7.12.07

Alma Penada

Foi condenado
a viver encarcerado
numa conduta metálica
de ar condicionado
na antiga fábrica

Despojo total
Dor infligida sem igual
anos e anos de escuridão
frio e ardor infernal
espírito trefilado à solidão

Lúcio Ferro

Quilhado

Embora não tenhas pedido
não te faltam temas
tens sido analisado em todas as direcções
tás farto do álcool
em todos as feridas

O cérebro enfaixado
queijinho morno e amanteigado
melodias e visões queridas
não o deixam extravasar

Tarefas
Nem pensar nelas

Esconde as chaves
amortalha os teus enigmas

Nicolau Divan

Os Porcos

Todos os porcos
comemos da mesma malga
foçando todos à uma
com estrépito e fúria

confusão de corpos
grunhidos
estardalhaço e rebelião
sombra densa da pocilga

um suíno abrutalhado
esfacelou duma tranchada
meu focinho
gritei como um humano

o sangue jorrou escuro e quente
empapando a ração

toda a vara em alvoroço
vibrou gulosa
varada com o sabor do sangue
e lançou-se em estrepitosa cavalgada
sobre o meu corpo estarrecido

gritei apavorado como um homem


Zé Chove

Good Vibrations

Sun is shining, the weather is sweet
Yeah! Toma carraspana
Dormir na praia
dia em delírio
misturando os sonhos
de areia e mar
Sun is shining
lift our heads and give jah praises
Make you want to move your dancing feet
As Cadências de Verão
Preocupações evaporadas
To the rescue, here i am
y'all, where i stand
Vozes alegres Yeah

(rewind)

de novo a doce melodia
tonturas paradisíacas
junto ao pontão
i'm a rainbow too
chuca-chuk chuca-chuk
corpos langorosos
moldados ao areal
o calor e os cheiros
rochas banhadas pelo mar
o carvão, o creme solar
(monday morning) here i am
Want you to know just if you can
(tuesday evening) where i stand
(wenesday morning)Tell myself a new day is rising

Mário Mosca

Anthologia de Textículos #3

A Leste do Paraíso / John Steinbeck

"Ao monstro, o normal deve parecer monstruoso, visto que tudo é normal para ele. E para aquele cuja monstruosidade é apenas interior, o sentimento deve ser ainda mais difícil de analisar, visto que nenhuma tara visível lhe permite comparar-se aos outros. Para o homem nascido sem consciência, o homem torturado deve parecer ridículo. Para o ladrão, a honestidade não é mais que fraqueza. Não esqueçam que o monstro não passa de uma variante e que, aos olhos do monstro, o normal é monstruoso."


25ª Hora / Virgil Gheorghiu

"«A vida nunca tem um fim objectivo, a não ser que assim se chame à morte: todo o fim real e verdadeiro é subjectivo». A Sociedade Técnica Ocidental quer oferecer à vida um fim objectivo. É a melhor maneira de a aniquilar. Reduziram a vida a uma estatística. Mas.: «Toda a estatística deixa escapar o caso único no seu género, e quanto mais a humanidade evolui, tanto mais será a unicidade de cada indivíduo e de cada caso particular que contará». A Sociedade Técnica progride exactamente no sentido inverso: generaliza tudo. «Foi à força de generalizar e de investigar, ou de colocar todos os valores no que é geral, que a humanidade ocidental perdeu todo o sentido dos valores do único, e, por consequência, da existência individual. Dai o imenso perigo do colectivismo, quer seja compreendido à russa ou à americana»."

«»Conde H. De Keyserling

5.12.07

Páteo das Cantigas

Bazel Tov!

