25.5.10

Filha da Mãe

O que mais a entusiasmava
Eram os poemas em que as ânsias
Não são nunca saciadas

Não a comovem os grandes feitos
Carregados de sofrimento tanto
Como os feitos nunca alcançados
Provocando a vertigem dolorosa
Da insatisfação eterna

Lúcia

18.5.10

Siderurgia

Tensões

E se houver tensão sem ser a que prende o azulejo ao tijolo é só a de não haver qualquer tensão e a alma que eternamente desconfia asperger-se em questões sobre os veios do mármore da bancada. Casarei com a cozinha?

Tomás Manso

Cismando

A mão mole de palma virada
Para o pescoço com o polegar absorto no lábio
Os emersos olhos na imensidão da parede
O braço esquerdo pendendo sobre a cabeça não vão escapar-se as ideias
E os dedos prescrutando a incompreensibilidade do lóbulo auricular
Direito que nunca alguém teve o prazer de contemplar

Lúcio Ferro

Sesimbra

Tritão

Abandonado pelo mar que me rodeia e esmaga, perante tamanho silêncio de que me adianta a resignação? Não será a mais subtil forma de orgulho? O mar é uma besta. Não quer saber só tem ouvidos para a sua mãe a lua.
A barba ensopada no fundo dum casco. As costas cravejadas de mexilhão e lapas. A voz deu lugar a um roar que galopa das infinidades da alma e só sabe pedir perdão. O peito curvado como uma vaga que se engole a si mesma escondendo do sol a sua interioridade. O abismo do espírito negrume do peito onde voam os monstros marítimos. Saciado no meu fim te agradeço oh pai oh mar!

Paulo Ovo

Forças

Os prédios e assassinos a soldo, torres
Persistentes nos túneis, passem-me o
Microfone, passos perdidos nos
Becos ecoam nos ocos
Oprimidos dos peitos tegúrios
Da raiva incontida. Máfias
Caseiras, refeições ligeiras
Roupas foleiras
Serviços secretos esqualidos
Movendo-se em silêncio
Nos prédios abandonados
Conspirações nos transportes públicos, agentes
Que pedem que me cale

Rui Barbo

Tudo São Paralelas

Tudo são paralelas embrulhadas em novelos
De relações de intrincadas palavras que sustêm seus sentidos
Em infinitos sentidos – fios tendidos
Agarrados a outras palavras
Emaranhando as coisas e a gadanha
Da Fala liberta e rasga e polvilha de sangue
As planícies e canta incendeia a alma
Que vagueia na garganta

Brás

12.5.10

The Knife - Live - Forest Families

Planícies

Ao terminar a tempestade o fim parecerá mais perto
O caminho assim aberto à vista
O meu coração é uma lua bêbada reflectida nas poças
E no mar. Ansiamos escorrer em todos os riachos
Em que se afunda a chuva
E desejamos ser o carvalho dono da vastidão da planície
Amante noturno que passeia em sombra o meu coração de lua

Madalena Nova

Na Minha Cabeça

Acordo-te para que saibas sou eu
Na minha cabeça
Abro-te os dedos em confirmação
Na minha cabeça
Quando invado as tuas
Vestes e desembainho o mar
Mergulhamos nos drapeados dos cabelos
Na minha cabeça
Onde a nobreza do linho esvoaça
E rasga o vento sem conserto
A fibra do espírito novo

André Istmo

Anastacia

Prussia-Anastacia que danças à roda
Num porão, estátua de paz,
Luz levítica abandona-nos nas mãos
Da Babilónia que ninguém há-de amparar
Tua imperial queda
Entre os pinheiros do Burgo de Catarina

Tomás Manso

8.5.10

Royksopp - What Else Is There (Trentemoller Remix)

Melra

Poiso o olhar em tuas penas de melra arisca
Mas escapa-me o teu olhar
Não que o não tivesse prescrutado
À sombra dos antigos roseirais por onde te resguardas
Esses olhos de menina incandescente demais
Para tão delicado rosto
Não que os não tivesse tentado
Ler na centelha da tua asa negra
Escondido atrás da arma de lágrimas
A mira fica cega


Manel Bisnaga

Semana-silêncio

Retro-iluminadas fábricas de escândalo-halogéneo
Da penumbra-vergonha da noite dominical- pecado
Com teu fumo-lento onde pedalas próxima semana-silêncio
Silêncio


André Istmo

Reclina

Reclina as costas sobre o firmamento da noite
E contempla-nos temeroso o temor
Que da tua noite temos

Alargámos ao máximo as cúpulas de pedra
Para te sonharmos de ouro presente
No sopro da tua luz
Que sobre nós cai do zimbório

