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25.9.09

Podemos sempre forçar a Melancolia

4 da manhã
Mais um voo sobre o Campo Grande
Para onde vai?
Convenço-me de que a escrita
não deve versar sobre a realidade
não interessa. Oh sobretudo a música
o sonho a loucura.
Espamos sobre espasmos sobre a espumosa brandura
Criação convulsa
A noite cala-se lá fora
Por respeito
A um carro que lentamente a cruza

Orlando Tango

Tentação

Aproxima-se toda fêmea
De mãos e joelhos por terra
Petrificado espelho a insinuação
Das omoplatas, desejo
A tentação é o mosto que lhe escorre
Pelo queixo
E é também o tempo que se prova com um beijo
...................
Chegou algum dia a sublimar-se tal ensejo
Estabiliza-se o movimento em repugnância
Dança dança decadência...

Lúcio Ferro

19.6.09

A culpa não é minha
A soma é real
Decalcam-se na vidraça de meus olhos
Extractos de objectos que me enquadram
Me impedem de cair
Uma estrada de alcatrão
Duas dolentes calçadas como asas
E um escorço do exército de alinhados plátanos
De troncos manchados pela chuva
Adensando o fundo de verdes férreos
Ordenando a matéria as matrículas dos carros
E a sequência finita dos pilares junto aos lancis enferrujados
A tentação é o infinito.
E no entanto estanco a cada passo e gravo
Mais uma prancha de volumes sintetizados
Um parque de parda relva macerado verde
E várias pedras incrustações na terra pedras
Uma bic cristal sem carga carregando o brilho do sol
Sal pisado, elementos que se multiplicam em mil reflexos
Carteiras de instantâneos desdobradas
Individualização do que se prova colado.
A perspectiva jorra sobre o plano-chato
Que se arquiva na memória
A memória é ávida como um sótão
Jamais se enche na sua aleatória arrumação
Que o que se perde não ocupa espaço
Não conhece nem o dia nem a noite
Onde apenas baloiça esquecido um vago candeeiro de tecto
Entre caixas e mais caixas e concerteza muito mais caixas
Cheias e vazias lado a lado juntas segundo algum critério
Mas com critério aquele que é mutável.

Orlando Tango

For You My Love

Que belo o que escrevo se trás o teu cheiro
Contagiado em teu verde ópio lírico
Percorro o delírio irmão mais velho
De tuas veias dissolutas em Ouro onírico

Lúcio Ferro

7.4.09

O Enxurro

Traz enxurro
Arrastou-se gordo pelas folhas adormecidas e pela lama

Murmúrio através dos tabiques

Romperam endemoninhados
Sepulcros fora
De calva e ventre gorduroso

videira solo arenoso
cepa na areia
a parra, o sarmento, o cacho

Silêncio e humidade até à medula
A muralha exala-se em bafo

O esboroar secular das rochas
O cheiro a floresta apodrecida
Vida secreta e vida subterrânea
Tabiques escafiados
Pardacentas salas
Atrás de salas
Labirintos cúbicos de decadência.

“Cobrindo o céu uma só nuvem do mesmo cinza
Desta desolada praça de granito, uma só árvore
A humidade substitui as sombras
Um só dia, uma só badalada cai do sino”

É hoje que virão para me abater
Oiço já os seus passos e as suas conspirações
Suspiradas nas escadas do prédio
Alma de pélago
Não me vou mexer
Varra-me o temporal

Orlando Tango

O Poço Infinito

O azul corcel esbaforido
Transvaza o seu leito
As mil poças os mil tesouros de brilho

Malárias litanias

O vinho nunca é pálido
Sempre grita o espírito
Que a batalha lhe corre nas veias

A voz perturbada
Dum velho sobreiro
Gritos ecoam na pétrea biblioteca.

O peixe
O monstro marinho
Cego e cruel

Estevas odres mosto

Chove em alaúde
Adensa a bruma
Nas clareiras do tumulto
Do húmus insepulto
Humano bafio húmido

Nichos de viva treva entre as trevas da abóbada celestial

Habituados a beber o fel que lhes vem à boca

Vitrais de luz funérea

Ogiva de cristais
Sinos longínquos e construções de madeira rangendo

Abandonámos nossos ossos insepultos
Impelidos por inominável latência que nos ebulia no sangue

Destinge sonho

É preciso abalar a terra (os túmulos)
E desenterrar os mortos

O Cavername roído pelo mar das trevas

A noite como uma camélia gelada
A abóbada da noite
Do tamanho do silêncio
“mensurada só pelo silêncio”
A gota de vermelho – açafrão que
Tinge toda a água

Orlando Tango

Gútura Soturna

“Só o que é selvático me interessa
E acorda em mim sonho, perfume e ferocidade…”

não seria um bispo gordo e perverso?
É tão difícil distinguir a vaidade do orgulho...

oh insone, enchuto, imuto tempo.