F.U. Like Curtis
across the street

Venha daí vizinha
manchemos as toalhas
brancas de vinho

Dançai ao som do acordeão
vinde rapaziada saciai a vossa fome
praça pobre de granito e parras
ao sol
risos dos gaiatos
alegria simples
tarde fora

gerações d'aldeias
todas festejando à uma
numa praça sem limites

miríades de bimbos
saltaricando ao entardecer
soltai foguetes
já se aproximó anoitecer
soltai toiros, soltai mascarados
soltai o juízo, engoli-o com loucura
junto à fogueira
crianças contentes embriagadas
soltai foguetes

Diniz Giz

Inícios

Adora a indefinição dos inícios
a emoção de não saber o que
se ganha ou que
se perde
o sol e a lua desfocados
na mesma tela
bruma de ideias primordiais
confundind'o presente
carregando todos os horizontes
de luz temblorosa
e amistosa
que tudo faz brilhar como
se tudo fosse bom

Lúcia

Paredes

Cantos de paredes
Grossos de reboco
espesso e branco
tradicional e tosco
conduzind'as nossas vidas
com curvas, planos e quinas
através dos anos e dias
branc'azul, branc'amarelo
branco verde, branco branco

Carlos Marques

3.12.07

Dans la Bonbonnière

Todo momento foi cunhado
com o selo branco da fatalidade.

Bastava a sua presença
para nos agoniarmos na vertigem
da imponente e fria
penha da moralidade.
Temor permanente temor
de sermos destrinçados pelo seu olhar
e em vez de luz
mergulharmos nas trevas.

Poupa-me das tuas revelações.
Prefiro ignorar o poço e o pêndulo
vaguear nas escuridões.

Sirvam-me a aconitina
dans la bonbonnière.

Lúcio Ferro



PS: toma lá bombons

Sopros

Sopros sonoros arrastados,
eles chegaram de novo,
almas mortas do outro mundo,
enchem de calma as tardes de verão.

Enchem o parque de melancolia,
movem-se sem se mover,
sons de mel e fantasia,
olhos baços, curvas de mulher.

Sobem seus halos mais alto no céu,
estamos vencidos deitados na relva,
contemplando extasiados,
os seus lamentos de madrugada.

Lúcia

Tzigane

Tangos russos gogolianos,
vodka marinheira em coxa argentina,
fados toureiros vitoriosos,
cornetas na noite mourisca.

Narguilhés de tempos imemoriais,
tarimbas soam internacionais,
danço o mundo apaixonado,
pelos portos abandonados.

O mar é minha cama,
solidão da estepe calma africana,
encantador de serpentes insegurança,
incenso e cheiro a barro.

Violinos ciganos à fogueira,
vagabundo no sangue irrequieto,
lágrimas sorvidas terra sedenta,
morrerei na terra infinita.


Zé Chove

23.11.07

Vitória de Samotrácia - 200 AC

Archivo de imagens #17

Fuel my Fire

cuspo fogo
lambo o aço
olhos fumegantes
músculos de pedra
esmago arranco

destrói e moi e mata
preto fogo fumo negro
óleo, calor e sangue

lago azul desiludido
sol morto no peito
cinzas de morte no meu leito
grito amargo perdido
lâminas na carne
rodas cerebrais
luzes psicadélicas
paixões pontuais
fogo bebido
sofreguidão na garganta
aço azul nas veias
poder embrutecido
choque metálico
licor de dor

culpa amarga
doces prazeres
triste passado
loucos momentos
trémulos gemidos
choros fingidos
afogado no mel
chuveiros ácidos
cheiros intensos
sensuais sombras de carne
dentadas de fuligem
brasas no pescoço
roxo de novo
frio e cansado
lascivo


Zé Chove

19.11.07

Arroios 83

Saltou a rede eléctrico,
com estardalhaço nos latões de lixo,
o beco escuro chiou,
ratos, baratas, gatos de olhar fixo.

Abriu as traseiras do bar adormecido,
halogénio reflectido no rançoso azulejo.
Chapada no estanho álcool despedido,
o espírito de verdade benfazejo.

O fogo escorregou na traqueia,
a loucura subiu há cabeleira.
Velhos comparsas em cabedal,

olhos semicerrados, filmes alemães,
um velhinho a dançar balcãs,
mais uma bezana para o historial.

