óxido. Oxidare matar em latim.
Orlando Tango
Orlando Tango
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