Meu sonho é morar à Miami
Num casarão branco ao sol
Com relva e piscina no jardim
Janelões e palmeiras em volta
Torres
Meu sonho é morar à Miami
Num casarão branco ao sol
Com relva e piscina no jardim
Janelões e palmeiras em volta
Torres
Cantos de Maldoror – Conde de Lautréamont
Cidadela - Saint-Exupéry
À sombra em que se oculta o repentino
Sem fim do nascimento, aonde estamos,
Embora a sombra esconda que o cumprimos.
E vermos na demora advém destino
De perdermo-nos de onde ainda estamos,
Pensando a sombra como um outro sítio.
É sombra ainda a invenção da hora
Em que se cumpre o sonho da passagem.
De lentamente ver, se erija aragem
O repente sem fim que ver demora.
Afogo os dias
em abundância
de bem e de mal
sou cisterna ávida
sem rachas ou gretas
albergo o marasmo
de marés nojentas
e remansos de puras águas
vêm a mim beber iludidos
toda a casta de animais
pois também brilham os rios
onde bóiam cadáveres
Não penetra o pássaro a copa do pinheiro?
Foi Deus quem no-los concedeu
Para que não pecássemos mais
São mel do nosso favo
E fibra da nossa cepa
Perpetuação duma raça
Onde vagueiam vultos
Definem uma sugestão
De paisagem habitada
Cada palavra que constitui o
Texto liberta vultos nessas moradas
Sinónimo de corda de fios…
As pétalas dos meus olhos
Não impeço o seu calor
De dissecar os meus olhos
Esvoaçou desmaiada à volta do teu corpo
Do sol de fim de tarde
E serpentinam de luz a cidade
Mkristu miye niko salama
Shetani we, si nyie
Arrrgh o ar não tem ar.
Reflectido nas poças?
O poço de Babel
Logradouro alegre de ritmos
Em espiral torvelinhos de suspiros
E aromas de roupa lavada
Assados, qualquer coisa podre
E qualquer coisa longínqua
Maresia
Orlando Tango
Mais uma ladeira extenuado
quebra-costa ao sol apontado
travessa empinada
escada de sombra
vira rua de sol
onde pastam pombas
com os pulmões de fora
do alto miro Lisboa
Amanso toda a cidade
entre muralhadas colinas
de olhar cristalizado
às telhas no sol reflectido
Lúcio Ferro
à espera ansioso,
no chão de pedra estalam os meus passos
perdidos
na escura solidão deste beco
perdido em lisboa
neblina fresca esverdeada
agarro mais um cigarro
pareceu me ouvir o teu sussurro
puxo o cabelo para não ser vencido
pelo sono que hoje é inimigo
e vivo este sonho alegre e misterioso
estarei contigo?
Manuel Bisnaga
Neblina negra, densa e fria.
Molho os lábios de sede,
na língua ressequida.
A dúvida donde estou...
Vagas lentas a morrer.
A luz verde corta o breu.
Passos incertos no asfalto.
Vislumbro desfocados,
antigos pavilhões industriais.
A madrugada não deve tardar.
Nos carris de ferrugem abandonada,
uma carruagem em mau estado.
(sons estranhos de novo)
Estou sozinho.
Dançam melodias na memória
e um desfile de caras conhecidas.
Vou pesando a vida,
numa balança apodrecida.
Um tom laranja no horizonte
desponta pálido atrevido.
Para afastar o sono, assobio,
falta menos pró meu destino.
O rio sereno e adormecido,
vai me encantando,
fluindo de mansinho.
As pernas ganham asas,
no cansaço mecanizadas.
Ao meu lado um tanque gigante.
O sol nascente faz brilhar,
de azul intenso o Tejo.
Um halo róseo pinta a neblina,
ganham contornos as fábricas.
Acordo de súbito dos meus sonhos,
outrora negros e sombrios,
ganham esperanças e sorrisos.
Um carro em sentido contrário,
fulgindo do sol matutino.