Zé Chove

4.5.10

Monastery of St. Catherine in Sinai

Concordata

Fui educado na concórdia. Concórdia vem de coração. O campo argumentativo foi desprezado pelo meu cavalo que sempre preferiu as pastagens tranquilas das verdades dogmáticas. É um prado imenso de comunhão com os seres que nos rodeiam. Se algum espírito mais picardio me procurava para uma disputa de fogos apresentava-me sempre manso. Partilhando o meu farnel e recusando educadamente o que me cheirasse a carnes imoladas. Se insistissem, com peçonha, engolia os seus vómitos e procurava esquecer tal agonia. Verdade. A verdade é una. Só pode ser una, caso contrário perde o sentido. Por vezes as crianças no recreio tentavam convencer-me a fazer o mal. Normalmente corava e tentava esquivar-me sem ter de argumentar.

Tomás Manso

Melra Arisca

Poiso o olhar em tuas penas de melra arisca
Mas escapa-me o teu olhar
Não que o não tivesse prescrutado
À sombra dos antigos roseirais por onde te resguardas
Esses olhos de menina incandescente demais
Para tão delicado rosto
Não que os não tivesse tentado
Ler na centelha da tua asa negra
Escondido atrás da arma de lágrimas
A mira fica cega

Manuel Bisnaga

Oh Mãe Fermosa

Oh mãe fermosa que do alto do monte
Nos sorris gloriosamente solicita
Amansa a fúria dos homens que a ignorância
Os olhos dos teus filhos tolda

E se a aparência do podre fruto é louçã
A alma estende a mão ao demo
E a criança dança e dança
Liberta-nos antes que nos afundemos

André Istmo

30.4.10

Carnes

Tendões

Sonhei a tarde toda
Com um estilhaço de vidro duma montra
A cravar num joelho flectido
E ao esticar a perna com a dor
A lâmina a alavancar a rótula
Que fica ao pendurão amparada
Nos esfrangalhados tendões

Rui Barbo

29.4.10

Somos o Sol

Com toda a confiança nós somos o  sol
Sobremaneira resplandecentes
Igualmente fogosos sobre todas as superfícies.
Os vales escarpados de árvores velhas,
As cidades com as suas tampas de esgoto
Equilibradamente horizontais,
Os olhos das mocetonas casadoiras e os do pedinte
Sem pernas perto da ponte por onde passa, em
Tudo o sol resplande e para todos
É excelentemente igual

Tomás Manso

Provérbios

Corredores

Compartimentos vazios
Tinta branca de areia
Chão de tacos húmidos
Halogéneo nas lâmpadas
Corredores mais corredores
Sons fechados:
Os meus passos,
As traças excitadas
E um estranho rumor de gerador emparedado
O tecto é baixo
E sufoca a solidão
Asma respiração
Sinto-me demasiado perto
Porquê continuar?
Não têm fim os meus passos
Neste oco labirinto
O meu corpo cresce
Torna-se desmesurado de tudo é medida
Detesto o meu vulto
A sua omnipresença desconfiada
E tento humilhá-lo
Vergo-o e cuspo
A redenção não virá
E mordo-me em confirmação
Da verdade

Lúcio Ferro

28.4.10

Massa

Uma e outra vez se corta a branda
Massa e de novo amassa o tenro
Bolo. Incha. Um sopro
Um beijo em movimento
Incessantemente solto.
Abraça, estica o pão leveda
E exala o coração azedo
Da semente lacrimosa
Profundamente macerada,
Esmagado sufocado
Pelas mãos famintas
Eternamente famintas

Zé Chove

Átrios Teus

Átrios teus configurações da pureza, ares de pedra
Colunatas que suportam a tua sombra que sobre tudo desce
Onde os passos ecoam solitários por entre o buxo e as fontes jovens

Lúcia

21.4.10

Gehry on Seixal

Folks

Eu vi o que vi
As lanternas só iluminam os nossos passos
E neste rio perdidos na noite
Cegam-nos os galhos dos salgueiros nos olhos
Eu vi o que vi
E as nossas vozes já só se encontram ecoantes
Separadas por montes e vales de escuridão
Eu vi o que vi
Nos reflexos da água escura refluem as memórias

Lúcia

Coração-sicário

Amordacei meu lebre-cão
Vermelho em cilício de adamântio
E atazanei-o sangue enebulizado
Nos interstícios do focinho-arame
E vê-lo assim submisso
Fez coalhar na língua o louro
Do Império sobre o Coração-sicário

Diniz Giz

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...