5.7.13

Coração

Passos acelerados tentando esquecer nas falhas do alcatrão a culpa que nos persegue quando nem de nós resgatamos o perdão e o choro encharca as grossas nuvens que ameaçam abater-se sufocando a garganta, espera, espera sem desespero que o corpo a tudo se habitua e no fundo o coração é tao pequeno. afoga-o na caneca de cerveja e vomita-o na próxima sarjeta ou entrega-o a alguém ainda mais sufocado que tu e compraz-te por teres salvo alguém. “vem vomita na minha boca coração”

4.7.13

Crochet enfermo

O grande motel de vidro espelhado abre as cuecas para entrarem e saírem os carros, em frente no gramado as silhuetas das estátuas gregas e as palmeiras imperiais iluminadas por neons roxos e verde-inveja.  No grande cartaz um romano chicoteia uma quadriga com um chicote de neon vermelho. Há volta asfalto e galpões brancos e cinzentos.  Por ali um só prédio residencial de 3 pisos entrescondia a lua. O lampião frontal tremeluzia uma insônia freudiana. Uma luz alaranjada no résdochão denunciava uma sombra cadavérica.

 Andava descarnada sarabandando a ossatura de xaile encharcado perdida na sala de estar cogitando nos reflexos deformados dos espelhos dos armários, as pranchas do soalho plangendo como um grasnar da alma da casa, o lamento fraco mas contínuo da decrepitude. Mira-se e o tempo osteoporoso estilhaça-se entre memórias embaçadas e uma mistela de oco e murmúrio como o que ressoa nos entreforros dos salões abandonados.

Porca preta


1.7.13

leite adolescente

Ele dançava dando dois passos com o esquerdo e dois com o direito e estocava os indicadores como se contasse os passageiros de um onibus depois da parada para xixis umdois tresquatro se esbarrava com alguém apontava para o céu umdois fechava os olhos com sentimento e piruetava noutra direção puntzpuntz a noite toda mamando daikiri colas como um elefante furibundo e guloso. por vezes no passo quaternário mimava uma bufinha empinando ligeiramente a peida "bumbum/ aqui estou /arregaça a manga/ e lá vou eu" claro que eram trejeitos meio abichanados mas a sua vontade era só a de beijar uma garota. várias chamavam a sua atenção e com todas elas fantasiava ou por causa do rimel preto que dava algum mistério ou talvez por uns collants malha larga ou um sorriso com covinhas ou um decote suado ou porque lhe parecia que duas meninas falavam de si e dançava frenético como se fosse um ritual tribal convencido que o seu êxtase, a sua vibe se transmitia a quem passasse e contagiava. Interiormente emulava diálogos com garotas sem nunca ter arriscado um oi. por ele podiam arrancar-lhe beijos sem ter de dizer nada mas isso nunca aconteceu. voltava para casa de táxi, comia uma torrada com o pullover a cheirar a bedum fumado arrotava e peidava como se tivesse carcomido de ácidos e os olhos ardiam como tochas. batia uma pivia no lavatório para baixar a tensão e adormecia a sonhar com jogadas de futebol "gingo à esquerda, ligeiro toque à direita, defesa queimado tapando o ângulo de visão do redes e finfa chupa lá para dentro com violência e adormece... esse estágio de pré crisálida pode ter se arrastado por uns 6 anos até que numa festa de carnaval deu uma bimbada num despojo etilizado e dai em diante aprendeu a caçar e cansou-se do daikiri enjoou das coisas doces e fáceis engrossou a voz e tomou o gostou por marretadas nos colhões...

testes

Se não é psicológico ou psiquiátrico deve haver um teste nas farmácias como o da gravidez que através dum palito embebido no mijo ou numa defecada nos diga se estamos homossexuais

Na Cova dos Leões

Desde que parou de orar tanto perdeu um certo pudor e visão beatifica que tinha sobre os homens e os seus pensamentos perderam elevação e candura e tornaram-se mais grotescos e palpáveis não mais reais mas menos metafísicos e julgando mais as aparências perderam justiça e encheram-se de detalhes e repetições. Os presos interiormente dialogavam com os seus respirares que era tudo o que expunha para fora nos primeiros dias. Talvez lhe quisessem fazer mal alguns, tirar proveito da sua inexperiência e da sua solidão. No meio das feras não queiras estar só assim deviam pensar os primeiros cristãos em Roma, com a mente postada em Daniel . Eles liam os seus suspiros profundos e os minutos em que sustinha a respiração. De tão absorto em pensamentos: penetrava as paredes de concreto com o olhar, travava a fila para receber a comida de olhar esgazeado no vapor libertado pelos rechauds. Interiormente remoía os seus conselhos dados à sua esposa: se eu te abandonar procura rapidamente um homem que assuma o meu papel e cuide dos nossos filhos.