Zé Chove

16.11.07

Requiem Officium Defunctorum

Aleksandr Isaevič Solženicyn - Gulag

"Ah, se as coisas fossem assim tão simples! Se num dado lugar houvesse pessoas de alma negra, tramando maldosamente negros desígnios e se se tratasse somente de diferenciá-las das restantes e de aniquilá-las! Mas a linha que separa o bem do mal atravessa o coração de cada pessoa. E quem destrói um pedaço do seu coração?..."


Selma Lagerlöf - O Cocheiro da Morte

"Continuou sentado na cadeira, sentindo-se infinitamente velho. Tornara-se paciente e submisso como acontece aos velhos. Não se atrevia a esperar nada nem a desjar nada; contentava-se em juntar as mãos e pronunciar em voz baixa a oração do cocheiro:
- Senhor Deus, permite que a minha alma alcance a maturidade antes de ser ceifada."


Georges Bernanos - Diário de um Pároco de Aldeia

"O pecado contra a esperança - o mais mortal de todos, e talvez o mais bem acolhido, o mais acarinhado. É preciso muito tempo para o reconhecer, e a tristeza que o anuncia, que o precede, é tão doce! É o mais rico dos elixires do demónio, a sua ambrosia. Porque a angústia...
(a página foi rasgada.)"

Anthologia de Textículos #2

14.11.07

Estatística #4

Anfetamina
Menina
Purpurina
Bonina
Ocarina
Feminina
Bailarina
Narina
Ferina
Assassina
Sonetina
Cantina
Barretina
Creolina
Mandarina
Tangerina
Cabotina

Madalena Nova

Sobre o sofrimento dos animais

Esfacelaram toda a carne dos seus braços
com uns estilete escreveram dilacerados de raiva
agora não conseguem estacar o sangue
enchorrada aos borbotões
flui pelos tubos do soro
fisiológico esgotado
maca trespassada de dor
almofada suja das mordidelas alucinadas

O pato que deu as penas
sente as dentadas
no seu limbo de animais trucidados
por homens em busca de prazer e lucro


de volta aos frascos de soro
na salinha interior sem luz do sol
as crianças berram
gemem gatinhos esfomeados
Embalada, seu espírito
nos miasmas de desinfectante
dos aquecedores metálicos evolado
Aquecedores Metálicos do Tempo
da guerra e das lutas sangrentas...
Já sonha...
...lentamente afogam-se os gatos

Lúcia

Um Homem Interessado

Passava horas na sala de espera da clínica
escutando de soslaio atentíssimo
as inconfidências
das meninas bonitas impacientes

Wilson

PS: Cuidado! Não leia tudo o que lhe vai parar às unhas! Ainda se quilha...

Criaturas Transcendentes

Desejas visitar a cigana
ver desvendado o teu futuro
ter um sentido no passado
ardes pela revelação dos anjos
acreditas nos símbolos dos sonhos
atentas na disposição dos astros

Ao mesmo tempo buscas a consolação
na benfeitoria e acalentas todos os teus desejos

Tens pena do cão sem dentes?
Acaricías as criaturas abandonadas?

Nicolau Divan

O Homem Insaciável

Oh! Divino taumaturgo
conceda-nos novas combinações de cordas
delicie-nos com novos sons

Desenterre o seu machado de guerra
guie-nos através de novas contendas
alente-nos com vitórias sobre novos inimigos

molde novas vénus
insufle os nossos desejos
delicie-nos até à exaustão
com a doce calda das musas

Lúcio Ferro

Paraísos Terrestres

Claro que existem autênticos paraísos terrestres
vidas quentes mornas como piscinas ao sol aquecidas
em climas tropicais
belas mulheres
frondosos manjares
tépidas melodias
drogas leves
sem limites de orçamento
amizades para trás e prá frente
sem sentimentos de ânsia
angústia ou sede
desejo ou fome
tudo se sacia rapidamente
a consciência dorme tranquila
os pés descalços ao sol
semi-deitado despertando
inveja a quem passa
na rua com pressa