A lagarta coral e azul-turquesa
Contorcendo-se sobre a relva
É venenosa

Atravessou a estrada
Um tigre na t-shirt

Que bem me fica a ti nem tanto

Propalou-se o logro em laço revira-lhe o forro
Domingo de Ramos arrojados de rosto
por terra Santa Terra

a pequenez da criança ajuda
a termos por ela ternura

Absit Omen????

Destilámos tanto mal uns sobre os outros
Que os nossos fígados mirraram

filioli morituri nascituro
particípios - dicionario etimologico

Investiguei a parte de trás de todos os quadros, todas as pinturas

A escola é uma grande teia de aranha

Para mais fácil aferição do calibre do animal
Cabedal cabedal

Anjos: são cabelos de aço
Inquebrantáveis do céu até cá abaixo

“Dominando a paisagem dois ou três marcos geodésicos.
Lá no fundo uma pegada de vide empoçada e que reflecte o céu
Ali se miram e remiram na sua mocidade”

Orlando Tango

23.3.09

Debaixo da Cartola

Não gostava que me prestassem a mesma atenção
Que a uma professora picuinhas e moralista
Que pensa que tem amigas

*

Custa-me dizer que me custa dizer aquilo que imagino
Que seja a verdade

*

Construímos uma casa debaixo da cartola
Uma sala com quadros de família
Uma mesa desarrumada
Onde recebemos os amigos
E a cada um servimos
A bagunça adequada
Mas temos vergonha que vejam
E toquem nossos naprons de moralidade
Tingido dum bafo de naftalina
Também não deixamos que se sentem na poltrona
Que jaz na sombra
O sol queima aos antepassados a réstia
Da alma sépia
Podes usar o cinzeiro de vidro grosso
Está rachado, é de família

*

Como cão bem sabes que como cão me contento
Com qualquer fogoso afago no cachaço


Lúcio Ferro

Rebolo

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

As moscas congelam no espaço
Infinitamente quadrado da tasca
E caem letárgicas sob os pontos do dominó

A noite côncava
O pio triste dos sapos
O latir desesperado dos cães
A monotonia dos pneus sobre o asfalto
Um muro escorre dor à sombra
dum lampião

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

“Só dou pelas coisas belas da vida, depois
que passaram por mim e
não as posso ressuscitar”

Poeira da pedreira
Fino pó poalha
Excedente finíssimo
Fervilhante de secura
Que abafa e sufoca
Depositada nos brônquios

Rebolo o disco de amolar boleia-me a alma

Orlando Tango

6.2.09

Síndrome de Estocolmo

A remanescente utopia Copenhaga urbana
Labirintos nas amalgamas de ciclos
Manhãs enevoadas analisando o betão
Pozolanas, aditivos, margas
Afloramentos ferruginosos

Nemésio, Sena e Belo
Pagaste dois levaste três


Garçonettes pagas a bifes encharcados em alho
No beco das traseiras
O apaziguador esse grande arquitecto
Que domina a alma de cada criança
Vareja no meio a virtude

Entre potestades velhas glórias
Teremos nossos chás dançantes
Sobre a regra da Europa
Envoltas em napa sedes bacantes
À lareira de séculos atlânticos
Em Londres apoia a testa
Refastelado no Cáucaso
A corda foge do arco em tensão
Onde nos apoiamos o coração
Família Europa família sem mãos

Gravidade-electro-magnetismo-fortes-fracas-plasmas-bozões-z-w-itch
Poço-infinito-alto-forno-polo-aço-gusa-torpedo-escória

A minha mão os lábios o coração
Nascidos de novo dum vento novo
Dedos em gancho gravando o terreno
Segunda a nova ordem do padrão

Os lábios símbolo do recebido
E da entrega o desenho de sangue
Que sibila o sopro de vida
E infla um fogo flama infinda

O surto púrpura
Estéril de sal
Que aplaca seco
O irado clavicórnio

Desce condescendente
O mármore da verdade

Liguei-lhes a mesma importância que teriam
se fossem invisíveis a olho nu

“Porém ter feito em vez de não fazer
Isto não é vaidade
Ter, com decoro, batido
Que Blunt abrisse
Ter captado no ar a tradição mais viva
Ou de um belo olho velho a flama invicta
Isto não é vaidade.
Aqui a falha está em não ter feito,
Tudo na timidez que vacilou…”

Se bem que tu, que abriste as portas
Do primeiro círculo ao Alexandre
Saibas de gingeira que não é o espírito inflamado
Mas a carne insaciada
A fibra que apodrece na mortalha
Dos apóstatas

Orlando Tango

Árvores I

O tronco oco que cresce gordo e bichoso
de ventre carcomido
exala o cavername gangrenado