Caldeirada de Piranha

O barraco era nos arredores da praia da Luz andava-se meia hora pela serpenteante estrada de terra que leva à praia da Luz. Por entre a mata aos solavancos deixando uma nuvem de pó, cruzávamos pesebres com gente negra de olhar vago ou alcoólatra, casas distantes umas das outras como se todos prezassem a sua solidão ou tivessem algo a esconder da comunidade, por vezes a vegetação acachapava-se escondendo braços de mangue. o sol chapava o tejadilho do carro. Um barraco do tamanho de um quarto todo feito de madeira. Há volta só mato e floresta, lá dentro na penumbra um cheiro a merda de gato misturado com o caldo de piranha, um negão que a cada movimento levantava um cheiro de cu talvez por estar todo aberto e o velho que o comia chupando as espinhas .”come aí isso é casa de pobre mas tá tudo limpinho”. eu recusei sou um pouco enjoadinho. os gatos andavam para todo o lado e os pássaros saltavam frenéticos nas gaiolas levantando penas. não dava para ver os limites do cômodo, a luz que entrava pela pequena janela cegava.  Mais tarde pensava no que leva um homem casado, com filhos adultos, fama de bruto e amigo da bebida a aninhar-se nos braços dum negão em busca de afeto, carinho e sexo selvagem. Depois de descarnadas as piranhas e decepados os temas de conversa começaram a entoar macumbas e o negro acendeu um charuto velho, o breu ganhou densidade. Sentimos abater-se o sono e a custo saímos de casa, entardecia e o calor do dia emanava agora da terra escaldada numa onda morna e pestilenta de mangues em decomposição. um batalhão de mosquitos foi destacado para nos chupar. seguimos a pé rumo à praia, de lá chegava-nos entrecortado pela frondosa floresta,  o som dos fanhosos sound systems dos botecos da praia. Assaltavam-me sonhos de jogo ilegal, caveiras, diabos de new orleans. Por que sigo eu com estas pessoas porque me juntei a elas. Poderemos cortar abruptamente laços de sangue? Ou em certos refogados é nos lícito desejar a morte? O cortejo seguia fúnebre e lancei mais um tema: ” Alguns assassinos são muito burros na hora de encobrir a sua matança. Não falo daqueles que vão até ao posto de saúde tentar matar uma ex-parceira (feia como entulho) à frente de uma fila de espera de velhos com doenças indefinidas, não, falo daqueles que tendo cumprido bem a primeira parte, a da matança cometem erros estúpidos na hora de esconder os despojos da sua selvajaria.

21.6.13

Rio de Janeiro Riot

As manifestações públicas excitam-me. o partilhar de emoções extremas faz desta rua um urbano bacanal em que gememos sofremos exaltamos e glorificamos como umas…
primeiramente amigos: bom dia

nem tão bom que leve a preferir amar no ônibus em vez de no motel nem tão mau que me estupre cada vez que freia e já agora a unidade de intenções duma multidão só poderá ser garantida na sintonia de pedidos simples feitos pacificamente. qualquer exaltação extremada dos ânimos puxando pela força do gigante só provocará o seu desmembramento. Ah e se te sobrevier uma tentação irresistível de vandalizar lembra-te que uma bala de borracha nas partes íntimas doi muito mais que o fim duma relação amorosa apaixonada e que um bastão da PM na cara te pode desfigurar.

Kaspar Hauser

Hauser é a semente calada
que explode nas entranhas do porão
sonhando com os gemidos vagos da escuridão
tecendo entre os galhos da árvore
a música do que apenas conhece
um sonho entretecido de acordares cegos

na neblina de mistério que um dia se rasga
de encontro ao chão frio duma praça germânica
foi o teu purgatório oh bem-aventurado
que tiveste a dita de viver mais sonho e menos realidade
o teu paraíso foi a infância
do anel de luz cintilando atrás das pálpebras

do breu agora floresce

tartamudeando nas pautas do inferno 



2.6.13

issso

Petição
O cais tinha uns pilares toscos de concreto pintado de branco a ponte metalica descendo do cais mergulhando no mar suavementeonde se refletiam nas mansas ondas o guardacorpo e as pilastras azul forte que descansavam na sombra do telhado de fibrocimento. A esquerda uma pequena praia de esquina onde saltam os urubus que a destancia da barca se confundem com as rochas negras de sargaco anos e oleo dos motores das embarcacoes
ali se ajoelhou Célio comovido com combinacao dos esforcos da industria humana com a dadiva divina ajoelhou e orou por um redil onde pudesse acolher um rebanho carente e em busca de renovacao e apesar da imundicie vergou as costas compungido do seu atrevimento exultante de espirito e beijou a fimbria do manto que é a baia de guanabara que se esparramava mansamente por aquelas areias quase rocando os joelhos de Célio