Nuvens d'ouro no horizonte
e na alma uma doce paz!
Zé Chove
Manhã solarenga de inverno
Uma
O frio aguçado separa todas as vértebras dos corpos
Caminhando de queixo levantado meio adormecido
Fantasma soprado no holofote matinal
Entre brumas temblorosas no quintal
Lúcia
Sussurra baixo a decrepitude
Cego à avenida em agitação
A natureza camuflou-o
Um sagrado turíbulo
Argêntio pêndulo
Mil cornucópias de ouro acrisolado
Inalei o fumo de carnes
A multidão de criaturas imoladas
Entre gemidos brasas negras
Densas como leite condensado
Tingido de sangue e ferrugem
Incenso de dor em nuvens
Do bálsamo de vida sobre as brasas
Um querubim remexe com os dedos
Pouco articulados de bebé
As cinzas putrefactas
Que poderiam encher uma sala
Rescoldo duma existência
No fundo negro do turíbulo
Flutuando de asas cada vez mais cinzas
Com um suspiro encontra fio de prata
Retesado como um aguilhão adamântio
Eleva-se nos ares…
Oh monte de sargaço informe
Que atordoas até as moscas
Com teus humores de podridão
Acorda!
É Deus quem no-lo dá
Sem vos afogardes
Contemplai tudo com a brandura
Dos gestos subaquáticos
Protegendo os filhos
Dos babuínos
Sob os nossos pés que pairamos
7 moças gordas e 7 magras
mas são as mesmas 7
7 gordas e 7 magras
E nós sem querer deixámos
A pele evaporou-se com o barulho
Dos fritos e efervescentes nuvens de vapor
Atrevessou-vos de olhar febril amarelo líquido
Doenças de estábulo
Que vos atacam humilde rebanho
Já as ultrapassásteis
Descobri agora a verdade
E o mandarim teria
Servas pequenas ao seu serviço
Criaturas cristalinas como um pingo
Anunciariam sua chegada com um suspiro
Envergando túnicas de branquibrilho semi-translúcido
Autênticos esfiapos de nuvens
Vasis fictilibus silhuetas de clepsidra
De sorrisos glicínios e ventres níveos
Simples arrefeceriam
Seus lençóis de puro linho
Com seus pezinhos frios
Vaporosas brisas do minho
Deporiam seus lábios
De impintável valor lumínico
Depostos como bicos de passaritos
Aligeirando os seus sentidos
E os dedos enluvados de tricots argêntios
Em doces esfregaços
Com chá exótico
Tílias raras, ibiscos ou ginsengos
Purificariam o espírito
No seu íntimo
E seus cabelos
Noite de rios opalinos
Nem à luz oferecem inércia
De tão finos
Uma cáfila de ouro de Ofir
Por um só fio
Um merlim das arábias
Virá pedir
Dará abrigo
A tão preciosas meninas
Sob um docel de pura ceda da China
Nicolau Divan
Afãs – onde se ajuntam os abutres
Lutas corpo a corpo – é no coração
Passavas e escapou-se o panfleto ao pára-brisas
Filipe Elites
O que mais me pesava era a sensação de que alguém me abandonava,
de que a memória também acabaria por abandonar-me,
e que, embora eu quisesse concentrar-me, tudo inspeccionar,
tomar todas as precauções, calcular os meios de me salvar,
não podia, não sabia fazê-lo.
Não me deste
Todo o tempo neste dia
Para fazer o que queria
Nem sequer chegou o tempo
De a tua vontade alcançar
De estares comigo
Deitei-me pois sozinho
Com a sensação
De a dois senhores ter servido
E sem senhor no coração
André Istmo
Passo as mãos pela chuva
Depositada no peitoril
Da minha janela
E esfrego a essência pura
Das entranhas da terra
Pelo meu pescoço funde-se
O espírito do mundo
Com a alma humana
Num gesto profundo
E todavia meditado
Para derramar numa poesia
palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...