Filipe Elites

11.11.07

Gyps Fulvus - Abutre-fouveiro

Archivo de imagens #17

Maior ave necrófaga existente em Portugal
2,70m de envergadura

Anthologia de Textículos #1

Evelyn Waugh – Reviver o passado em Brideshead

“…quando parti e me voltei dentro do carro para ver aquilo que prometia ser a minha última visão da casa, senti que deixava para trás parte de mim mesmo e que, aonde quer que fosse depois, sentiria a sua falta e a procuraria sem esperanças, como dizem que os espíritos fazem, frequentando os locais onde enterraram tesouros materiais sem os quais não podem pagar a viagem para o inferno.”



T. S. Eliot - The Love Song of J. Alfred Prufrock (excerto)

And indeed there will be time
For the yellow smoke that slides along the street,
Rubbing its back upon the window-panes;
There will be time, there will be time
To prepare a face to meet the faces that you meet;
There will be time to murder and create,
And time for all the works and days of hands
That lift and drop a question on your plate;
Time for you and time for me,
And time yet for a hundred indecisions,
And for a hundred visions and revisions,
Before the taking of a toast and tea.



(Nota: o corpus editorialis não tem paciência para bibliografias
qualquer dúvida telefone para o número 764928 ou 708172)

Indi(g)nação

Estamos a milhas da guerra
em paralesia-geral
contendas interiores
são punidas pela constituição

perdemos o contacto com as armas
proibimos o esgatanhar dos tigres bebés
chora-mama, borra-limpa
sofre-anestesia, grita-anestesia

anestesia-anestesia

Os funis estão cheios
Os grandes celeiros reais
frascos derramam
de crânios formatados
vomitam febras todas iguais

corpos amansados pelos media
enroscados no morno dos sofás
sob a cúpula do entretenimento
"não papás" não desliguem as máquinas
influxo de vida das vossas crias

Atingimos a glória da nação
erradicámos o escorbuto malsão
e toda a forma de ansiedade
boia afogada a juventude
em poças de água estagnada

Brás

Insónias

O prédio dorme
a luz da lua cala os lampiões
andam nos corredores
solitários
em passos de ladrão
nevoeiro
derramado debaixo das portas
das celas de morfeu
sonolência de horas e horas
"aqui estou eu"
vidrado
de queixo pendente sobre a cidade
gemendo meio-morta

Wilson

Rodelas de Chouriço

O meu tio roncava como um porco
fazendo tremer o pó dos livros
enroscado como um musaranho
no cadeirão de veludo


A técnica permite que o tempo passe mais rápido.
Basta pensar na Poda Automática


Traços bruscos
tela amarfanhada
tinta-sangue, lágrimas-terbentina
regaço de amor
quadro de vida

Mário Mosca

Domingos

Domingo ao fim da tarde
quando melhor sabe andar na rua
O hiato entre a sonolência de Sábado
e a urgência de segunda

Noutra encarnação
tingia domingos de pijama
vagabundo entre a sala e a cama

Sentem se já os aromas acres
do refogado de segunda-feira
com o vento vou deslizando
afiando a imponência solitária
das universidades e edifícios públicos
enjoados da ressaca.

...............................................................

e lambendo assim o tédio
todas as fachadas de todos os prédios

nos passeios pescoços cortados
artéria a artéria
tendão a tendão
com arames finos
fachos de palhas decepados rente
com toda a raiva exigida


Zé Chove

9.11.07

Devolvidos ao Remetente - P.B.C.

Paredes de betão cinza,
com nuances ferrugentas,
pessoas cabisbaixas moribundas,
ruas negras não aguentas.

Vais chorar em silêncio,
todas as mágoas deste mundo,
à janela arrebentas,
em pranto incontido profundo.

Atrás das nuvens não vês esperança,
lágrimas amargas dolentes,
no teu rosto estão quentes,
na alma cravada uma fria lança.

Desce a noite, morre a gente,
sem um sentido choros lancinantes,
já nada será como d'antes,
chuva morna diluiu as mentes.

Vasco Vides

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...