Ação de Graças
O pastor célio abriu o portao da loja numa nuvem de sol e po alinhada com as restantes construcoes da comunidade destacava-se por uma pintura ligeiramente mais recente a sua cabeca fervilhava com os inspirados sermoes que cantaria no meio do povo uma causa ganha na justica contra uma telefonica fora o aval divino aquela empresa o escancarar do redil com uma patada de 6000 reais

Perdão
Eu que preguei o arrependimento arrastado morro abaixo pelos cabelos a cara em sangue feito um cristo negro negro de compaixao

notas do celular 06 - da solidão e da vontade de morrer escrvendo

Nao conheco nenhum escritor pessoalmente, nao sei o valor do que escrevo, nao toco qualquer politica, nao sou aventureiro ou diletante ou farrista ou mulherengo sinto conforto no dia a dia nao me insurjo tenho ideais e esperancas que nao partilho com ninguem gosto de musica mas nao ligo pras letras nao penso em suicidio ou revolucao procuro deus domingos de manha o exito segundas à tarde
Mais que os anos moem-me as saudades

praia da luz I

Um barraco do tamanho de um quarto toda feita de madeira Há volta só mato e floresta, lá dentro na penumbra um cheiro a merda de gato misturado com o caldo de piranha, um negão que a cada movimento levantava um cheiro de cu talvez por tar todo aberto e o velho que o comia chupando as espinhas _ come aí isso é casa de pobre mas tá tudo limpinho. eu recusei sou um pouco enjoadinho. os gatos andavam para todo o lado e os pássaros saltavam frenéticos nas gaiolas levantando penas. não dava para ver os limites do cômodo, a luz que entrava pela pequena janela cegava.

Antares da Rola Souza

testes


Se nao é psicologico ou psiquiatrico deve haver um teste nas farmacias como o da gravidez que através dum palito embebido no mijo ou numa defecada nos diga se estamos homossexuais

goverrno

Malvasias

Malvasias
mal vazias
maviosas
flores da vida
camélias que se julgam rosas
que se alçam nos saltos
de coxas grossas
engates silenciosos
caixas ocas de ossos

Conde de Ornelas

29.5.13

Godés

Mergulham feitas loucas as pigarças a barca das 8h40 esfuma-se
no nevoeiro que esconde o rio de janeiro na proa o
antiderrapante cimentício brilha o céu choroso o vento nas
poças dança como se lavasse arroz ou misturasse tintas todas
as tintas como fazem os meninos nos seus godés de plástico
branco misturam as tintas e a água da chuva sem fechar a
torneira a água balouça e os vermelhos rasgam tudo
prenunciando uma cor raiada maravilhosa como os beirados de
telha numa poça o amarelo recebe entrega-se dá a sua luz não
se vê hoje o sol mas o seu bafo insufla o nevoeiro e às vezes a
luz torna-se mais insuportável aos olhos. as pessoas tossem e
pigarreiam tocam celulares o mp3 só toca canções de que já
estou farto e tenho preguiça de procurar outra. se agora
estivesse a chegar a cacilhas de certo estaria sol e os olores
do tejo enrolados com fragrâncias de frango assado churrascos
grelhados

Cris Manta

objetivos

O nosso objectivo agora é enriquecer comprar uma casa um carro
uma mulher e irmo-nos equilibrando em contas que nos permitam
pagar a subsistência, a nossa e a do estado e dos nossos filhos
bastardos os bancos e se possível acumular para termos umas
férias ou outra merda qualquer que compense a vida de burros
que levamos, damos por nós rezando para que nos saia a lotaria
ou que nos dêem uma herança de algum cadáver que não sabíamos
ser nosso primo, vemos algumas pessoas, todos nós conhecemos
alguém que não aparenta ter de se esforçar para ter tudo
aquilo que nós queremos, aposto que esse quer também coisas que
não tem, coisas que talvez para nós sejam demasiado boas e se
olharmos para trás com certeza alguém pensará o mesmo de nós
como é que aquele babaca se permite alugar um apê de 800 reais
mensais como é que aquela vaca pode ir ao Mac sozinha durante
o almoço num dia de semana estes pesadelos assombram-nos todas
as tardes no caminho casa depois do trabalho