A aurora do eucalipto branco
Inventa gestos quase humanos

…gota a gota entre as gretas da fraga esgravatada
grutas onde tanto afaga a treva como a luz
rege castamente o eco o silêncio o medo

Arrepanha a raiz de um carvalho
músculos de terra

As folhas que perdem definição
Enevoa-se o rigor do traço

Os reflexos de todos os enxurros
Desaparecem como um cães vadios
No mofo denso do sórdido pardieiro
negro em pingos tristes brincos dos espinheiros

Alavancas de dor
Êmbolos de solidão
noites mais opressivas
Sob o arco das têmporas
Vergônteas de ambição
Curvam-se as videiras

Orlando Tango

3.2.09

Raio-X Organismo Decomposição

Dânticas aspirações de sonetos
Ocos como enquinados aquíferos
Com a leveza de grinaldas frásicas
Salada conceptual para a mesa 4
Com esfiapos de tordo-eremita
Que a dona L. resquenta e guarda na marmita
Turdus Aonalaschkae Pallasii
Na mesa ao lado um adónis dourado
Adornado de aromas melífluos
Expande o delirium tremens
Aos que não sofrem de sinusite
A cada garfada nova estocada seca
Nas costas de ex-alunos amigáveis

Lúcio Ferro

2.1.09

Hilemorfismo Cotidiano

o enter é transcendental da metafísica
no mínimo um co-princípio
para alguns um amen
assim seja

Lúcio Ferro

1.1.09

Segredo

Um segredo como um barco velho
Preso e escondido entre uns juncais
Sempre com medo dos corvos rabugentos
Que vagueiam em círculos os baldios

Nem medo, nem lei, nem ruídos, nem olhos,
Nem mesmo os nossos, até ao nascer do sol
A sombra a sombra da loucura saída
Da sombra da morte sobre os vivos caída

Em todas as cidades chuva arrasta
Um cheiro de morgue ou de couves
Podres dos pântanos mal dragados

Orlando Tango

Escórias IV

I gloriosi nostri colori splenderanno sempre!
Sicut herbae
It’s hard to believe
When you only see
The backside of the tapestry
Believe
It’s all
Green
Green
Green

A chuva arrasta um cheiro de morgue
Ou de couves podres
Cantos vesperais

Os azedos da oxidada pedra
A pedra azeda
A lâmina de pedra azeda
Sob o rio óxido

A sombra de eternidade
Por fim liberta

Dir-se-á que mentia hoje a um santo

Façam-me reparos sem fundamento
Títeres úberes céleres

Orlando Tango

Sonho Bojudo

Sonho bojudo de seixo maduro
Até à superfície de vapor
Que o envolve em suma
No limite do seu esplendor

Nicolau Divan

20.12.08

Desfibrilador, Cautério, Farpa

Difuminada cortina
Aveludada de charutos
Alarmes de vida
Surtos de púrpura
Alegres em ganga nos baldios
Mocassins e meias de algodão
- tens de tê-la toda
Fractais de isabelina telha
Jardins reais
Estátuas escarchadas embebidas pela relva
Choros em fonte
Na madrugada mais entediante
Tábuas e tábuas de charcutaria um pai autoritário
O fósforo cai no álcool
Chora chora
Lá fora
Escorrego de novo na areia
Doutra infância
Cristalizo num modernismo
De aço e gelo. Uma cítara o belo
Perdido eco balbuciante dolente pelos vales sem consolo
A noite volta a cair sobre o refeitório operário
Em surdina a maquinaria
De novo o sol desfibrilador, cautério, farpa
Enfado-me com tanta informação
A chuva uma voz uma correia de biciclete
Talvez um sino
E concerteza um navio que aproxima todos os dias

Orlando Tango

19.12.08

É Sopro

É sopro que se faz bolbo
E desponta em pétalas
Sussurros de rosa
De coração moldado ao espinho

Nicolau Divan

16.11.08

O Cerne do Pensamento

o cerne do pensamento é
a falésia arenítica além Tejo
sem aviso se esb'roa a meus olhos
sob o rio em cascata espumosa

dilui-se nas águas dos cacilheiros
e faz-se meu não como o estáter
encontrado e entregue na boca do peixe
mas outro Tejo fluindo sem substrato

navego nocturnas esquecidas águas
e se me ofusca noite alta um Bugio
do leito com rotina industrial

drago do Tejo areias pretéritas
entre friáticas neblinas do Rio
ergo em pensamento novas falésias

Lúcio Ferro

Escórias III

vagidos opalinos de outrora
soam agora sinos do incerto
indexei a criação montei um universo paralelo


Razão tinha o crato o prior
mas é ingrato será melhor

Orlando Tango

Convento dos Capuchos

palmas das mãos nestas pedras de musgo afago o teu fôlego neste claustro oh Deus do fresco da capela me arrepia o teu sopro do teu cla...