Diniz Malafeita

Surtado

Surtado coração por entre silvas e malvas, o sangue flui na
resina da roseira e a carne faz-se pão, o fulgor do vento força
o fumo a atrofiar os quartos da casa quem nunca escutou um
festivo tiroteio e um pivete de fuzil na mão e as ânsias
que vagueiam entre o sonho de uma casa rustica perto das rochas
e um vencer a lotaria ou uma quaresma de putaria mas o olhar
disléxico de novo afunila na fragmentada rua que trepa morros
fora tijolo escada e escarpa e estilhaços de céu que cegam o
peito é um ermitério cheio de refugiadas revoltas e alegrias
tolas que a boca de pedra sela inventemos então as vozes
interiores com quem desabafar elejamos o cabrão o porco o rei
o anjo dentro de nossa canalização e aprendamos a apreciar o
nosso próprio vómito tenhamos o garbo até de o pintar com
diferentes fragrâncias papilando-o de taninos e sais e molhos
suculentos uma barca cruza o nosso horizonte negro de
guanabara com a sua cintura odalisca de luzes ali no morro
cara de cão fica uma virilha acolá o forte de niterói outra
virilha e o atlântico ah o atlântico não saio. entro em
atlântico

9.1.13

Jurujuvae

vigário por onde andava esta ovelha que me zombava fora do redil.


Jurujuba é a nossa Córsega nosso ninho de marisco nosso esporão afoito entre águas do mar
contemplando o anfiteatro das serras à sombra do Patrício forte ao alto do Pico
(Serras ou morros? concordo com morros.)
Não haverá tristeza por esta terra? Porque insistem em andar em festas?
Em vão choram os chicos seus maiores poetas?
Atravesso na barca já sem noção para onde vou
(onde estão as barcas que nos prometeram para o Natal?)
Praça ArariXVAritas ou simplesmente vou dar um passeio de biciclete dupla toldada
na formosa paquetá e comer um peixe frito em fuelóleo filtrado nas areias baças da praia da luz?
Alá entre as silhouetas dos montes (montes ou morros) a urca o prepúcio do páo de Açúcar
o morro da viúva o rigor do corcovado um câncer ou um cancro neste caso seria de mama
o Rio Sul todo o santo dia pra lá rumo
com o coração nas jurujubas nas praias vermelhas nos itaipavas e nas brahmas e nos cânticos em latim que se perderam e já só se ouvem em surdina nalgumas capelas bem tratadas


treinos de sucker

El increíble rugador de fußball Emilio Putragueño

19.8.12

Cantares de Coimbra


todo o bem que não se alcança
mora em nós como uma dor

Oh belo luar em calda
derramado na cara da água
vieste para me atormentar
que me ia atirar ao mar

se o governo não quer
que eu jovem vá trabalhar
largar o couro pla pátria
o que eu hei de fazer
só me resta agradecer
hei-de passar uma década
pela casa a vaguear
entre o quarto e a sala
coçando o rabo e o saco
mas também hei-de implorar
uma reforma aos 40
para me poder alimentar
e vou cantar com o zeca
ao som da cabra coimbrã
está na hora da cama
não chamem mais por mim

HINO

Ondas que se persignam
e ajoelham devotas na praia
carpem os retábulos das escarpas
jaculatória gaivotas pairando
até que brame o céu
e o filho temente ao pai irado
o cenho cerra e de rosto plumbeado
se recusa a louvá-lo
torna-se manso e morno
vómito salobre e podre
estagno de naus e caravelas
vinde oh vento correr a entregar-te
como dádiva e símbolo do teu pai
e faz de nós um mar novo

túneis e poços


Túneis descendo húmidos
de água podre e limos,
recônditos medos
eternamente suspeitos
que surgem no caminho,
vapor de lamaçal imundo

homem interior que esmaga
na mó do seu moinho sonhado
vivas criaturas dançando
na corrente do rio em sangue

E o leito do rio há pouco morto
transpirava a cada lamento nosso
um bafo de lama húmido de mofo
do monstro negro escondido no lodo

entre árvores uma neblina escura
rasgada a medo com tremuras
em busca da luz cada vez mais funda
coada entre brumas, frio crepúsculo

sobre os limos secos em passos lentos
tristes se afogam nossos pensamentos
na manta morta que a noite sepulta.

mergulha no poço
meu filho
que eu fecho a tampa ao teu vazio
tijolos unhas e choro

post mortem


fiquei pesado.
Como chumbo no peito.
O lastro da tristeza dos outros afoga-me.

Intoxicado de amargura num castelo de areia
que se quer desfazer mas o vento não derruba
Asfixiado com a vertigem dum dia solarengo,
arde o deserto de fora e o de dentro

As músicas embalam esta densa melancolia,
enquanto lembro o seu sorriso de alegria...
Foram curtas as notícias um soco no peito
doce remédio amargo veneno

Quis falar mas sofrerei sozinho.
um baixo de lágrimas convulsas
licoroso tórax suspendo o juízo
calo-me, meço a onda e mergulho

Vocação


Se um trote se aproxima em pedra
Serra da alma desolado castelo
Um beijo do arauto clara trombeta
Nas muralhas nova vida desperta

Recorda-te da água luz entre os pés
seminus garimpávamos a noite
no gelo da sombra leito do rio

Canção Élfica

Ah o mistério suspiram
Os troncos por vulto estranho
Um carreiro de formigas
cruzam em silhoueta
na desfocada fogueira
O sacrifício aguarda
pelo corpo sacrificado
As árvores lêem no musgo
uma indulgência perpétua
silêncio que permanece
Caminho seguro de ascese
Permanência de mistério

Criação


Perturbou-se o vento fez
Tremer a folha iluminada
Nos corredores arejados
Duma antiga biblioteca

A densa noite aguça o
Nó da verticalidade
Da multidão das árvores
Limalhas de luz e pó

E o silêncio desmentido
Em proverbialidade
(extracta)
Acrescenta opacidade
Ao branco claro do livro

Ogiva da biblioteca
Pauta e sulca os sons do dia
Ser dum universo espelho
Ponte sobre a noite fria

Escrita anelar em água
Cascata de lenho e espírito
Quase um bicho, um bicho quase
Ungido no espirro divino

Atoleiro da Noite


Desenterrado das areias só conheço
a noite e vejos os fogos na outra margem
do pântano livres da multidão
dos grãos os galhos veneram a lua

A água e a lama lambem-se uma à outra
em polvorosos lamentos as raízes
Entumescendo ao crisol dos ventos
gritam os fogos carpindo as árvores

decompostas no atoleiro da noite
A carne envolve o tronco à árvore o sangue
prova a seiva compadecida dos lenhos

sinal da casca e percorre os leitos
desde as raízes identifica os séculos
eleva-se, busca os ventos com os dedos

perdidos entre os ramos que só a noite conhece

Linha


Um monumento de céu
desenha o horizonte
essa linha infinita é elusiva
charneira entre o que a vista alcança
e o que só o coração adivinha

Rochedos Mar e Suicídio


I
entre os rochedos
junto à baía
com vento na cara
sinto me almirante
um gigante que enfrenta o vento
rebenta a espuma entre as gargantas
com um silvio arrepiante das fossas
engasgam-se as entranhas das covas e grutas
e arrota com estrondo o peito da praia
por sobre os chapadões recobertos de cracas aguçadas
que o mar engole com terríveis remoinhos

II
à tardes que saudade me sufoca a garganta
então venho até aqui ver sofrer o mar
e já não me sinto afogar sozinho
toda a costa soluça com a brutalidade das vagas
e as fossas soluçam de espuma até ao céu
a ventania substitui-me as lágrimas
pelas gotas salgadas do atlântico
e nessas noites sinto-me respirar Lisboa
encalhado no sopé do Pão de Açúcar
a saudade é um exílio
quem a sofre é uma andorinha na gaiola
o desespero é um suicídio

III
Venho até aqui ver morrer o mar
suicidando-se com estrondo
rebentando seus múltiplos crâneos
contras cabeçudas rochas
como um almirante aqui ao vento
sozinho enfrento o rugido
infernal das vagas impotentes
tentando subir eternamente
para a terra que lhes é negada
uivando de saudade e sal
como um moisés nos muros
da sua nunca jerusalém
só tocada pelos seus filhos
a intensa chuva purificada
aqui me tenho procurando ver mais
fundo por entre os remorsos
revoltos do oceano cheios de raiva
súbita que logo engole transbordante de paz

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...